segunda-feira, 27 de maio de 2024

A Catalunha como nação


A Catalunha como nação data de aproximadamente o ano de 988, quando o conde Borrell rompeu os laços com os descendentes do Império Carolíngio. Por causa dos invasores árabes, no início dos anos 800, o Império Carolíngio foi ali proteger terras e habitantes. E foi na sequência desses acontecimentos que no século IX o conde Guifrè el Pelòs, que se tornara vitorioso nas lutas contra a dominação árabe, recebeu do rei francês os condados: Barcelona, Urgell, Cerdanya-Conflent e Girona.

Os seus herdeiros autoproclamaram-se condes sem que necessitassem de nomeação pelos reis franceses, o que assegurou a hegemonia da Casa de Barcelona sobre as áreas fronteiriças que viriam a ser chamadas Catalunha no século XII. Assim, enquanto a maior parte da Espanha cristã esteve comprometida na Reconquista aos árabes durante 8 séculos, processo que resultou na criação dos reinos de Leão e Castela, a Catalunha, após um período de dominação árabe, nos séculos oitavo e nono, desenvolveu-se a partir das suas origens carolíngias, para se tornar, entre o início do século XII e meados do século XV, um império mediterrânico. O império estendeu-se por Maiorca, Valência e Sicília, parte da Grécia com Atenas, Sardenha e Nápoles incluindo também territórios franceses além Pirenéus principalmente Rossilhão.




Embora a Catalunha dispusesse de um interior rural de dimensões significativas, era um império basicamente comercial, governado pela aliança entre a nobreza e as elites mercantis urbanas num modelo semelhante ao adotado pelas repúblicas mercantis do norte da Itália. Preocupados com o poderio militar de Castela, os precavidos catalães concordaram com a união proposta pelo pequeno, porém bem localizado, Reino de Aragão em 1137.

Foi só no final do século XV que a Espanha se concretizou como Estado Peninsular após uma união por via de um casamento voluntário: de Fernando (rei da Catalunha, Valência e Aragão) – com Isabel (rainha de Castela). A Catalunha deixou de ser uma entidade política soberana.

A aliança das duas nações tinha compromissos as respeitar: a língua, os costumes e as instituições, bem como a divisão da riqueza. Todavia, o poder e riqueza da coroa espanhola e da sua nobreza proprietária de terras - juntamente com a influência da igreja fundamentalista, erigida em torno da Contra-Reforma - provocaram uma reviravolta no curso da história subjugando os povos não castelhanos na Europa e na Península Ibérica, bem como na América. A Catalunha, a exemplo do resto da Europa, foi excluída do comércio com as colónias da América, uma das maiores fontes de riqueza do Reino da Espanha.




A nação catalã reagiu, desenvolvendo não apenas a sua própria indústria regional de bens de consumo, bem como o comércio. Ora, isso desencadeou um processo de industrialização incipiente com a acumulação de capital a partir da segunda metade do século XVI. Entretanto, em Castela, após o esmagamento das cidades castelhanas livres, as Comunidades, entre 1520 e 1523, emergia uma classe de artesãos, e uma proto burguesia que passou a desenvolver uma economia senhorial para custear um Estado bélico e teocrático. Tal desenvolvimento foi alavancado com as riquezas das colónias na América, o que não excluiu a cobrança de pesados impostos ao povo.

Entretanto, ocorreu o desastre de Portugal em Alcácer Quibir, com a aventura de Dom Sebastião em África. E foi assim que Portugal durante 60 anos (1580-1640) se viu sob a tutela dos Filipes de Espanha (entre Filipe II e Filipe IV). O choque entre culturas e instituições não se faria esperar. Filipe IV de Espanha, que nasceu em 1605 em Valladolid, e morreu em Madrid, a 17 de setembro de 1665, reinou entre 1621 e 1665. Teve vários cognomes como: “O Grande”; “O Rei Planeta” pelos seus apoiantes; "O Opressor", pelos seus detratores. Foi, por conseguinte.  rei da Espanha, de Portugal e dos Países Baixos Espanhóis, durante a União Ibérica. Foi lembrado pelo seu grande patrocínio às artes, em particular a pintura onde avulta Velásquez, o autor de vários retratos, e pelo seu domínio sobre a Espanha durante a Guerra dos Trinta Anos.

