sexta-feira, 31 de maio de 2024

Estados alterados de consciência



Estados alterados de consciência são estados mentais diferentes do estado de consciência habitual na nossa atividade diária considerada normal. Durante o sono, enquanto sonhamos, passamos por um estado de consciência que cai dentro desta classificação de estado alterado de consciência. Transes ou estados de êxtase, ou de meditação zen profunda, são outros exemplos de estado alterado de consciência acordado. E também sob o efeito de certas drogas. O estado místico pode ser considerado um estado alterado de consciência. Nele, a percepção do indivíduo sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo ao seu redor pode ser significativamente diferente do seu estado de consciência habitual. Este estado muitas vezes envolve uma sensação de conexão profunda com o universo, transcendendo os limites do ego e da percepção ordinária.

O estado místico pode ser definido como um estado de consciência profunda e transcendente, caracterizado por uma sensação de união ou conexão com algo muito maior, seja o universo, ou o divino em contexto religioso. Nessas experiências, as fronteiras entre o self e o mundo externo podem parecer diluídas, levando a uma sensação de unidade e compreensão intuitiva. Este estado muitas vezes é descrito como uma experiência de êxtase, transcendência ou iluminação espiritual.

Um estado místico não é necessariamente um estado fora da realidade. Embora os estados místicos envolvam uma alteração significativa na percepção da realidade, não devem ser considerados como algo fora da realidade. Em vez disso, eles oferecem uma perspectiva diferente da realidade, muitas vezes mais ampla e profunda do que a percebida no estado de consciência ordinário. Essas experiências podem fornecer insights e compreensões que transcendem a compreensão convencional da realidade, mas ainda assim fazem parte da experiência humana e são interpretadas dentro do contexto cultural e pessoal de cada indivíduo.

Um dos neurocientistas que tem estudado este facto da consciência é Richard Davidson, incluindo o estado místico e os efeitos da meditação e da prática espiritual no cérebro. Ele é conhecido por seus estudos sobre os efeitos da meditação na plasticidade cerebral e no bem-estar emocional, bem como por sua pesquisa sobre a relação entre mente, cérebro e corpo. Suas descobertas contribuíram significativamente para a compreensão científica dos estados alterados de consciência e para o papel da prática contemplativa na promoção da saúde mental e emocional.

Richard Davidson valoriza e incorpora as experiências e práticas da tradição indiana e budista em seus estudos sobre consciência e bem-estar. Ele colaborou com vários mestres espirituais e praticantes dessas tradições para entender melhor os efeitos da meditação e outras práticas contemplativas sobre o cérebro e a mente. Sua abordagem inclui uma apreciação tanto das perspectivas científicas ocidentais quanto das práticas contemplativas orientais, reconhecendo a riqueza e a profundidade de ambas as tradições na compreensão da natureza da consciência e do potencial humano.




Sri Ramakrishna é um dos mestres espirituais mais reverenciados na Índia e em todo o mundo. Ele viveu no século XIX e é conhecido por sua profunda devoção religiosa e sua capacidade de experimentar estados de consciência mística desde tenra idade. Sri Ramakrishna é considerado um avatar, uma encarnação divina, por muitos de seus seguidores. Sua mensagem de amor universal, tolerância religiosa e busca sincera da verdade espiritual continua a inspirar milhões de pessoas em todo o mundo. Ele é especialmente venerado pelos seguidores do movimento Ramakrishna, fundado por seu discípulo mais famoso, Swami Vivekananda.

O Dalai Lama, líder espiritual do budismo tibetano, colaborou com vários neurocientistas e pesquisadores ao longo dos anos para explorar a natureza da mente e da consciência. Essas colaborações resultaram em estudos significativos sobre os efeitos da meditação e da prática espiritual no cérebro e na saúde mental. O Dalai Lama expressou interesse em promover um diálogo construtivo entre a ciência e a espiritualidade, reconhecendo que ambas as abordagens têm o potencial de contribuir para o bem-estar humano e para uma compreensão mais profunda da natureza da realidade. Essas colaborações têm sido valiosas para a promoção da pesquisa interdisciplinar sobre a mente e a consciência.

Inicialmente, os estudos que envolviam colaborações entre neurocientistas e líderes espirituais como o Dalai Lama foram muitas vezes mal recebidos por alguns psicólogos e acadêmicos estabelecidos. Isso se deveu, em parte, à hesitação em integrar métodos de pesquisa e perspectivas de tradições espirituais com a ciência ocidental tradicional. Alguns psicólogos podem ter considerado tais abordagens como pseudociência ou como uma mistura inadequada de domínios distintos. No entanto, ao longo do tempo, muitos pesquisadores começaram a reconhecer o valor dessas colaborações interdisciplinares e a importância de investigar a mente e a consciência de múltiplas perspectivas. Com o aumento das evidências científicas sobre os benefícios da meditação e da prática espiritual para a saúde mental e o bem-estar, houve uma maior aceitação dessas abordagens na comunidade académica.

António Damásio é um renomado neurocientista que, embora não tenha necessariamente colaborado diretamente com líderes espirituais como o Dalai Lama, tem explorado profundamente a natureza da consciência, da emoção e do eu através de uma perspectiva neurocientífica. Ele é conhecido por seu trabalho inovador sobre os fundamentos neurais das emoções e da tomada de decisão, contribuindo significativamente para a compreensão de como o cérebro humano gera a experiência consciente. Embora Damásio possa não ter abordado diretamente as colaborações entre neurociência e espiritualidade, seu trabalho certamente faz parte do diálogo mais amplo sobre a natureza da mente e da consciência, o que contribui para uma compreensão mais holística da experiência humana. Sua abordagem científica rigorosa e sua exploração das interações entre o cérebro, a mente e o corpo são valiosas para o campo da neurociência e para o entendimento geral da consciência humana.

António Damásio é amplamente conhecido por sua ênfase no papel fundamental das emoções nas tomadas de decisão humanas. Seu trabalho revolucionário destacou como as emoções desempenham um papel crucial na avaliação de diferentes opções e na escolha de um curso de ação. Ele argumenta que as emoções fornecem informações valiosas sobre o valor e as consequências das escolhas, influenciando assim nossas decisões de maneira profunda e muitas vezes inconsciente. Ao reconhecer a importância das emoções na tomada de decisões, Damásio ofereceu uma nova perspectiva sobre o funcionamento da mente humana, destacando a interconexão entre processos emocionais e processos cognitivos. Sua pesquisa tem sido fundamental para a compreensão de como as emoções moldam nossas vidas cotidianas e como a saúde emocional é essencial para o funcionamento adequado do cérebro e do corpo.

Se os conceitos de certo e de errado são do domínio do irrevogável absoluto; e se eu estou certo que Damásio está certo e Maya taróloga está errada, a questão que levanto é: o que leva Maya a estar do lado errado? O sentido de querer saber a resposta a esta pergunta prende-se com a ambição utópica de querer arranjar uma terapêutica eficaz para convencer Maya a estar do lado certo. E fazendo deste ensaio um teorema, podíamos colocar outros nomes no lugar de Maya. Para a maioria dos investigadores sobre esta matéria, trata-se de um problema de discernimento entre o certo e o errado. Mas para outros, é mais um problema da natureza do ser, ligada ao sentimento e ressentimento, como a cobiça, o egoísmo e a raiva.

quinta-feira, 30 de maio de 2024

As falácias por razões ideológicas



Ontem foi notícia em toda a Europa, pelo menos, que o Parlamento Europeu foi alvo de buscas por suspeitas de interferência russa. A investigação centra-se nas alegações de que eurodeputados foram pagos para promover propaganda russa através do site Voz da Europa.

De acordo com a notícia avançada pela Associated Press, esta quarta-feira, as buscas realizadas estarão relacionadas com o caso Russiagate, em que deputados europeus foram abordados e pagos para promover propaganda russa através do site Voz da Europa.

As redes sociais têm sido uma ferramenta poderosa para a disseminação de informações e o engajamento cívico, mas também apresentam desafios significativos para as democracias. As redes sociais facilitam a rápida disseminação de informações, muitas vezes sem verificação de factos adequada, o que pode levar à propagação de notícias falsas e desinformação, minando a confiança nas instituições democráticas e distorcendo a percepção da realidade. Os algoritmos das redes sociais tendem a mostrar aos utilizadores conteúdos que confirmam suas visões preexistentes, criando bolhas de filtro que reforçam a polarização e dificultam o diálogo construtivo entre diferentes grupos políticos.

As redes sociais podem ser alvo de manipulação por parte de atores externos, como governos estrangeiros ou grupos extremistas, que buscam influenciar eleições, disseminar propaganda ou semear a discórdia social. O uso indiscriminado de dados pessoais pelos gigantes da tecnologia levanta preocupações sobre privacidade e segurança dos cidadãos, com potencial para serem explorados por terceiros mal-intencionados. Enfrentar esses desafios requer uma abordagem multifacetada, envolvendo regulação governamental, transparência das plataformas, alfabetização midiática e digital, além do engajamento ativo dos cibernautas para discernir informações confiáveis das falsas.

