quinta-feira, 10 de julho de 2025

Paralelos com as esquerdas europeias


Tentemos perceber se a crise da esquerda francesa é uma exceção ou parte de um padrão continental. Veremos que há um padrão comum de declínio, mas com variações nacionais importantes. Hoje a esquerda está dividida entre o PS residual e a radicalização da France Insoumise de Mélenchon. Na Itália a esquerda histórica está totalmente desaparecida. 

A Itália é o caso mais dramático: a esquerda desapareceu quase por completo como força estruturada. O PCI (Partido Comunista Italiano) era o maior da Europa Ocidental durante a Guerra Fria. Nos anos 90, após o fim da URSS, converte-se em PDS (Partido Democrático da Esquerda), depois em DS, e finalmente PD (Partido Democrático), um partido social-liberal, sem ideologia clara. Hoje o PD perdeu espaço para a extrema-direita (Meloni, Salvini). O operariado vota cada vez mais à direita. A esquerda radical é residual ou inorgânica (como o Potere al Popolo). A alternativa “anti-sistema” dos últimos anos foi o Movimento 5 Estrelas, mas não era uma esquerda tradicional — era populismo tecnocrático. A esquerda italiana implodiu sob o peso da sua renúncia ideológica e da corrupção dos anos 90 (Tangentopoli).

A Alemanha viu a fragmentação e esvaziamento do SPD. O SPD (Partido Social-Democrata) é o mais antigo da Europa. Nos anos 90–2000, com Gerhard Schröder, adotou reformas liberais (Agenda 2010) e perdeu o apoio da classe trabalhadora. Isso levou à criação da Die Linke, um partido mais radical, com base na ex-RDA.

O SPD voltou ao poder em 2021 com Olaf Scholz, mas sem entusiasmo, governando com verdes e liberais, mas sem visão mobilizadora. A Die Linke está em queda, e parte do seu eleitorado fugiu para a extrema-direita (AfD) no leste alemão. Conclusão: a esquerda alemã sem alma, sob pressão de todos os lados, cedeu agora o lugar a 
Friedrich Merz. Joachim-Friedrich Martin Josef Merz (nascido em 11 de novembro de 1955) é um político alemão que atua como chanceler da Alemanha desde 6 de maio de 2025. Ele também atuou como líder da União Democrata Cristã (CDU) desde janeiro de 2022, liderando o grupo parlamentar da CDU/CSU (União) como líder da oposição no Bundestag de fevereiro de 2022 a maio de 2025.

Na Espanha o PSOE (socialista) foi hegemónico, mas perdeu força com a crise de 2008. Surge então o Podemos, partido de esquerda populista, com discurso antissistema, semelhante à France Insoumise. A aliança PSOE–Podemos governou até 2023 com Pedro Sánchez. Hoje o PSOE sobrevive, mas depende de coligações e nacionalistas catalães e bascos. O Podemos implodiu; parte dele fundiu-se com Sumar, uma tentativa de "rebrand" à esquerda. A extrema-direita (Vox) cresce, mas a esquerda ainda tem espaço de manobra institucional. Conclusão: a esquerda espanhola ainda vive, mas está fragilizada e muito dependente de equilibristas políticos.

O Reino Unido teve o caso Corbyn e o retorno ao centro. O Partido Trabalhista (Labour) moveu-se para o centro com Tony Blair (1997), tornando-se quase um "partido liberal social". Nos anos 2010, Jeremy Corbyn tenta reaproximá-lo da esquerda clássica — antiausteridade, pró-nacionalizações, etc. Mas a campanha da imprensa e divisões internas sabotaram-no. Hoje o Labour, com Keir Starmer, abandonou o projeto radical. Em todo o lado a extrema-direita está em ascensão à custa da raiva popular contra a esquerda que praticamente esteve ao leme dos destinos dos povos no dealbar do terceiro milénio. E o poder desgasta e paralisa o fulgor intelectual de outros tempos. A esquerda perdeu o discurso, ou a narrativa como se diz agora. E com a linguagem também se foi o chão.
 
Os intelectuais de esquerda da atualidade andam todos aos papeis. A “bolha académica” divorciou-se do povo. O pensamento de esquerda acantonou-se nas universidades, seminários e conferências. Resultado: um discurso cada vez mais abstrato, identitário e desconectado do chão social real. Discussões intermináveis sobre microagressões, pronomes e interseccionalidade. Defesa de causas válidas, mas com linguagem hermética. Incapacidade de falar sobre trabalho, pobreza, habitação, segurança -- temas que afligem o cidadão comum. Resultado: o povo não se reconhece mais na esquerda. Vê nela uma elite moralista, urbana, “woke”, que os julga em vez de os representar. Há vozes de autocrítica, mas são vozes isoladas, e muitas vezes hostilizadas dentro da própria esquerda, que prefere manter a pureza ideológica em vez de reconquistar terreno perdido. A esquerda fala para si mesma, com um vocabulário hermético e cada vez mais sectário. A antiga esquerda revolucionária, que dizia “vamos mudar o mundo”, deu lugar a uma esquerda performativa, que diz “vamos mudar o vocabulário”.

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