domingo, 13 de julho de 2025

A Ucrânia e os amigos da Rússia


A crítica a certos setores da esquerda radical -- incluindo o Partido Comunista Português (PCP) e outros partidos semelhantes -- pela sua postura em relação à guerra na Ucrânia, é avassaladora. Numa tentativa de desculpar a invasão da Ucrânia pela Rússia, respaldada por argumentos que Putin engendrou despudoradamente, insistem no slogan hipócrita de "serem pela paz", e não deixando de acrescentar aquela caracterização que o Kremlin usa à exaustão: de limpar a Ucrânia de um regime "nazi".

Muitos militantes do PCP ainda operam com uma grelha conceptual herdada da Guerra Fria. Nessa lógica, a Rússia (herdeira da URSS, mesmo que apenas simbolicamente) continua a ser vista como um baluarte anti-imperialista contra os Estados Unidos e a NATO. Assim, qualquer país em conflito com o "Ocidente" é automaticamente "progressista" ou "resistente", e os adversários desse país são imediatamente associados a um suposto "fascismo". A acusação de “nazismo” contra a Ucrânia deriva, em parte, da existência real de grupos de extrema-direita no país, como o Batalhão Azov. No entanto, tratar um governo democraticamente eleito, com um presidente judeu (Volodymyr Zelensky), como um “regime nazi” é, no mínimo, uma distorção grosseira. Essa leitura ignora por completo a pluralidade política e a resistência legítima do povo ucraniano à agressão russa.

Esta postura é o que podíamos classificar de má-fé com traços de teoria da conspiração. Aqui entra a paranoia conspirativa. Segundo esta visão, os media estão todos manipulados pelo “imperialismo ocidental”, a Ucrânia é apenas um peão da NATO, e a Rússia está a combater uma guerra “defensiva”. A desinformação russa é muitas vezes acolhida com pouca crítica. O que pode revelar má-fé deliberada, ou pelo menos uma vontade ideológica de aderir a narrativas que justifiquem a sua posição prévia. Neste caso, o PCP parece muitas vezes mais preocupado em manter a coerência com a sua visão tradicional do mundo do que em confrontar os factos. É uma espécie de realpolitik invertida: se a realidade não bate certo com o dogma, pior para a realidade.

Esse tipo de discurso, além de politicamente irresponsável, acaba por marginalizar ainda mais o PCP no contexto português e europeu. Ele descredibiliza-se de uma forma intelectualmente to absurda que não tem outra explicação que desonestidade intelectual, ao alinhar-se, de forma quase acrítica, com um regime autoritário como o de Putin, que reprime opositores, manipula eleições e usa o exército para anexar território estrangeiro.

O PCP tem afirmado repetidamente que a guerra não é apenas uma questão de invasão russa, mas resulta de um contexto mais amplo. Culpa os EUA, a NATO e a UE por fomentar tensões através do seu alargamento junto às fronteiras da Rússia. Manipulam os acontecimentos políticos na Ucrânia desde 2014. Ainda num comunicado de fevereiro de 2025, reafirma que “o agravamento da situação é indissociável da … estratégia de tensão e confrontação” e apela a negociar também com a Rússia. O PCP coloca consistentemente a ênfase na paz, desarmamento e diplomacia: Apelo à “urgente desescalada do conflito, à instauração de um cessar-fogo e à abertura de uma via negocial”, com referência aos princípios da Carta das Nações Unidas e da Atos de. O PCP rejeita o envio de armamento pesado ou sanções que alimentem o conflito, acusando esses caminhos de prolongarem a guerra e alimentar o “colossal processo de aumento de despesas militares”. Em fevereiro de 2022, no Parlamento, recusam-se a condenar especificamente a Rússia, argumentando que “este conflito é muito mais profundo” e apontando os EUA como os que estão “verdadeiramente interessados numa nova guerra na Europa”. A 1 de março de 2022, os eurodeputados do PCP votam contra uma resolução que condenava a invasão, justificando que se iria “alimentar a escalada” e reforçar militarização na Europa. O PCP também boicotou a sessão solene com o Presidente Zelensky no parlamento, alegando que representava “um palco para a escalada da guerra” e se recusando a legitimar o “poder xenófobo e belicista” que, segundo o partido, o representaria. Em 2022, o PCP escreveu que houve um “golpe de Estado” em 2014 em Kiev, apoiado pelas potências ocidentais e pelas elites ucranianas, com envolvimento de “forças de extrema-direita, neonazis e xenófobas”. Em março de 2024, o partido condena “atos criminosos… cometidos… pelas forças armadas ucranianas… incluindo por grupos fascistas em Odessa” em 2014, defendendo investigações rigorosas e independentes antes de qualquer julgamento ou acusação.

A posição do PCP revela uma forte aderência a uma interpretação estrutural do conflito (como um choque entre “impérios” e guerrilha ideológica anti-Sistema), em vez de uma análise centrada na violação da soberania nacional da Ucrânia. A insistência em narrativas sobre “grupo neonazi” e “golpe de Estado” reforça perceções externas de distorção e alinhamento com teorias conspirativas ou anti-Ocidente. Esta postura aproxima o PCP de certos segmentos da esquerda radical europeia, e também tem sido alvo de duras críticas por parte de analistas políticos, media internacionais e até associações de refugiados ucranianos em Portugal.

Segundo o último Comunicado do Comité Central (29 de junho de 2025): O PCP continua a denunciar a escalada militar impulsionada pelo imperialismo, com ênfase nos EUA, NATO e UE, apontando para pressões económicas e apoio ao aumento das despesas militares (incluindo a cimeira da NATO em Haia com metas de 5% do PIB). Reforça o apelo pela dissolução da NATO, pela não militarização da UE e por um sistema de segurança coletiva para assegurar paz e justiça na Europa. O PCP rejeita participação ou apoio às políticas belicistas europeias, criticando duramente o alinhamento do governo português com essas estratégias. A associação de refugiados ucranianos (UAPT) tem reagido com preocupação à postura do PCP. O presidente, Maksym Tarkivskyy, expressou desagrado com o apoio do partido à guerra.

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