Desde a década de 1960 que os sociólogos americanos têm reduzido a ciência biológica a enormes falácias por razões ideológicas. O debate entre o papel do inato (biológico) e do adquirido (ambiental) na formação do comportamento humano tem sido um tema de intensa discussão e, em alguns casos, tem gerado conflitos ideológicos. Esta "guerra cultural" reflete diferenças filosóficas e políticas sobre questões como natureza versus criação, determinismo biológico versus influência ambiental, e liberdade individual versus determinismo genético. Essas discussões têm impacto não apenas nas ciências sociais, como na sociologia e psicologia, mas também em políticas públicas e debates sobre igualdade, justiça e oportunidades.

A instabilidade social provocada pelo medo dos grupos mais competitivos no preenchimento dos lugares no emprego acaba por gerar ressentimentos e hostilidades. E isso é adubo para os partidos de extrema-direita medrarem. Não adianta escamotear, sendo certo que são depois esses partidos que levantam as lebres da insegurança. E é assim que se entra na espiral da xenofobia e da intolerância. E a cibernética das famigeradas redes sociais da internet, também amplifica o discurso de ódio pelo Outro, e da propaganda racista nessas ditas plataformas. Também existe o ódio de si próprio, mas isso é problema de algumas pessoas, com a sua boa ou má consciência, se sentirem os privilegiados deste mundo.

Então o que se pode fazer para combater esta grave crise? Não adianta ser otimista ingénuo, ou dramalhão sentimental, ninguém tem a receita. Nem as esquerdas com a retórica do ativismo utópico. É crucial implementar políticas e práticas que promovam a inclusão, a diversidade e o respeito pelos direitos humanos. Isso inclui educação de combate à discriminação, medidas para combater a desigualdade social e económica, e o fortalecimento das leis e instituições que protegem os direitos das minorias étnicas e culturais.

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Edward Said e a ideia de um só Estado para a Palestina



Edward Said parece ter elaborado o seu pensamento, o de um único Estado binacional, partindo de uma aparente coexistência pacífica durante o domínio otomano. Palestinos e judeus viveriam juntos em igualdade de direitos e oportunidades. A solução de dois estados não seria viável ou justa, devido à complexa história de 400 anos compartilhando uma cultura alicerçada nas três religiões do Livro (judaica, cristã e islâmica), sendo que a judaica foi a primeira, e que influenciou as outras duas. Ele acreditava que apesar disso, um único Estado poderia garantir direitos igualitários para todas as pessoas.


 

Edward Said (esquerda) com Daniel Barenboim, em 2002

Sendo parcialmente verdade, o facto de a Palestina ter desfrutado de um longo período de paz durante o tempo do Império Otomano, 1517-1917, em que implementaram um sistema administrativo eficiente, dividindo a Palestina em várias províncias e distritos, que ajudou a manter a ordem e a administração local, é importante reconhecer as limitações e desafios desse período. Embora houvesse estabilidade, a Palestina não estava totalmente isenta de conflitos, revoltas e períodos de instabilidade, especialmente nos últimos anos do domínio otomano, quando o império começou a enfraquecer. Mas sim, houve períodos de desenvolvimento económico e prosperidade graças à construção de infraestruturas (estradas, pontes e sistemas de irrigação). Embora houvesse tensões esporádicas, ainda assim, os otomanos eram justos quanto ao papel das diferentes religiões. Muçulmanos, judeus e cristãos viviam lado a lado, e cada comunidade tinha certo grau de autonomia para governar os seus próprios assuntos religiosos e civis.

Concordo que o que Israel está a fazer é genocídio. Mas também se deve dizer que desde que Israel é Israel, está explícito na carta do Hamas e do Hezbollah a expulsão dos judeus da Palestina. E nunca o fizeram porque Israel além de ser mais forte, e se dizer que é uma democracia, tem bons amigos. O mesmo não se pode dizer dos palestinos, nem bons amigos na liga árabe, antes pelo contrário. E é essa a tragédia dos palestinos, porque os amigos que tem não servem para nada. E o fundamentalismo islamita também não ajuda.

Os estudantes das universidades privadas mais caras dos Estados Unidos jogam os seus interesses demonstrando a sua boa-fé interseccional como antirracistas, anti-imperialistas e anticolonialistas por forma a se agarrarem a posições de liderança nas esferas intelectual e cultural. Mas ser interseccional não é a principal preocupação das pessoas da classe trabalhadora. Essa é a marca da elite instruída, cujos membros estão habituados a pensar em si próprios como a consciência moral coletiva do mundo ocidental.

Há uma grande divergência entre a perceção e a realidade. Vivemos num tempo onde a palavra, em geral, conta pouco. Demasiados exemplos de falsidade e mentira, histórias de hipocrisia, discursos vazios ou promessas incumpridas, acabam por minar a confiança uns nos outros. Respira-se, como ar contaminado, desilusão e falta de esperança. Torna-se difícil saber a quem vale a pena dar crédito. Em quem acreditamos? Que palavras ainda são capazes de nos entusiasmar e provocar?

O patriarcalismo



O patriarcalismo é uma forma de construção social baseada no patriarcado. O patriarcado é o domínio social ou uma estrutura de poder social centralizada no homem ou no masculino. O termo é baseado na própria ideia da figura do pai, de onde deriva também o conceito de pátria. Embora seja difícil afirmar categoricamente que o patriarcalismo esteja "a caminho do fim," há indícios de mudanças significativas em diversas sociedades sobretudo no hemisfério ocidental do mundo. O processo de transformação é gradual e enfrenta muitas resistências, mas as tendências atuais indicam uma direção positiva para a igualdade de género.

No século XX e início do XXI, os movimentos feministas têm lutado por direitos iguais para mulheres e homens, resultando em conquistas importantes, como o direito ao voto, a igualdade no mercado de trabalho, e leis contra a violência de género. Muitos países têm implementado leis que promovem a igualdade de género, protegem os direitos das mulheres e punem a discriminação e a violência de género. Essas mudanças legais são um passo crucial para a desconstrução do patriarcalismo.

A crescente consciencialização sobre questões de género e a inclusão dessas discussões em currículos educacionais têm ajudado a mudar mentalidades, especialmente entre as gerações mais jovens. A maior participação das mulheres no mercado de trabalho e em posições de liderança, bem como uma divisão mais equitativa das responsabilidades domésticas, têm contribuído para a redução de estruturas patriarcais tradicionais.

No entanto, é importante reconhecer que o patriarcalismo ainda está profundamente enraizado em muitas sociedades e culturas. A resistência às mudanças, tanto institucional como individualmente, continua a ser um desafio. A erradicação do patriarcalismo exige um esforço contínuo e coordenado em várias frentes e uma mudança nas atitudes e comportamentos em relação ao género.

Ou seja, a entrada maciça da mulher no mercado de trabalho, e o movimento feminista a partir de 1960, está na base da perda de poder do homem nas sociedades ocidentais. Foram fatores fundamentais na mudança das dinâmicas de poder nas sociedades ocidentais. Essas mudanças desafiaram e continuam a desafiar as estruturas patriarcais tradicionais, contribuindo para uma redistribuição mais equitativa do poder entre homens e mulheres.

O movimento feminista das décadas de 1960 e 1970, conhecido como a "segunda vaga" do feminismo, trouxe à luz do dia questões cruciais como igualdade no trabalho, direitos reprodutivos, combate à violência doméstica, e a desconstrução de estereótipos de género. Essas lutas resultaram em mudanças legislativas e sociais significativas, promovendo a igualdade de género. A participação crescente das mulheres na força de trabalho desafiou a ideia de que o papel das mulheres deveria ser restrito ao ambiente doméstico. Isso não apenas mudou a economia familiar, com muitas mulheres se tornando provedoras em parceria, ou até principais provedoras. Mas também incentivou a reavaliação dos papéis de género e da divisão de trabalho dentro das famílias.

O acesso ampliado das mulheres à educação e à formação profissional permitiu que conseguissem competir por empregos e cargos anteriormente dominados por homens. A maior presença feminina em setores antes considerados masculinos (como ciência, tecnologia, engenharia – tem contribuído para a redução de disparidades de género.

A implementação de políticas de igualdade de género e leis contra a discriminação têm ajudado a criar um ambiente mais justo no local de trabalho e na sociedade em geral. Exemplos incluem a Lei dos Direitos Civis de 1964 nos Estados Unidos, que proíbe a discriminação no emprego com base no sexo, e políticas de licença-maternidade e paternidade mais equitativas.

A visibilidade e a voz das mulheres a começar pelos órgãos de comunicação social, televisão e jornalismo, bem como na política, embora menos, e em outras esferas públicas, têm ajudado a mudar a perceção da opinião pública. Isso inclui a representação de mulheres em papéis de liderança e a promoção de modelos de masculinidade que não se baseiam em dominação e controlo.

Esses fatores, entre outros, têm contribuído para uma mudança nas estruturas de poder tradicionais, desafiando o patriarcalismo e promovendo uma sociedade mais igualitária. No entanto, essa transformação é contínua e enfrenta resistências, especialmente em contextos onde os valores patriarcais ainda estão profundamente enraizados.

