sábado, 12 de julho de 2025

A matriz foucaultiana do feminismo atual



Foucault via a medicina, a psiquiatria, a sexualidade e o sistema penal como formas de poder sobre o corpo. Para ele, o conhecimento médico não é neutro: é um instrumento de disciplina e controlo. Isso foi absorvido por setores feministas que passaram a ver a obstetrícia como uma extensão do patriarcado, onde o corpo da mulher é "violentado" por normas masculinas disfarçadas de ciência. Tudo é descrito como violência sistémica, porque o corpo da mulher foi "invadido" por uma autoridade "masculina", mesmo que fosse uma obstetra mulher!

O risco desta lógica na prática é a destruição da confiança clínica num sistema onde o clínico é visto como suspeito de opressão à partida. O discurso da paciente é sempre verdade e o da equipa médica precisa justificar-se a todo o custo. A pressão pública e mediática é alimentada por ativismo propagado nas redes sociais. E assim se criou um clima de hostilidade e desconfiança, onde os médicos começam a evitar situações de risco, e as mais prejudicadas são precisamente as mulheres que precisam de cuidados complexos.


Margaret A. McLaren (2016, p. 29) afirma, a propósito de Foucault, que “nenhum filósofo do século masculino, desde Marx, chamou tanta atenção das feministas”. Assim como as diferentes possibilidades de leitura do feminismo, as ideias de Foucault desafiam elementos centrais da filosofia tradicional, como a noção de sujeito, o lugar do saber, o exercício do poder. A potência de seu pensamento e seus desdobramentos são questionados ainda pelas teorias feministas quando o acusam de silenciar sobre a diferença sexual, além de não estabelecer distinções entre o corpo masculino e feminino em sua História da sexualidade. Destacam, além disso, a desconfiança foucaultiana em relação aos ideais iluministas, como o de emancipação, posição que parece invalidar as lutas das mulheres pela igualdade de condições e oportunidades.

As análises de Foucault não buscam integrar correntes de pensamento, mas sim problematizar diferentes práticas sociais. Elas evidenciam que o poder opera de distintas formas no conjunto do tecido social, sendo que as lutas acerca da eliminação da desigualdade económica estão entrelaçadas às lutas contra todas as formas de discriminação, como as de género. As relações de poder, evidenciadas como jogo de forças entre géneros, produzem sujeitos nas diferentes classes sociais e, até mesmo, para além delas. Assim, uma mulher pode sofrer discriminação de género, ainda que pertença economicamente à classe dominante.

Esta posição de Foucault está muito próxima dos feminismos atuais quando estes desconfiam dos projetos neutros relacionados ao género. Sempre que projetos universais pretendem ser neutros e objetivos, têm como modelo o paradigma masculino. Por isso, as intervenções políticas e sociais precisariam prestar atenção às situações específicas que se desdobram das experiências próprias das mulheres. Não das mulheres como uma categoria uniforme determinada pela condição biológica, como se a portadora do sexo feminino já carregasse em si mesma a potencialidade de uma experiência política feminina.


Não se combate uma injustiça com outra. A obstetrícia, como qualquer área da medicina, teve excessos e erros. E as mulheres devem, sim, ter voz, respeito, autonomia e dignidade no parto. Mas isso não justifica uma inversão radical onde o médico é culpado até prova em contrário, e onde a ideologia suplanta a evidência clínica.

Tem de se preservar a autoridade técnica do médico para decidir, em segundos, o que salva uma vida. Porque, no fim das contas, um parto não é um comício. É um momento clínico que exige sangue-frio, experiência e responsabilidade. E isso, infelizmente, não cabe num slogan.

Há, de facto, más práticas, negligência e desrespeito que devem ser combatidos com firmeza. Mas confundir atos clínicos bem fundamentados com “violência sistémica” é não apenas um erro conceptual, como uma injustiça grave. É condenar profissionais que, muitas vezes, em segundos, tomam decisões para salvar vidas. É instalar o medo, a judicialização e a desconfiança — tudo aquilo que mina a relação médico-paciente e, paradoxalmente, torna os partos mais arriscados. A boa medicina exige empatia, escuta e respeito, sim. Mas também exige ciência, discernimento e responsabilidade. Sem isso, estaremos a sacrificar a segurança do parto em nome de uma cruzada ideológica.

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