quarta-feira, 16 de julho de 2025

BRICS - Sul Global - e as críticas às democracias ocidentais


Entre os BRICS, a maioria coincidente com o denominado "Sul global". E quantos desses países são democracias efetivas? Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul - O grupo foi recentemente ampliado (2024–2025) para incluir mais países (BRICS+), mas focando na formação original -- e considerando a coincidência com o chamado Sul Global -- a sua composição em termos de democracias efetivas deixa muito a desejar segundo a Avaliação da Qualidade Democrática dos BRICS Originais (com base em índices internacionais como o EIU Democracy Index de 2024).

O Brasil é uma democracia - mas uma democracia imperfeita (flawed democracy) - Eleições livres e regulares, Judiciário independente, imprensa relativamente livre. Problemas com polarização, corrupção e fragilidades institucionais. Considerado, portanto, uma democracia efetiva, embora imperfeita. Ao passo que o regime na Rússia é autoritário. Eleições sem competição real, repressão da oposição, e a comunicação social é estatal. Não é uma democracia efetiva. E a Índia é uma democracia imperfeita (com tendências iliberais crescentes). Apesar de manter eleições regulares, há críticas crescentes à liberdade de imprensa, perseguição a minorias e enfraquecimento de instituições. Tecnicamente ainda uma democracia, mas com sinais de erosão democrática. África do Sul - Democracia imperfeita, mas funcional. Eleições livres, sistema multipartidário, Judiciário independente. Democracia efetiva, com problemas estruturais (corrupção, desigualdade). Mas a China não oferece dúvidas. É um regime autoritário de partido único. Sem eleições livres, controlo total dos média, repressão à dissidência. Não é uma democracia. Conclusão: Entre os 5 países fundadores dos BRICS, apenas dois são democracias efetivas, ainda que imperfeitas.

Vamos então analisar os países recentemente incorporados ao grupo BRICS+ (2024–2025), conforme o convite oficial que ampliou o grupo. Os países convidados e/ou aceites são: Argentina (convidada, mas recusou adesão sob Milei); Egito; Etiópia; Irão; Arábia Saudita; Emirados Árabes Unidos. Ora, o que tem ganhado cada vez mais eco em círculos intelectuais académicos de esquerda? É uma retórica, que domina as academias progressistas, e que trata de forma assimétrica quem não respeita valores universais como democracia, direitos humanos, liberdade de expressão e igualdade de género. Quando regimes autoritários ou misóginos são ocidentais ou "brancos", o discurso é feroz, militante e inflexível. Quando esses regimes são não ocidentais, há uma tendência a relativizar os abusos, apelando a argumentos culturais, históricos ou anticoloniais. Críticas duríssimas a símbolos ocidentais de opressão patriarcal, mas silêncio ensurdecedor sobre o casamento forçado de meninas, lapidação de mulheres ou leis anti-LGBTQ+ em países como Irão ou Arábia Saudita - agora membros dos BRICS+.

Muitos ativistas contemporâneos - especialmente em setores mais ideológicos das ciências sociais - parecem operar sob uma régua moral baseada em identidade: o que é feito por "opressores históricos" (brancos, europeus, cristãos) é intrinsecamente mau; o que é feito por "oprimidos históricos" é relativizado ou ignorado. E é assim quem reivindica para si o monopólio da indignação seletiva. Se um homem branco critica costumes autoritários ou misóginos de culturas não ocidentais, pode ser chamado de racista, islamofóbico ou colonialista cultural - mesmo que esteja defendendo direitos humanos universais. O feminismo radical ocidental, que tanto se esforça por combater o machismo em suas sociedades, muitas vezes ignora ou minimiza o sofrimento de milhões de mulheres em culturas onde a desigualdade de género é institucionalizada. É um feminismo seletivo. Pouca ou nenhuma denúncia efetiva: à tutela masculina na Arábia Saudita; à criminalização do adultério feminino em muitos países muçulmanos; à mutilação genital feminina na África subsaariana e em algumas comunidades muçulmanas da Ásia; à prisão ou execução de mulheres por não cobrirem o cabelo (como no Irão).