As pessoas woke fazem reivindicações de justiça ou democracia, mas o que lhes interessa realmente é o poder. Todas as sociedades que conhecemos tiveram alguma forma de colonialismo e de escravatura. O mundo sempre foi assim. Sempre houve boas proclamações, mas a humanidade teima em não cumprir. É possível lê-lo em Tucídides, grandes nações engolirem nações mais pequenas. E ainda está a acontecer. E eu digo que sou de esquerda, seja lá isso o que for, porque apesar de condenar, não faço mais nada por isso. E para mim, é o fazer alguma coisa contra esse tipo de injustiça contra os pobres, contra os fracos, contra os pequenos, que nos devia orgulhar de estar à esquerda. Se investigarmos o suficiente, vamos sempre encontrar os interesses por trás do que parecia ser uma boa ideia.

Eu não me revejo no movimento woke, assim chamado, nada progressista. O que vale hoje dizer que Aristóteles era um sexista misógino e Abraham Lincoln tinha escravos, que não era tão antirracista como pensamos. E, todavia, Abraham Lincoln deu a sua vida por defender os direitos civis para os negros. Essa foi a razão pela qual foi assassinado. Quando as pessoas começam a querer derrubar monumentos, ou retirar nomes de ruas, eu fico alarmado. E quem está errado? Para um "wokista" é quem fica alarmado.

Quando em 2021 Susan Neiman, e um outro autor, quiseram escrever um livro sobre o tema que viria a dar-se a conhecer nesse ano pela gíria "woke", o seu agente, um agente muito bom, disse-lhe que a respeitava muito, mas que não lhe reconhecia gabarito para escrever sobre isso. Ou seja, esse termo tinha passado a indicar uma "paranoia especialmente sobre questões de justiça racial e política". O movimento woke tem as certezas dos fanáticos. Não quero dizer com isso que sejam fanáticos. Uma coisa é ser um fanático. Outra coisa é comportar-se como os fanáticos.

Certas pessoas de esquerda têm medo de criticar o movimento woke. Ora, esta fratura na esquerda é perigosíssima, porque mimetiza o que aconteceu na Alemanha na década de 1930. O dilema é sempre o mesmo: ou é cedo demais; ou já é tarde demais. Para quê? Para dizer que muita da esquerda, com esse linguajar de vocábulos com punhos de renda e gola de arminho, faz mais mal do que bem: à democracia, à justiça e à verdade. A começar pela verdade de que em Kant há realmente passagens realmente ofensivas à boleia do imperativo categórico. O que ele diz sobre as mulheres é horrível. E tem algumas passagens racistas. Mas, e daí? Deu-nos a metafísica dos direitos humanos universais. E se por redução ao absurdo, ele voltasse, seria o primeiro a reconhecer que muito nós progredimos no caminho do bem. Tornámo-nos muito melhores pessoas, nada que se compare com o mundo do seu tempo.

terça-feira, 28 de maio de 2024

O Havai. Pearl Harbor. USS Maine e Cuba. Lili'uokalani



O Japão, é claro que se tornou uma potência militar significativa no Pacífico durante a primeira metade do século XX, o que culminou em sua participação na Segunda Guerra Mundial, incluindo o ataque a Pearl Harbor em 1941, que foi um evento chave na entrada dos Estados Unidos na guerra. Na verdade, a Base Naval de Pearl Harbor existia antes de 1931. A construção da base naval começou em 1908, quando o governo dos Estados Unidos começou a adquirir terras no Havaí para expandir as suas instalações militares na região do Pacífico. A partir de então, a base naval de Pearl Harbor se desenvolveu gradualmente como uma importante instalação militar dos Estados Unidos no Oceano Pacífico.

Em 1931, a base foi oficialmente designada como uma base naval dos Estados Unidos, o que reforçou ainda mais sua importância estratégica. A partir da década de 1930, Pearl Harbor se tornou a principal base naval da Marinha dos Estados Unidos no Pacífico e desempenhou um papel crucial na projeção de poder naval na região. A base naval de Pearl Harbor ganhou triste destaque em 7 de dezembro de 1941, quando foi atacada por forças aéreas japonesas, resultando em sérios danos às instalações navais e aeronavais dos Estados Unidos e na entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.



USS Maine tem a ver com outros episódios. Em 15 de fevereiro de 1898, o USS Maine, um navio de guerra dos Estados Unidos, explodiu e afundou no porto de Havana, em Cuba. A explosão resultou na morte de 266 marinheiros a bordo. O naufrágio do USS Maine desencadeou uma intensa indignação nos Estados Unidos, e muitos atribuíram a explosão a um ato de sabotagem por parte da Espanha, que então controlava Cuba. Isso contribuiu para a crescente tensão entre os Estados Unidos e a Espanha, que culminou na eclosão da Guerra Hispano-Americana em abril de 1898.

A guerra durou apenas alguns meses e resultou na derrota da Espanha. Como resultado, os Estados Unidos emergiram como uma potência imperial e ganharam controle sobre várias colónias espanholas, incluindo Cuba, Porto Rico, Guam e as Filipinas. O naufrágio do USS Maine e os eventos que se seguiram tiveram um papel significativo na história da expansão imperial dos Estados Unidos e na afirmação de seu poder no cenário internacional.



Liliʻuokalani [2 de setembro de 1838 – 11 de novembro de 1917] foi a única rainha regente e a última monarca soberana do Reino do Havaí, governando de 29 de janeiro de 1891 até ao derrube em 17 de janeiro de 1893. Nasceu em Honolulu, na ilha de Oʻahu. Enquanto seus pais naturais eram Analea Keohokālole e Caesar Kapaʻakea, ela foi hānai (adotada informalmente) ao nascer por Abner Pākī e Laura Kōnia e criada com sua filha Bernice Pauahi Bishop.

Batizada como cristã e educada na Escola Real, ela e seus irmãos e primos foram proclamados elegíveis ao trono pelo rei Kamehameha III. Ela era casada com o americano John Owen Dominis, que mais tarde se tornou o governador de Oʻahu. O casal não teve filhos biológicos, mas adotou vários. Após a ascensão de seu irmão David Kalākaua ao trono em 1874, ela e seus irmãos receberam títulos de príncipe e princesa em estilo ocidental. Em 1877, após a morte de seu irmão mais novo Leleiohoku II, ela foi proclamada como herdeira aparente do trono. Durante o Jubileu de Ouro da Rainha Vitória, ela representou seu irmão como enviada oficial ao Reino Unido.

Liliʻuokalani subiu ao trono em 29 de janeiro de 1891, nove dias após a morte de seu irmão. Durante seu reinado, ela tentou redigir uma nova constituição que restauraria o poder da monarquia e os direitos de voto dos economicamente desfavorecidos. Ameaçada por suas tentativas de revogar a Constituição Baioneta, elementos pró-americanos no Havaí derrubaram a monarquia em 17 de janeiro de 1893. O derrube foi apoiado pelo desembarque de fuzileiros navais dos EUA sob o comando de John L. Stevens para proteger os interesses americanos, o que tornou a monarquia incapaz de se proteger.

Lili'uokalani foi uma figura importante na história do Havaí. Ela foi a última rainha do Reino do Havaí e governou de 1891 até 1893, quando seu reinado foi interrompido por um golpe liderado por empresários americanos e apoiado pelos militares dos Estados Unidos. Lili'uokalani foi uma líder respeitada e uma defensora da soberania havaiana. Após o golpe, ela foi colocada sob prisão domiciliar em seu palácio, e eventualmente o Reino do Havaí foi anexado pelos Estados Unidos em 1898. Lili'uokalani faleceu em 1917, mas seu legado como uma líder havaiana e uma defensora da cultura e do povo havaiano continua sendo lembrado até hoje.

Na verdade, não houve uma tentativa direta dos japoneses de ocupar as ilhas do Havaí durante o reinado de Lili'uokalani. No entanto, o Havaí era estrategicamente importante no Pacífico e atraiu o interesse de várias potências, incluindo o Japão, devido à sua localização geográfica. Durante o final do século XIX e início do século XX, o Japão estava expandindo sua influência na região do Pacífico. No entanto, o golpe de 1893 no Havaí, que resultou na anexação do Havaí pelos Estados Unidos em 1898, ocorreu principalmente devido à influência de empresários americanos e ao apoio militar dos Estados Unidos. Não há registros de uma tentativa japonesa direta de ocupar as ilhas do Havaí nessa época.


segunda-feira, 27 de maio de 2024

A Catalunha como nação


A Catalunha como nação data de aproximadamente o ano de 988, quando o conde Borrell rompeu os laços com os descendentes do Império Carolíngio. Por causa dos invasores árabes, no início dos anos 800, o Império Carolíngio foi ali proteger terras e habitantes. E foi na sequência desses acontecimentos que no século IX o conde Guifrè el Pelòs, que se tornara vitorioso nas lutas contra a dominação árabe, recebeu do rei francês os condados: Barcelona, Urgell, Cerdanya-Conflent e Girona.

