sábado, 5 de julho de 2025
Exemplos de acordos de paz exemplares
O trabalho de pacificação também tem de incidir sobre os radicais de dentro, que consideram o pacificador como traidor. Veja-se o que aconteceu a Yitzhak Rabin. E esse é talvez o obstáculo mais trágico e estrutural em qualquer processo de paz: os inimigos da paz não estão apenas do outro lado. Estão também dentro de casa. Yitzhak Rabin, primeiro-ministro israelita, general e herói de guerra, foi assassinado por um judeu israelita, religioso e ultranacionalista, que o considerava um traidor da pátria por ter assinado os Acordos de Oslo com os palestinianos, dando aquele aperto de mão a Yasser Arafat que ficou para a História.
Esse assassinato, em 1995, por um fanático chamado Yigal Amir, não foi apenas um ato individual, mas o sintoma brutal de uma lógica que ainda hoje vigora em muitas frentes, em que "a paz não é aceitável se significa ceder, reconhecer ou humanizar o outro." Esse tipo de fanático não teme o inimigo externo, teme o pacificador interno, porque ele desmonta a narrativa totalizante, e quebra a dicotomia identitária de “nós puros contra eles perigosos”.
E é assim porque s pacificadores são vistos como traidores. Porque ameaçam a identidade de trincheira. O radical vive da lógica binária. O pacificador introduz nuances, memória, escuta, e isso é visto como uma fraqueza ou infiltração. Porque o pacificador desloca o centro da narrativa. Se a narrativa dominante é “nós somos as vítimas absolutas”, então reconhecer as dores do outro soa como uma heresia. Para o fanático, toda empatia é suspeita. Rabin, era um general, tinha autoridade nacional. A sua conversão à paz custou-lhe a vida porque se tornou um líder credível e respeitado. E o radical sabe que a credibilidade é a sua maior fraqueza.
Entre palestinianos, também surgem acusações violentas de traição contra quem tenta negociar ou moderar posições. Líderes da OLP foram acusados de “vender a causa”. Intelectuais ou artistas que tentam construir pontes com israelitas são ameaçados ou silenciados. Nas redes sociais, a palavra “normalização” (isto é, dialogar com o outro lado) tornou-se insulto. A tarefa do pacificador é árdua. Yitzhak Rabin disse, pouco antes de morrer: "A paz é feita com inimigos, não com amigos." E ao dizê-lo, assinou não só um tratado — assinou a sua própria sentença, selada pelo medo que a paz provoca nos que vivem do conflito.
Tudo isto para lembrar quão importantes são os valores sagrados dos povos para a paz entre o sacrossanto "nós/eles". A paz verdadeira nunca se constrói contra os valores sagrados dos povos, mas a partir deles. Se não reconhecemos o que é sentido como sagrado pelo outro — na terra, na memória, na língua, na dor, na promessa — então continuamos a falar de paz como técnica, não como reconciliação profunda.
Líderes carismáticos -- como Hussein da Jordânia, Martin McGuinness, Ian Paisley (e depois Peter Robinson), Viljoen, Mandela -- não negaram o conflito, não esconderam o passado, nem apagaram as cicatrizes. Eles fizeram algo infinitamente mais difícil e mais grandioso: transcenderam sem trair. Rei Hussein da Jordânia, um monarca do deserto, que perdeu a Cisjordânia e viu o seu reino pressionado por todos os lados, mas que nunca deixou de buscar uma convivência com Israel, fez a paz com os olhos nos mortos (como quando foi pessoalmente ao funeral das crianças israelitas mortas por um soldado jordano). Disse à mãe: «Ajoelho-me perante Deus e peço perdão em nome de todo o povo jordano.» Foi um gesto sem precedentes. Um rei a pedir perdão. E ali se selou a paz entre Jordânia e Israel, não nos papéis, mas no coração.
Martin McGuinness e Ian Paisley / Peter Robinson -- De um lado, McGuinness, ex-comandante do IRA; do outro, Paisley e depois Robinson, unionistas duros, protestantes, que viam os católicos como ameaça existencial, aceitaram sentar-se, sorrir, e governar juntos. Eram chamados de "chuckle brothers" (irmãos da gargalhada). Isso foi muito mais do que política: foi coragem emocional. McGuinness, ao morrer, foi homenageado por muitos dos que antes o temiam. Porque escolhera a paz não como capitulação, mas como destino.
Constand Viljoen e Nelson Mandela -- Viljoen era general, ícone dos afrikaners armados. Mandela, o prisioneiro libertado, símbolo da luta negra. Viljoen tinha armas, apoio militar, podia ter lançado uma guerra civil para proteger o apartheid. Mas foi falar com Mandela, olhos nos olhos, e saiu convencido. Mandela, por sua vez, compreendeu que a reconciliação não exigia apagar o passado, mas dar-lhe um sentido novo. Pediu que os inimigos fossem protegidos, não punidos. E o mundo inteiro viu, com espanto e reverência, uma nação renascer sem se banhar em vingança.
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