Onde chegamos? Chegamos, talvez, a um ponto onde o discurso crítico ocidental -- muitas vezes legítimo no passado -- se perdeu num labirinto de contradições morais e dogmatismos ideológicos. A crítica ao “homem branco” tornou-se fetiche ideológico, e não análise estrutural. A luta por justiça social deixou de ser universal e tornou-se identitária e tribal. Perdeu-se a capacidade de autocrítica e de reconhecer que nem tudo o que vem do Ocidente é opressor, nem tudo o que vem do Sul Global é legítimo só porque é "não branco". Se o "Sul Global" é uma categoria geopolítica útil, mas não é acompanhada por um compromisso genuíno com direitos humanos universais, e democracia real - é eticamente vazio. Se o BRICS+ se transforma em um clube de autocracias apenas por antagonismo ao Ocidente, ele não representa nenhum progresso civilizacional - apenas uma inversão de hegemonias, com os mesmos vícios.

Nas últimas décadas o anticolonialismo académico e militante deixou de ser um projeto construtivo e passou a ser uma retórica antiocidental identitária, muitas vezes ressentida e marcada por binarismos simplistas: "Branco = opressor"; "Não branco = vítima eterna". Essa lógica anula a responsabilidade histórica dos próprios países “descolonizados” por seus fracassos democráticos ou sociais. Torna impossível criticar ditaduras ou opressões internas ao Sul Global, sob o pretexto de “respeitar a cultura” ou “evitar imperialismo moral”. Sob o manto do anticolonialismo contemporâneo, aceitam-se ou relativizam-se práticas que ferem princípios universais de dignidade humana. Criticar a opressão das mulheres sob leis da sharia em alguns países pode ser visto como "islamofobia", não como defesa de direitos humanos. Essa inversão é moralmente grave. A cultura não pode ser escudo para a barbárie.

É assim lamentável que haja uma passividade indulgente com regimes brutais, desde que estes sejam “antiocidentais”. E o abandono do universalismo é mais um sintoma do declínio da autoridade moral das academias ocidentais que trabalham em "humanidades", uma maneira de designar aquelas disciplinas do secundário do meu tempo a que chamávamos de Letras, o contraponto das outras disciplinas a que chamávamos de Ciências. As universidades ocidentais, herdeiras do Iluminismo e do humanismo europeu, já foram centros de pensamento racional, crítico e ético, mesmo com todas as contradições históricas. Porém, hoje, muitos departamentos de "humanidades" adotaram teorias identitárias radicais, onde o critério de verdade e justiça não é mais universal, mas vinculado à origem étnica, género ou "lugar de fala".

O “branco europeu”, por exemplo, é desqualificado a priori para falar sobre temas como África, Islão, racismo, mesmo que o faça com base em dados, empatia e compromisso ético. Essa lógica destrói o diálogo plural. Fere a ideia de humanidade comum. E sacrifica a razão crítica em nome da ideologia tribal. A academia ocidental, com medo de ofender, institucionalizou a autocensura. É o que alguns apelidam de tirania do politicamente correto. Professores evitam temas sensíveis. Alunos são incentivados a se sentirem “violados” por ideias desconfortáveis. Palavras como “civilização ocidental”, “valores universais”, “verdade objetiva” são vistas com suspeita -- como se fossem expressões de dominação colonial. Isso é irónico porque as universidades onde isso ocorre são as mesmas que garantem liberdade de expressão e pensamento crítico, que muitos dos países do BRICS+ nunca tolerariam. Ao relativizar ditaduras e injustiças fora do Ocidente, os intelectuais anticoloniais traem os princípios pelos quais dizem lutar (liberdade, igualdade, justiça). E isso é um preço que se está a pagar caro, alimentando movimentos populistas de direita que exploram essa hipocrisia para desacreditar toda a forma de crítica social. Ou seja, o excesso de dogmatismo à esquerda acaba fortalecendo os extremos à direita. A crítica ao colonialismo histórico é válida, necessária e inescapável. Mas o que se vê hoje, muitas vezes, é um anticolonialismo estéril, marcado por inversões morais e um relativismo perigoso.

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