Os seus herdeiros autoproclamaram-se condes sem que necessitassem de nomeação pelos reis franceses, o que assegurou a hegemonia da Casa de Barcelona sobre as áreas fronteiriças que viriam a ser chamadas Catalunha no século XII. Assim, enquanto a maior parte da Espanha cristã esteve comprometida na Reconquista aos árabes durante 8 séculos, processo que resultou na criação dos reinos de Leão e Castela, a Catalunha, após um período de dominação árabe, nos séculos oitavo e nono, desenvolveu-se a partir das suas origens carolíngias, para se tornar, entre o início do século XII e meados do século XV, um império mediterrânico. O império estendeu-se por Maiorca, Valência e Sicília, parte da Grécia com Atenas, Sardenha e Nápoles incluindo também territórios franceses além Pirenéus principalmente Rossilhão.




Embora a Catalunha dispusesse de um interior rural de dimensões significativas, era um império basicamente comercial, governado pela aliança entre a nobreza e as elites mercantis urbanas num modelo semelhante ao adotado pelas repúblicas mercantis do norte da Itália. Preocupados com o poderio militar de Castela, os precavidos catalães concordaram com a união proposta pelo pequeno, porém bem localizado, Reino de Aragão em 1137.

Foi só no final do século XV que a Espanha se concretizou como Estado Peninsular após uma união por via de um casamento voluntário: de Fernando (rei da Catalunha, Valência e Aragão) – com Isabel (rainha de Castela). A Catalunha deixou de ser uma entidade política soberana.

A aliança das duas nações tinha compromissos as respeitar: a língua, os costumes e as instituições, bem como a divisão da riqueza. Todavia, o poder e riqueza da coroa espanhola e da sua nobreza proprietária de terras - juntamente com a influência da igreja fundamentalista, erigida em torno da Contra-Reforma - provocaram uma reviravolta no curso da história subjugando os povos não castelhanos na Europa e na Península Ibérica, bem como na América. A Catalunha, a exemplo do resto da Europa, foi excluída do comércio com as colónias da América, uma das maiores fontes de riqueza do Reino da Espanha.




A nação catalã reagiu, desenvolvendo não apenas a sua própria indústria regional de bens de consumo, bem como o comércio. Ora, isso desencadeou um processo de industrialização incipiente com a acumulação de capital a partir da segunda metade do século XVI. Entretanto, em Castela, após o esmagamento das cidades castelhanas livres, as Comunidades, entre 1520 e 1523, emergia uma classe de artesãos, e uma proto burguesia que passou a desenvolver uma economia senhorial para custear um Estado bélico e teocrático. Tal desenvolvimento foi alavancado com as riquezas das colónias na América, o que não excluiu a cobrança de pesados impostos ao povo.

Entretanto, ocorreu o desastre de Portugal em Alcácer Quibir, com a aventura de Dom Sebastião em África. E foi assim que Portugal durante 60 anos (1580-1640) se viu sob a tutela dos Filipes de Espanha (entre Filipe II e Filipe IV). O choque entre culturas e instituições não se faria esperar. Filipe IV de Espanha, que nasceu em 1605 em Valladolid, e morreu em Madrid, a 17 de setembro de 1665, reinou entre 1621 e 1665. Teve vários cognomes como: “O Grande”; “O Rei Planeta” pelos seus apoiantes; "O Opressor", pelos seus detratores. Foi, por conseguinte.  rei da Espanha, de Portugal e dos Países Baixos Espanhóis, durante a União Ibérica. Foi lembrado pelo seu grande patrocínio às artes, em particular a pintura onde avulta Velásquez, o autor de vários retratos, e pelo seu domínio sobre a Espanha durante a Guerra dos Trinta Anos.

Apesar de o Império Espanhol ter alcançado aproximadamente 12,2 milhões de quilómetros quadrados de área na época do seu falecimento, o reino estava em declínio em outros aspetos, reflexo das inúmeras reformas fracassadas das políticas Filipinas.



Filipe IV, por Velásquez

Necessitando de maiores receitas tributárias, reforçou ainda mais o centralismo. O que levou à insurreição de Portugal e da Catalunha. Aqui, ocorreu a revolta dos ceifeiros. Em Portugal apoiado pela Inglaterra, recuperou a sua independência em 1640. A Catalunha foi derrotada, tendo a maior parte das suas liberdades sido suprimidas mais uma vez. 

Entre 1705 e 1714, a Catalunha lutou pela sua autonomia, apoiando a causa austríaca. Durante a guerra da sucessão de Espanha, há um traço peculiar no carácter catalão. Barcelona foi invadida em 11/09/1714. Hoje a data é celebrada como a data nacional da Catalunha. Perdeu todas as suas instituições políticas de governo autónomo, estabelecido desde a Idade Média: o governo municipal com base em conselhos democráticos; o Parlamento catalão soberano. As novas instituições estabelecidas por decreto concentraram a autoridade nas mãos de um chefe militar. Seguiu-se então um longo período de repressão cultural pelas instituições do poder central, que conforme é documentado pelos historiadores, visava deliberadamente a eliminação gradual da identidade catalã: pelo idioma catalão em primeiro lugar; seguido dos órgãos administrativos; depois as transações comerciais; e finalmente pela intervenção nas escolas. A educação acabou por ficar acantonada no seio da família, e da igreja. Mas ou talvez por isso, não impediu que os catalães continuassem a trabalhar e a concentrarem-se na industrialização da Catalunha, ao ponto de chegados aos finais do século XVIII a Catalunha ser a única área verdadeiramente industrial de Espanha.

Chegados ao século XX, nas primeiras 3 décadas surgiu um poderoso movimento operário de natureza fundamentalmente anarco-sindicalista, que levou os nacionalistas em geral, dominados pela sua ala conservadora até finais da década de 1920 a confiar na proteção oferecida por Madrid contra as exigências dos trabalhadores. Contudo, quando em 1931 a República foi proclamada em Espanha, os republicanos esquerdistas da Catalunha conseguiram estabelecer um vínculo entre a classe operária catalã, a pequena burguesia, e os ideais nacionalistas. O que fez com que se tornassem a principal força do nacionalismo catalão. Restaurado à esquerda, estabeleceu uma aliança em toda a Espanha com os republicanos, os socialistas, os comunistas e os sindicatos anarquistas e socialistas.

Em 1932, diante da pressão popular expressa num referendo, o governo espanhol aprovou um estatuto de autonomia que restituiu à Catalunha as suas liberdades, um governo independente, e autonomia linguística e cultural. Na realidade, o atendimento das exigências nacionalistas da Catalunha, e do País Basco, por parte da República de Espanha, foi uma das mais importantes causas da insurreição militar que culminou na guerra civil espanhola entre 1936 e 1939.

Consequentemente, após a guerra civil, a repressão sistemática das instituições – à língua, cultura, identidade e líderes políticos catalães – começou pelas execuções em 1940. Esse período também foi caracterizado pela eliminação deliberada de professores falantes de catalão nas escolas com o intuito de impossibilitar o ensino do idioma como movimento de reação ao nacionalismo. Tornou-se um grito de guerra para as forças contrárias a Franco na Catalunha, a exemplo do que ocorreu no País Basco, dando origem a que todas as forças políticas democráticas: democratas cristãos, liberais socialistas e comunistas – passassem a ser nacionalistas catalães. Isso acabou por resultar no facto de que todos os partidos políticos da Catalunha tanto durante a resistência contra Franco, como a partir da instituição da democracia em Espanha, em 1977, eram e são catalães não espanhóis embora na sua maior parte aliados a partidos defensores da ideologia semelhante em Espanha, mantendo ao mesmo tempo a sua autonomia partidária.

domingo, 26 de maio de 2024

A identidade nacional


No tempo da União Soviética todo o cidadão soviético apresentava uma determinada nacionalidade constante do seu passaporte.




A questão da identidade histórica - cultural e religiosa, no pós União Soviética, mereceu reconhecimento formal das identidades nacionais na administração territorial do que era o Estado soviético. As políticas de naturalização não tiveram sucesso a integrar nacionalidades do sistema soviético, se exceptuarmos as repúblicas muçulmanas da Ásia central. E parece paradoxal, porque eram precisamente as mais diferenciadas da cultura eslava dominante. Mas tal se deve ao facto de no seu dia-a-dia essas repúblicas terem desenvolvido uma tal relação de dependência do poder central que só nos últimos dias de desintegração da União Soviética é que as suas respetivas elites ousaram assumir a liderança de movimentos favoráveis à independência.

O fim da União Soviética ocorreu em 1991 após a abertura política e econômica do governo Gorbatchev e o movimento político de Boris Ieltsin. O governo Gorbatchev (1985-1991) realizou dois projetos de reforma: a Glasnost, uma abertura política do regime; e a Perestroika, uma reestruturação econômica.

A dissolução da União Soviética ocorreu em 26 de dezembro de 1991, como resultado da declaração nº. 142-Н do Soviete Supremo da União Soviética. A declaração reconheceu a independência das antigas repúblicas soviéticas e criou a Comunidade de Estados Independentes.




