Mário Soares, como líder do Partido Socialista (PS) e figura central do campo democrático em Portugal, teve de recorrer deliberadamente à ajuda dos Estados Unidos e de outras democracias ocidentais para conter o avanço comunista durante o PREC. Em fevereiro de 1975, Mário Soares viajou a Washington, numa missão sem grande alarde, para se encontrar com membros da administração americana, nomeadamente Henry Kissinger, então Secretário de Estado. Nessa visita, Soares alertou para o perigo de uma tomada do poder pelo PCP e uma deriva para uma ditadura comunista, pedindo apoio político e financeiro para as forças democráticas.
Nos arquivos do Departamento de Estado dos EUA, estão registados memorandos confidenciais que mostram a desconfiança de Kissinger em relação à estabilidade da democracia portuguesa. A opinião era de que Soares era “o último bastião viável contra Cunhal”. O apoio a iniciativas discretas, incluindo financiamento indireto ao PS, suporte logístico para estruturas sindicais moderadas, e influência diplomática junto da NATO. Kissinger (mais tarde, em memórias): "Se Portugal caísse nas mãos do PCP, seria o primeiro país da NATO a ter um governo comunista. Seria um precedente devastador para o Ocidente."
A Fundação Friedrich Ebert, ligada ao Partido Social-Democrata Alemão (SPD), ajudou financeiramente e logisticamente o PS português. A Alemanha via Portugal como uma fronteira estratégica entre a democracia e a ditadura, temendo um “efeito dominó” no sul da Europa. François Mitterrand, líder do Partido Socialista francês, apoiava Soares, mas hesitava em antagonizar diretamente o PCP, por causa da aliança entre socialistas e comunistas em França. No entanto, os socialistas franceses ajudaram com formação política e estruturas de apoio ao PS português.
Nas eleições para a Constituinte (25 de Abril de 1975), o PS surpreendeu ao obter mais de 37% dos votos, enquanto o PCP teve cerca de 12%. A vitória clara de Soares deu-lhe legitimidade popular e internacional para travar a radicalização do processo revolucionário. Essa eleição foi essencial para convencer os EUA e a Europa de que a maioria dos portugueses não queria uma ditadura comunista. Soares enfrentou uma campanha violenta de propaganda contra si por parte do PCP e da extrema-esquerda. Era acusado de “agente da CIA”, “burguês traidor” e “vendido ao imperialismo”. Mesmo assim, viajou pelo país em caravanas democráticas, enfrentando multidões hostis, sobretudo no sul (Alentejo) e nos meios urbanos revolucionários. Mais tarde diria: “Foi a luta da minha vida. Salvámos a democracia em Portugal com o apoio do povo e do mundo livre.” Foi um jogo de altíssimo risco. E Soares, com notável habilidade política e coragem pessoal, venceu-o, consolidando Portugal como uma democracia pluralista e europeísta.
Um relatório da CIA, desclassificado parcialmente, destaca a rivalidade entre Mário Soares e Álvaro Cunhal pelo controlo da esquerda portuguesa após o 25 de Abril. O documento observa que Soares temia a organização superior dos comunistas e estava empenhado em fortalecer o seu partido para competir eficazmente. Os encontros entre Mário Soares e o embaixador dos EUA em Lisboa, Frank Carlucci, foram fundamentais. Carlucci manteve reuniões frequentes com Soares, demonstrando a profunda preocupação de Washington com a ameaça comunista em Portugal. Esses diálogos evidenciam o apoio político e estratégico dos EUA a Soares durante o processo de transição democrática.
Em janeiro de 1975, durante uma reunião entre o Secretário de Estado Henry Kissinger e o Secretário de Defesa James Schlesinger, foi discutida a possibilidade de um golpe comunista em Portugal. Schlesinger mencionou que o Pentágono tinha um plano de contingência para tomar os Açores, visando proteger os interesses estratégicos dos EUA na região. Soares: “Estamos perante uma tentativa concertada de tomar o poder por via de um putsch ideológico. A única saída é fortalecer a via democrática, com apoio externo.” Carlucci: “O governo dos EUA está atento e acompanha com admiração a sua luta. Tenha a certeza de que faremos o possível dentro dos limites diplomáticos.” ("Se Portugal virar irreversivelmente comunista, teremos de assegurar a Base das Lajes, nos Açores. Está a ser redigido um plano de contingência para uma intervenção aerotransportada limitada.")
Entretanto, enquanto Reagan e Thatcher no início dos anos 80 inauguravam uma nova era, na França, sempre a França, com Miterrand, ainda aguentava os estertores da esquerda e do comunismo. O que lhe está hoje a custar bem caro. Enquanto Ronald Reagan (1981) e Margaret Thatcher (1979) iniciavam a viragem neoliberal no mundo anglo-saxónico - baseada em cortes estatais, desregulação e culto ao mercado - a França fez o movimento oposto. François Mitterrand, eleito presidente em 1981, liderou um governo de esquerda socialista com ministros comunistas (do PCF) - algo quase impensável nos EUA ou no Reino Unido na mesma época. Medidas iniciais do governo Mitterrand: Nacionalizações maciças (bancos, seguradoras, grandes grupos industriais como Renault, Thomson, Saint-Gobain…). Aumento do salário mínimo (SMIC) e dos salários da função pública. Redução do tempo de trabalho e aumento de direitos sociais. Integração do Partido Comunista Francês no governo. Isto gerou esperança à esquerda europeia. Mas também alarme nos mercados e nos EUA, além de grande pressão internacional, sobretudo de Bonn e Washington.
Dois anos depois, em 1983, a economia francesa entrou em crise. Inflação galopante, saída de capitais, défice comercial. Pressões do Bundesbank alemão e da Comunidade Europeia. Mitterrand foi então obrigado a fazer um recuo histórico, conhecido como a “viragem do rigor”. Congelamento de salários, cortes no orçamento, fim das grandes nacionalizações. A esquerda socialista abandonou na prática o programa comum com os comunistas. Começava a agonia do modelo social-democrata intervencionista à francesa, que resistira mais que os outros à lógica neoliberal global. E o custo disso hoje? O que está a “custar caro” hoje à França tem raízes nesse período. O desencanto com a esquerda tradicional abriu espaço para movimentos populistas, protestos (coletes amarelos), e o crescimento simultâneo da extrema-direita (Le Pen) e da esquerda radical (Mélenchon). O eleitorado operário e popular migrou em grande parte para o voto anti-establishment, sobretudo à direita.
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