Apesar de o Império Espanhol ter alcançado aproximadamente 12,2 milhões de quilómetros quadrados de área na época do seu falecimento, o reino estava em declínio em outros aspetos, reflexo das inúmeras reformas fracassadas das políticas Filipinas.



Filipe IV, por Velásquez

Necessitando de maiores receitas tributárias, reforçou ainda mais o centralismo. O que levou à insurreição de Portugal e da Catalunha. Aqui, ocorreu a revolta dos ceifeiros. Em Portugal apoiado pela Inglaterra, recuperou a sua independência em 1640. A Catalunha foi derrotada, tendo a maior parte das suas liberdades sido suprimidas mais uma vez. 

Entre 1705 e 1714, a Catalunha lutou pela sua autonomia, apoiando a causa austríaca. Durante a guerra da sucessão de Espanha, há um traço peculiar no carácter catalão. Barcelona foi invadida em 11/09/1714. Hoje a data é celebrada como a data nacional da Catalunha. Perdeu todas as suas instituições políticas de governo autónomo, estabelecido desde a Idade Média: o governo municipal com base em conselhos democráticos; o Parlamento catalão soberano. As novas instituições estabelecidas por decreto concentraram a autoridade nas mãos de um chefe militar. Seguiu-se então um longo período de repressão cultural pelas instituições do poder central, que conforme é documentado pelos historiadores, visava deliberadamente a eliminação gradual da identidade catalã: pelo idioma catalão em primeiro lugar; seguido dos órgãos administrativos; depois as transações comerciais; e finalmente pela intervenção nas escolas. A educação acabou por ficar acantonada no seio da família, e da igreja. Mas ou talvez por isso, não impediu que os catalães continuassem a trabalhar e a concentrarem-se na industrialização da Catalunha, ao ponto de chegados aos finais do século XVIII a Catalunha ser a única área verdadeiramente industrial de Espanha.

Chegados ao século XX, nas primeiras 3 décadas surgiu um poderoso movimento operário de natureza fundamentalmente anarco-sindicalista, que levou os nacionalistas em geral, dominados pela sua ala conservadora até finais da década de 1920 a confiar na proteção oferecida por Madrid contra as exigências dos trabalhadores. Contudo, quando em 1931 a República foi proclamada em Espanha, os republicanos esquerdistas da Catalunha conseguiram estabelecer um vínculo entre a classe operária catalã, a pequena burguesia, e os ideais nacionalistas. O que fez com que se tornassem a principal força do nacionalismo catalão. Restaurado à esquerda, estabeleceu uma aliança em toda a Espanha com os republicanos, os socialistas, os comunistas e os sindicatos anarquistas e socialistas.

Em 1932, diante da pressão popular expressa num referendo, o governo espanhol aprovou um estatuto de autonomia que restituiu à Catalunha as suas liberdades, um governo independente, e autonomia linguística e cultural. Na realidade, o atendimento das exigências nacionalistas da Catalunha, e do País Basco, por parte da República de Espanha, foi uma das mais importantes causas da insurreição militar que culminou na guerra civil espanhola entre 1936 e 1939.

Consequentemente, após a guerra civil, a repressão sistemática das instituições – à língua, cultura, identidade e líderes políticos catalães – começou pelas execuções em 1940. Esse período também foi caracterizado pela eliminação deliberada de professores falantes de catalão nas escolas com o intuito de impossibilitar o ensino do idioma como movimento de reação ao nacionalismo. Tornou-se um grito de guerra para as forças contrárias a Franco na Catalunha, a exemplo do que ocorreu no País Basco, dando origem a que todas as forças políticas democráticas: democratas cristãos, liberais socialistas e comunistas – passassem a ser nacionalistas catalães. Isso acabou por resultar no facto de que todos os partidos políticos da Catalunha tanto durante a resistência contra Franco, como a partir da instituição da democracia em Espanha, em 1977, eram e são catalães não espanhóis embora na sua maior parte aliados a partidos defensores da ideologia semelhante em Espanha, mantendo ao mesmo tempo a sua autonomia partidária.

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