Nos anos 90 os Abecasis, apoiados pela Rússia, lutaram para obter a quase independência no seu território, embora representassem a minoria da população. Há uma República Autónoma da Geórgia, que é muçulmana sunita, mas os georgianos não islâmicos que lá vivem, vigiam a sua autonomia dando apoio à Geórgia. Os inguches, muçulmanos, conflituam com os ossetas nas áreas fronteiriças entre a Geórgia, Ossétia e Chechénia/Inguchétia. Além disso, uma etnia turca deportada por Stalin é protegida pela Turquia. Isso fomenta assim a desconfiança na população.

No restante território as identidades nacionais não conseguiram fazer-se representar nas instituições artificialmente construídas que vinham do federalismo soviético. Um exemplo disso é a Geórgia, um verdadeiro mosaico étnico construído com base num Reino histórico. Os georgianos representam 70% da população de cinco milhões e meio de habitantes. De um modo geral essa parcela da população é devota da igreja ortodoxa da Geórgia. Contudo, tem de coexistir com os ossetas, fundamentalmente russos ortodoxos, cuja população se distribui entre a República Autónoma da Ossétia do Norte e a Oblast Autónoma da Ossétia do Sul. Na parte noroeste da Geórgia estão os Abecasis, que são muçulmanos sunitas de origem turca.

O resultado prático desta história, territorialmente confusa, foi que no início dos anos 90, quando o movimento nacionalista georgiano radical proclamou a independência sem considerar os interesses das minorias nacionais da Geórgia, desrespeitando as liberdades, desencadeou uma guerra civil na qual acabou num banho de sangue. Em 1994, Shevardnadze, pediu que fosse reconstituído o cargo de Presidente da República, abolido após a queda do anterior presidente, Gamsakhurdia, em 1992. Nas eleições levadas a cabo no ano seguinte, Shevardnadze tornou-se Presidente da República da Geórgia, tendo sido reeleito em 2000. Em 2003 foi novamente eleito, mas a crise económica e os graves problemas sociais vividos no país, deram origem a uma contestação eleitoral e a um levantamento popular liderado por Mikhail Saakachvili, forçando Shevardnadze a demitir-se. Novas eleições foram realizadas em janeiro do ano seguinte e Saakachvili tornou-se o presidente do país.

 Mas uma guerra de guerrilha prolongada, além de terrível, é debilitante. A integração das identidades nacionais na União Soviética, ao ter sido objeto de uma engenharia burocrática, portanto artificial, em vez de ter resultado do reconhecimento dessas identidades, tinha de fracassar. Observando princípios de uma lógica burocrática e geopolítica não contribuiu para a real identidade histórica e cultural ou religiosa de cada comunidade nacional, nem da sua especificidade geográfica. Toda esta complexidade de nacionalismos que envolve Georgianos, Abecasis e Ossetas tem arrastado a inevitabilidade de intervenção da Rússia de Putin numa retórica de levar a paz à região.



Com a aculturação proporcionada por esta globalização informática e cibernética, a 'identidade cultural' - que caracterizava as velhas nações, em que as narrativas da moda filiadas nos campus dos USA despertaram a má consciência histórica dos europeus - tem vindo a diluir-se. Era o nacionalismo cultural fruto de um história comum, convocada por laços de solidariedade na luta por uma independência livre de outras tutelas.

E esta identidade cultural, ao contrário do que muitos dizem, resulta não apenas da reação das elites, mas também das massas, ou seja, é uma identidade que se forma mais de baixo para cima do que de cima para baixo. E é isso que justifica o aumento dos nacionalismos pós-modernos, que vai mais atrás do período histórico da formação dos Estados/Nação modernos.

É o grande mal-entendido entre o poder da identidade e a autodeterminação dos povos sem nação. Esta União Europeia é a herdeira das nações com Estado, em contraponto com outra União, que se dava pelo nome de Soviética, esta sim, um Império. E entretanto, esta desapareceu. A União Europeia hoje volta a confrontar-se com o mesmo espaço geopolítico que era da União Soviética, agora uma Federação. E é neste cenário que se geram os equívocos em relação ao conceito de soberania. O sincretismo deste conceito, no léxico político da Europa, impede os europeus de estabelecerem distinções importantes relativas aos 'povos' no jargão da cartilha marxista-leninista, em contraponto com 'soberania nacional' e 'direitos humanos', que é o mesmo que dizer direitos dos cidadãos em cidadania.

Ora, hoje há uma corrente de nacionalismos pós-modernos que persistem impulsionados por fatores reativos ao grupo dominante do pós colonialismo. Isso não significa que uma parte dessa identidade tenha que ser construída em cima de fatores primários, sejam por exemplo um idioma ou uma religião. E é nesta construção que é indispensável o papel das elites cuja matéria prima está nesses fatores primários veiculados pelas massas.

A nação é a unidade social com os alicerces mais sólidos a partir do qual a vida coletiva deve ser reconstruída. Quantas nações terá hoje dentro de si a Federação da Rússia? A Federação da Rússia é composta por 85 unidades federativas. Essas unidades federativas incluem 22 repúblicas, que são consideradas nações dentro da Rússia, cada uma com sua própria constituição, presidente e parlamento, além de representar diversas etnias e grupos nacionais distintos. Além das repúblicas, a Federação Russa é composta por outros tipos de unidades federativas, incluindo: 9 krais (territórios); 46 oblasts (províncias); 3 cidades federais (Moscovo, São Petersburgo e Sebastopol); um oblast autónomo (Oblast Autónomo Judaico); 4 okrugs autónomos (distritos autónomos).

Cada uma dessas unidades tem um grau variável de autonomia e pode incluir várias nacionalidades e grupos étnicos. Portanto, ao considerar as repúblicas como nações dentro da Federação Russa, existem 22 nações e 60 grupos étnicos com reconhecimento formal dentro da estrutura federativa da Rússia.

Por conseguinte, aquilo que foi a experiência de 74 anos de União Soviética, é um bom modelo paradigmático para compreendermos que são as nações que mais perduram em relação ao Estado. No entanto, no atual contexto histórico e geopolítico, é pouco provável que as nações possam funcionar como novos estados-nação inteiramente soberanos. E quanto à Ucrânia, na data da sua independência em 1991, os ucranianos perfaziam 73 por cento. Quem nessa altura temia que mais tarde ou mais cedo o imperialismo russo voltasse, veio a revelar-se que estavam certos, como se pôde confirmar com a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022.

Quando às nossas ideias, é avisado pensarmos que enfermam de incoerências insanáveis. Daí que a tendência seja para a fuga em frente, em que o recurso a teorias da conspiração é o mais frequente. E a escolha seletiva de uns factos desvalorizando outros, que não encaixam na teoria. Ora se cai numa espécie de esquizofrenia, outras vezes se cai numa espécie de disforia, obviamente política, não biológica. Há os acontecimentos, que a linguagem transforma em factos. Mas o que mais nos atazana a cabeça é a fenomenologia dos factos e as suas relações de causa e efeito, ou seja, a causalidade no jargão dos filósofos. Ultimamente tem-se falado bastante sobre civilidade: boa educação, bom senso e bom gosto. Boas e más ideias.

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Fragmentos da história a seguir à Primeira Grande Guerra



Após a Primeira Guerra Mundial, 
em Janeiro de 1919, Woodrow Wilson, Presidente dos Estados Unidos da América, foi para a Europa determinado a impôr a moral norte-americana. O Império Austro-Húngaro foi desmantelado e tanto a Hungria como a Áustria se tornaram repúblicas independentes. Os Habsburgos, que governaram o império, finalmente perderam o seu poder político e influência na região. Na Áustria, Karl Renner chamou Carlos que aguardava em Shonbrunn. Após a abdicação do imperador Carlos I da Áustria em 1918, Karl Renner, um líder político socialista austríaco, foi fundamental na transição da Áustria para uma república. Renner negociou diretamente com o que havia sido imperador, que estava em Schönbrunn, e convenceu-o a renunciar aos seus direitos ao trono, encerrando assim a era dos Habsburgos na Áustria. Essa transição levou ao estabelecimento da Primeira República da Áustria.

Por sua vez, na Jugoslávia, 
o Rei Alexandre I [1888 – 1934], também conhecido como Alexandre, o Unificador, havia sucedido a Pedro I (Petar I Кarađorđević) [1844 – 1921], Rei da Sérvia de 15 de junho de 1903 a 1 de dezembro de 1918. Em 1 de dezembro de 1918, tornou-se Rei dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, e manteve esse título até à sua morte, três anos depois. Como foi o rei da Sérvia durante um período de grande sucesso militar sérvio, foi lembrado pelos sérvios como Rei Pedro, o Libertador. E também como o Velho Rei. A Jugoslávia, que significa "terra dos eslavos do sul", foi formada após a Primeira Guerra Mundial, em 1918, como o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, mais tarde renomeado para Reino da Jugoslávia. 



Alexandre I da Jugoslávia

Alexandre I, o Unificador foi, portanto, Rei dos Sérvios, Croatas e Eslovenos de 16 de agosto de 1921 a 3 de outubro de 1929. E Rei da Jugoslávia de 3 de outubro de 1929 até ao seu assassinato em 1934. O seu reinado de 13 anos é o mais longo dos três monarcas do Reino da Jugoslávia. A seguir, sucedeu-lhe Pedro II Karađorđević [1923-1970] o último Rei da Jugoslávia, reinando de outubro de 1934 até ser deposto em novembro de 1945. Foi o último membro reinante da Dinastia Karađorđević. Filho mais velho do rei Alexandre I e de Maria da Roménia, Pedro ascendeu ao trono jugoslavo em 1934, aos 11 anos, depois que seu pai foi assassinado durante uma visita de estado à França. Uma regência foi estabelecida sob seu primo, o Príncipe Paulo. Depois que Paulo declarou a adesão da Jugoslávia ao Pacto Tripartite no final de março de 1941, um golpe de estado pró-britânico depôs o regente e declarou Pedro maior de idade.

Após a Primeira Guerra Mundial, houve mudanças significativas na sociedade, incluindo uma maior oportunidade para as mulheres se afirmarem. Com muitos homens servindo na frente da guerra, as mulheres assumiram papéis importantes na força de trabalho, ocupando empregos anteriormente reservados aos homens. Isso levou a um aumento da independência económica e social das mulheres e contribuiu para o movimento pelos direitos das mulheres em muitos países. Além disso, em alguns países, as mulheres ganharam o direito de voto após a guerra, como um reconhecimento do seu papel durante o conflito.

O período após o fim da Primeira Guerra Mundial testemunhou a disseminação e consolidação da democracia em várias partes da Europa. Muitos países europeus adotaram sistemas democráticos ou ampliaram a participação popular em seus governos. Isso foi impulsionado em parte pelo desejo de evitar futuras catástrofes como a guerra e pela necessidade de reconstruir e reconciliar sociedades dilaceradas pela guerra. No entanto, é importante observar que esse processo não foi uniforme e enfrentou desafios significativos em muitos países, incluindo instabilidade política, tensões sociais e económicas, e a ascensão de movimentos autoritários.

O fim da Primeira Guerra também ficou marcado pela influenza ou gripe A, também conhecida por gripe espanhola. A pandemia de influenza de 1918, comumente conhecida como gripe espanhola foi uma das mais mortais da história, infectando cerca de um terço da população mundial na época e resultando em milhões de mortes em todo o mundo. A gripe espanhola teve um impacto significativo na Europa e em outras partes do mundo, exacerbando ainda mais o sofrimento causado pela guerra.




Em relação à Polónia, convém lembrar que não ressurgiu das terras dos Habsburgos e dos Romanov. Após a Primeira Guerra Mundial, a Polónia foi reconstituída como um estado independente, principalmente a partir das terras que estavam sob domínio do Império Alemão, do Império Austro-Húngaro e do Império Russo, mas não especificamente das terras dos Habsburgos e dos Romanov. Foi Józef Piłsudski quem desempenhou um papel crucial na recuperação da independência da Polónia após a Primeira Guerra Mundial. Ele não proclamou a independência diretamente, mas liderou as forças polacas na luta pela independência, tendo-se tornado uma figura importante na política polaca durante aquele período. Em suma, a independência da Polónia foi oficialmente restaurada em 1918, após o término da Primeira Guerra Mundial.

Józef Piłsudski havia sido preso pelas autoridades russas por suas atividades políticas, incluindo os seus esforços para promover a independência da Polónia. Ele passou vários anos na prisão, mas eventualmente conseguiu escapar e retornar à Polónia, onde desempenhou um papel fundamental na luta pela independência e na formação do novo estado polaco. 

Kemal Ataturk depois de Abdulamide II

 


Kemal Atatürk,1918


Kemal Atatürk liderou as forças turcas na Guerra Greco-Turca, que culminou na captura de Esmirna (atual İzmir) pelos turcos em 1922, resultando na expulsão dos gregos da cidade. A batalha e a subsequente população de refugiados foram eventos significativos na história da região. Abdulamide II, o último sultão do Império Otomano, foi forçado a abdicar em 1922 após a Guerra Greco-Turca e o avanço das forças turcas lideradas por Mustafa Kemal AtatürkAbdulamide II foi para o exílio, tendo vivido os seus últimos dias na Itália, onde morreu em 1926.

Abdulamide II [1842-1918] foi o último sultão otomano que reinou de 1876 a 1909. Governou com poder absoluto. Foi deposto em 1909, após a Revolução dos Jovens Turcos. Conhecido pelas suas políticas autoritárias, e por ter enfrentado desafios significativos durante o seu reinado, incluindo a perda de territórios otomanos nos Bálcãs pela crescente influência das potências europeias sobre o Império Otomano. Ele também é lembrado por sua tentativa de modernizar o império, bem como por seu papel no Movimento dos Jovens Turcos, que acabou por levar à sua deposição em 1909. Apesar de ter como sucessor Maomé Raxade, a sua deposição, após a Revolução dos Jovens Turcos, foi saudada pela maioria dos cidadãos otomanos, que comemoraram o regresso à Segunda Era Constitucional.



Abdulamide II na juventude

Abdulamide enfurecia-se com a Rússia, por defender os arménios e os búlgaros. Não teve meias medidas ao reprimir uma revolta dos curdos que buscavam mais autonomia dentro do Império Otomano. Reprimiu brutalmente essa revolta, usando forças militares e políticas repressivas para manter o controlo sobre a região. Abdulamide II tinha ambições de projetar o poder otomano expandindo a infraestrutura, incluindo a construção de ferrovia. Ele via a construção do caminho de ferro para Bagdade e outras áreas da Arábia como uma maneira de consolidar o controlo otomano sobre essas regiões. Isso porque promovia o comércio e facilitava o transporte de tropas e suprimentos. Esses projetos eram parte da sua visão de modernização e fortalecimento do império.

Mas depois entrou e cena Kemal Atatürk que liderou a Turquia durante um período de mudanças significativas, incluindo o estabelecimento da República da Turquia. Há controvérsias sobre as políticas adotadas durante o seu governo, incluindo questões relacionadas com os curdos e arménios. Alguns historiadores e grupos afirmam que houve violência e perseguição contra esses grupos étnicos durante esse período, enquanto outros contestam essas alegações. Apesar de ser um dos temas mais sensíveis na concertação das Nações Unidas - o genocídio - é uma área complexa da história que continua a ser debatida e estudada.

Enquanto Ataturk e Reza Pahlavi moldavam os seus novos estados, Lenine forjava uma nova Rússia sem atenção aos custos humanos. Cada líder enfrentou desafios únicos ao moldar os seus respectivos Estados. Enquanto Atatürk e Reza Shah Pahlavi trabalhavam para modernizar e consolidar os seus países, Lenine buscava estabelecer uma "Nova Ordem" não apenas na Rússia, após a Revolução de 1917, mas em todo o mundo. Essa ambição desmedida levou a custos humanos impressionantes, especialmente durante a Guerra Civil Russa, e tudo o que isso acarretou em sucessivas purgas em que o expoente máximo se concretizou durante a ditadura de Stalin com a subsequente consolidação do poder soviético. 

terça-feira, 21 de maio de 2024

Do Tratado de Sèvres a Abdulaziz ibn Saud



O Tratado de Sèvres foi um acordo de paz assinado entre os Aliados e o Império Otomano em 10 de agosto de 1920, após a Primeira Guerra Mundial. O Tratado partilhava o Império Otomano entre o Reino da Grécia, o Reino de Itália, o Império Britânico e a República francesa, além de estender o território da Arménia, e a criação de um estado curdo. Desde 1915 existiam planos de criação de regiões de influência pelos britânicos e franceses, no Acordo Sykes-Picot, do território otomano. Liderados por Mustafa Kemal Atatürk, soldados do movimento nacionalista turco vencem os exércitos que ocupavam a Anatólia na Guerra de independência turca, resultando no Tratado de Lausanne, garantindo a independência da Turquia.

T.E. Lawrence (também conhecido como Lawrence da Arábia) desempenhou um papel significativo na Revolta Árabe contra o Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial, o que contribuiu para a queda do domínio otomano na região. Ora, Lawrence era amigo de 
Faiçal I [1885 – 1933]. E de início contribuiu que ele fosse o Rei do Reino Árabe da Síria. Mas tal situação durou pouco tempo, entre março e julho de 1920. Só depois, em 1921, é que se tornou Rei do Iraque, e assim se manteve até 1933, altura e que morreu.

Faiçal era o terceiro filho do rei Huceine ibne Ali, o Grande Xarife de Meca e Rei de Hejaz, que se proclamou Rei das terras Árabes em outubro de 1916. Faiçal promoveu a união entre Muçulmanos Sunitas e Xiitas para estimular a lealdade comum e promover o Pan-arabismo com o objetivo de criar um Estado Árabe que incluísse o Iraque, a Síria e o resto do Crescente Fértil. Enquanto esteve no poder, Faiçal tentou diversificar a sua administração incluindo diferentes grupos étnicos e religiosos em posições importantes. No entanto, a tentativa de Faiçal de nacionalismo pan-Árabe pode ter contribuído para o isolamento de certos grupos religiosos.



Faiçal

Após o breve reinado de Faiçal como rei da Síria, os franceses impuseram os seus interesses na região, estabelecendo o Mandato Francês da Síria e do Líbano. T.E. Lawrence, apesar de seus esforços durante a Revolta Árabe, viu muitas das aspirações árabes serem frustradas pelos interesses das potências coloniais europeias, como a França e a Grã-Bretanha. A imposição desses mandatos foi parte do rearranjo geopolítico pós-Primeira Guerra Mundial na região do Médio Oriente, que refletia os interesses e rivalidades das potências coloniais da época.

O rei Huceine ibne Ali, líder da Revolta Árabe contra o Império Otomano, sentia uma mistura de sentimentos em relação aos britânicos. Embora tenha cooperado com T.E. Lawrence e os britânicos durante a revolta, ele também ficou desiludido com o Tratado de Versalhes e com as negociações subsequentes que pareciam não cumprir as promessas feitas aos árabes em relação à independência e ao controlo sobre seus territórios. Isso o deixou frustrado e levou a tensões com os britânicos. Além disso, as rivalidades e disputas entre os filhos de 
Huceine ibne Ali, incluindo Faiçal e Abdullah, também contribuíram para a complexidade das relações dentro da família e da região em geral.

Daí que tenha resultado a ascensão da Casa de Saud na Península Arábica, uma mudança significativa no equilíbrio de poder na região. Enquanto o Império Otomano enfraquecia e os mandatos coloniais estavam sendo estabelecidos, os sauditas conseguiram consolidar o seu poder e estabelecer o Reino da Arábia Saudita. Isso foi em parte devido à habilidade política e militar de líderes como Abdulaziz Ibn Saud. A ascensão dos sauditas também contribuiu para a diminuição da influência da família Hachemita, liderada por Huceine ibne Ali, que buscava liderança e unificação na região. Essa mudança no poder teve um impacto significativo nas dinâmicas políticas e na configuração do Médio Oriente moderno.

Após a Primeira Guerra Mundial, os britânicos estabeleceram o Mandato Britânico da Mesopotâmia (que mais tarde se tornaria o Iraque) e foram eles que escolheram Faiçal, como rei do novo estado. Essa decisão deixou o irmão Abdullah furioso, pois era ele, segundo a promessa de Lawrence, que esperava governar o Iraque. Essa situação criou tensões dentro da família Hachemita e entre os líderes árabes, e contribuiu para as divisões políticas na região durante esse período.

Em 1924, Huceine ibne Ali abdicou em favor de seu filho mais velho, Ali ibne Huceine, que se tornou rei do Hejaz. No entanto, o reinado de Ali ibne Huceine foi curto e turbulento, marcado por conflitos internos e externos. Ele foi deposto em 1925 por forças sauditas lideradas por Abdulaziz Ibn Saud, e o Reino do Hejaz foi incorporado ao emergente Reino da Arábia Saudita. Esta abdicação e subsequente transferência de poder demonstram as complexas dinâmicas políticas e territoriais que caracterizaram a região naquela época.



Abdulaziz Ibn Saud
foi proclamado rei do Nadj (ou Najd) e sultão do Hejaz após suas forças conquistarem essas regiões durante sua campanha para unificar a Península Arábica. Ele consolidou seu poder sobre várias partes da Arábia e eventualmente fundou o Reino da Arábia Saudita em 1932, unindo o Nadj e o Hejaz sob sua autoridade. 




Abdalaziz Ibne Abderramão Saud [Riade, 24 de novembro de 1880 — Taife, 30 de novembro de 1953], também conhecido como Ibne Saud, foi assim o rei do Hejaz e do Nadj entre 1926 e 1932 e o primeiro rei da Arábia Saudita entre 1932 e 1953. Na historiografia saudita, ele é chamado de "o primeiro rei do terceiro estado Saudita (o primeiro durou de 1744 a 1818, e o segundo de 1819 a 1891). 

Ibne Saud era membro da família Saud que tinha governado praticamente toda a Arábia durante os cem anos anteriores ao seu nascimento. Porém, quando Ibne Saud nasceu já a sua família tinha perdido relevância em detrimento da família Rashid e este foi obrigado a exilar-se quando ainda era uma criança no Kuwait, onde crescera na pobreza. Decidido a reconquistar as terras que a sua família tinha perdido, organizou com cerca de vinte homens a tomada de Riade. A cidade, que era dominada pela família Rashid, foi tomada em 1902. 

Na Arábia havia duas poderosas famílias rivais: os Haxemitas e os SauditasOs Haxemitas diziam-se descendentes do Profeta Maomé e governavam a região de Hejaz, com destaque para a cidade sagrada de Meca. Enquanto isso, os Sauditas controlavam a região central da Arábia, incluindo a cidade de Riade. Ao longo da história, essas duas famílias frequentemente competiam pelo controlo e influência na região, uma dinâmica que continuou até a formação do moderno Reino da Arábia Saudita em 1932. 

Os sauditas professavam a seita wahhabita, também conhecida como salafismo, uma interpretação puritana do Islã sunita. Esta seita foi fundada por Muhammad ibn Abd al-Wahhab no século XVIII, e sua aliança com a família Saudita foi fundamental para o estabelecimento do primeiro Estado saudita. A doutrina wahhabita enfatiza um retorno às práticas religiosas puras do Islão, rejeitando muitas tradições que considera inovadoras ou desviantes. A aliança entre os Sauditas e os wahhabitas tem sido uma característica importante da história política e religiosa da Arábia Saudita.

Como classificar um partido que se define como interclassista?



Um partido político que se define como interclassista geralmente busca representar e unir pessoas de diferentes classes sociais, promovendo a cooperação e a solidariedade entre elas. Essa abordagem muitas vezes enfatiza a importância da unidade entre trabalhadores, empresários e outras classes sociais em prol de objetivos comuns, como justiça social, prosperidade económica e bem-estar geral da sociedade. Um partido interclassista pode adotar políticas e programas que buscam equilibrar os interesses e necessidades das diferentes classes sociais, visando a construção de uma sociedade mais inclusiva e igualitária.

Pode-se dizer que um partido interclassista compartilha algumas semelhanças com os princípios do liberalismo social. O liberalismo social defende a liberdade individual e a igualdade de oportunidades, ao mesmo tempo em que reconhece a importância de políticas sociais para garantir um padrão de vida mínimo e promover a justiça social. Assim, um partido interclassista que busca representar e unir diferentes classes sociais pode adotar políticas que combinem elementos do liberalismo, como a defesa dos direitos individuais e da livre iniciativa económica, com medidas sociais que visam mitigar desigualdades e promover o bem-estar coletivo. No entanto, a classificação precisa de um partido como liberal social depende das suas políticas específicas e da sua plataforma política global.

Por outro lado, um partido socialista pode ser social-democrata. A social-democracia é uma ideologia política que busca combinar os princípios do socialismo com os valores democráticos e as instituições de uma sociedade democrática. Ela defende a justiça social, a igualdade de oportunidades e a redistribuição de recursos para garantir um padrão de vida decente para todos os membros da sociedade, mas dentro de um sistema democrático de governo.

Um partido socialista que adota uma abordagem social-democrata geralmente busca alcançar seus objetivos por meio de reformas graduais dentro do sistema político existente, em vez de buscar uma revolução ou mudança radical. Esses partidos frequentemente propõem políticas de bem-estar social, investimento em serviços públicos, regulação económica e proteção dos direitos do trabalho como meio de alcançar seus objetivos socialistas dentro de um contexto democrático. Assim, um partido socialista pode ser considerado interclassista, dependendo de sua abordagem e princípios. Embora o socialismo muitas vezes se concentre na defesa dos interesses dos trabalhadores e na busca por uma sociedade mais igualitária, isso não significa necessariamente que exclua outras classes sociais. Um partido socialista verdadeiramente interclassista buscaria representar e unir pessoas de todas as classes sociais em torno de um conjunto de valores e políticas que promovam a justiça social, a igualdade de oportunidades e o bem-estar coletivo. Isso poderia envolver a promoção de políticas que beneficiem não apenas os trabalhadores, mas também pequenos empresários, agricultores, profissionais liberais e outros setores da sociedade.

O Partido Trabalhista Britânico é muitas vezes apontado como termo de comparação. Historicamente teve as suas raízes no movimento trabalhista e sindical do Reino Unido. Originalmente, o partido representava principalmente os interesses da classe trabalhadora e adotava uma plataforma política social-democrata, promovendo políticas de bem-estar social, proteção dos direitos trabalhistas e igualdade de oportunidades. Ao longo do tempo, o Partido Trabalhista evoluiu e a sua base de apoio se ampliou para incluir uma variedade de grupos sociais e interesses. Embora continue a defender os princípios da justiça social e da igualdade, o partido também busca representar os interesses de outras classes sociais, como pequenos empresários, profissionais liberais e comunidades marginalizadas. Em sua essência, o Partido Trabalhista Britânico pode ser considerado interclassista em seu compromisso com a defesa dos direitos e interesses de uma ampla gama de pessoas, enquanto mantém o seu foco na promoção do bem-estar e da justiça social. No entanto, a natureza específica de sua abordagem e políticas pode variar ao longo do tempo e sob diferentes lideranças.

Os partidos socialistas e da social-democracia europeus geralmente estão agrupados em uma das principais famílias políticas do Parlamento Europeu, conhecida como o Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D). Este grupo é composto por partidos políticos de centro-esquerda que compartilham valores e objetivos semelhantes, incluindo o compromisso com a justiça social, a igualdade de oportunidades e o progresso económico e social. O Grupo S&D é uma das principais forças políticas no Parlamento Europeu e desempenha um papel importante na formulação de legislação e políticas da União Europeia. Ele muitas vezes colabora com outros grupos políticos de centro-esquerda e centro-direita para alcançar compromissos e promover seus objetivos políticos. 
Os partidos membros do Grupo S&D representam uma variedade de países e tradições políticas dentro da União Europeia, mas trabalham juntos para promover uma agenda comum no Parlamento Europeu. Isso pode incluir questões como políticas de emprego, proteção social, direitos do trabalho, igualdade de género, educação e saúde pública. 

O Partido Socialista (PS) de Portugal está integrado no Grupo da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) no Parlamento Europeu. O Grupo S&D é composto por partidos políticos de centro-esquerda que compartilham uma visão política semelhante e trabalham juntos para promover políticas progressistas no âmbito da União Europeia. Assim, o PS de Portugal faz parte deste grupo que inclui outros partidos socialistas e sociais-democratas de toda a União Europeia. Eles colaboram para promover uma agenda comum que inclui questões como justiça social, proteção dos direitos trabalhistas, igualdade de género, políticas de emprego e proteção social, entre outros.

O Partido Social Democrata (PSD) de Portugal está integrado no Grupo do Partido Popular Europeu (PPE) no Parlamento Europeu. O PPE é uma coligação de partidos políticos de centro-direita e de direita que compartilham uma visão política semelhante e trabalham juntos para promover seus interesses no âmbito da União Europeia. O PPE é uma das principais forças políticas no Parlamento Europeu e inclui partidos membros de diversos países da União Europeia. Além do PSD de Portugal, outros partidos importantes no Grupo PPE incluem a União Democrata-Cristã da Alemanha (CDU), o Partido Popular Espanhol (PP) e o Partido Popular da Bélgica (CD&V), entre outros.

O Partido Comunista Português (PCP) não está integrado em nenhum dos grupos políticos no Parlamento Europeu. Tradicionalmente, o PCP mantém uma posição de independência em relação aos grupos políticos europeus, optando por não se aliar a nenhum deles. No entanto, o PCP faz parte da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde (GUE/NGL), que é uma coligação de partidos de esquerda e movimentos políticos no Parlamento Europeu. Este grupo inclui partidos comunistas, socialistas e outros partidos de esquerda de toda a Europa. A GUE/NGL promove políticas progressistas, anticapitalistas e de solidariedade internacional dentro do Parlamento Europeu. O Bloco de Esquerda (BE) de Portugal também está integrado neste grupo. 
Assim, o Bloco de Esquerda de Portugal faz parte deste grupo que inclui outros partidos de esquerda, como partidos comunistas, socialistas e verdes, de toda a Europa. Juntos, eles buscam promover uma agenda comum que inclui questões como justiça social, igualdade, direitos dos trabalhadores, proteção ambiental e solidariedade internacional.

O partido CHEGA de Portugal é geralmente classificado como um partido de direita populista. Ele defende políticas conservadoras em questões sociais e económicas, além de adotar uma abordagem populista em sua comunicação e estratégia política. Na Europa está integrado no grupo mais na extrema-direita, o ID (Identidade e Democracia). 
Este grupo foi formado em junho de 2015, tendo 39 membros, sendo o mais pequeno grupo do Parlamento Europeu. Após as eleições europeias de 2014 a extrema-direita europeia — em especial a Frente Nacional, O Partido para a Liberdade e a Liga Norte — tentaram formar um grupo, mas, em junho, Marine Le Pen anunciou que a tentativa tinha fracassado. O CHEGA tem-se destacado por sua retórica anti-sistema e por suas posições firmes em questões como imigração, segurança e crime. É importante ressaltar que a classificação de um partido político pode variar dependendo do contexto político e das perspectivas individuais, e diferentes pessoas e analistas podem ter opiniões diferentes sobre o posicionamento ideológico de um partido como o CHEGA.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Discurso de ódio e liberdade de expressão



Em muitas democracias, a liberdade de expressão é protegida por lei, mas existem limites, como a proibição de discursos de ódio, incitação à violência, difamação, entre outros. Delitos de opinião podem ocorrer quando essas expressões ultrapassam os limites legais estabelecidos para proteger outros direitos e interesses sociais. A definição do que constitui um delito de opinião pode variar significativamente entre diferentes sistemas jurídicos.

Um delito de opinião é um crime baseado nas ideias ou opiniões expressas por uma pessoa. Isso geralmente envolve declarações públicas que são consideradas ofensivas, prejudiciais ou perigosas pela legislação de um país. Exemplos comuns incluem discursos de ódio, incitação à violência ou apologia de crimes. A criminalização de opiniões pode variar amplamente entre diferentes jurisdições, refletindo as normas culturais e políticas locais sobre liberdade de expressão.

Um delito de opinião é um termo jurídico que se refere a ações ou expressões que são consideradas crimes por manifestarem opiniões, ideias ou crenças. Em geral, delitos de opinião envolvem a criminalização de discursos, escritos ou qualquer forma de comunicação que seja vista como ofensiva, subversiva ou contrária aos interesses do Estado ou da sociedade.

Delimitar o que é discurso de ódio do que não é pode ser complexo, pois envolve considerações legais, culturais e contextuais. No entanto, existem alguns critérios amplamente aceitos que ajudam a identificar o discurso de ódio: O discurso de ódio geralmente tem a intenção clara de ofender, prejudicar ou incitar violência contra indivíduos ou grupos com base em características como raça, religião, etnia, género, orientação sexual, entre outras.

Por outro lado, o contexto em que o dito ocorre é crucial. O mesmo enunciado pode ser interpretado de maneiras diferentes dependendo da situação, do local e do público-alvo. O discurso que promove violência ou discriminação num ambiente de tensão racial, por exemplo, é mais propenso a ser considerado discurso de ódio. O conteúdo do discurso de ódio frequentemente envolve estereótipos negativos.

A sociedade e as suas normas culturais também influenciam a definição de discurso de ódio. O que noutros tempos era admitido ou indiferente, agora a consciência cívica está mais apurada no sentido de respeitar o direito e a identidade do Outro, de modo que o que nós dizemos não resulte em danos significativos aos três níveis da identidade humana: física, psíquica e espiritual. Aqui se incluem piadas ou comentários que reforçam estereótipos negativos, com a intenção de humilhar ou desumanizar. Na parte espiritual da identidade humana, podemos incluir aspetos que transcendem o físico e o psíquico, envolvendo crenças, valores, propósito e a conexão com algo maior do que o indivíduo. E a dimensão espiritual não implica necessariamente uma religião, pois um ateísta não tem de ser destituído de dimensão espiritual. Aqui se incluem princípios éticos que guiam o comportamento e as decisões de uma pessoa. Isso pode incluir o sentido de justiça, honestidade, compaixão, e outros valores que são considerados sagrados ou fundamentais. Há uma fonte interna de sabedoria e conhecimento que é extensível à escala animal e vai muito para lá da lógica e do raciocínio consciente, muitas vezes percebida como uma orientação espiritual ou intuitiva. Em suma, esses elementos variam amplamente de pessoa para pessoa, dependendo de suas crenças, experiências e culturas, mas todos contribuem para a construção da identidade espiritual de um indivíduo.

Mas, apesar de na maioria dos países liberais e democráticos haver leis específicas que determinam o que constitui discurso de ódio, refletindo valores e sensibilidades locais, por outro lado, a crítica legítima de ideias, políticas ou comportamentos, ainda que contundente, não é geralmente considerada discurso de ódio se não tiver a intenção ou o efeito de desumanizar ou incitar violência contra um grupo específico. A delimitação entre discurso de ódio e liberdade de expressão é um tema frequentemente debatido, e as leis variam de país para país. Em muitos locais, há um esforço contínuo para equilibrar a proteção contra o ódio e a preservação da liberdade de expressão.

Em regimes autoritários ou ditaduras, a criminalização de opiniões dissidentes é comum. Esses delitos são frequentemente usados como ferramentas de repressão política. Em alguns países, criticar ou insultar símbolos religiosos pode ser considerado um delito de opinião. Acusações públicas de corrupção ou má conduta por parte de autoridades governamentais podem ser criminalizadas em alguns lugares. Propagação de ideias que incitam à discriminação ou violência contra grupos específicos (discurso de ódio) na maior parte dos regimes democráticos é considerado um delito de opinião.

As penalidades para delitos de opinião podem variar desde multas e censura até prisão e outras formas de punição mais severas, dependendo da jurisdição e da gravidade do suposto delito. Em suma, um delito de opinião envolve a criminalização de expressões que manifestam determinadas opiniões ou crenças, e a sua aplicação pode variar amplamente dependendo do contexto legal, cultural e político de cada país.