sexta-feira, 4 de julho de 2025
Teoria Crítica e Feminismo: As bases para pensar o “woke”
O movimento "woke" – hoje um termo ambíguo, muitas vezes usado de forma pejorativa – emergiu de lutas antirracistas, feministas, queer e pós-coloniais que se foram integrando nos debates políticos, académicos e culturais. Para entender a sua estrutura conceptual, é essencial olhar para a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt e suas evoluções: Nancy Fraser – combina a crítica marxista com causas feministas e de género; Judith Butler – desconstrói o binarismo de género e introduz a noção de performatividade; Axel Honneth – elabora a “luta por reconhecimento” como fundamento da justiça; Kimberlé Crenshaw – introduz o conceito de interseccionalidade, (ponto chave no “woke”). Butler questiona as bases heteronormativas e essencialistas do feminismo tradicional e afirma que identidade de género é construída por repetição de atos sociais, não por uma “natureza”.
Nancy Fraser – Fortunes of Feminism (2013) – diz que o feminismo foi cooptado pelo neoliberalismo – mostra como o feminismo dos anos 1990 em diante passou a valorizar o empoderamento individual e a visibilidade, mas muitas vezes abandonou a crítica económica. Ela propõe uma síntese entre redistribuição (justiça económica) e reconhecimento (justiça cultural). Fraser critica os setores do "woke" que se focam apenas na linguagem do politicamente correto e nas questões de identidade, sem tocar nas estruturas materiais de desigualdade. Kimberlé Crenshaw – Mapping the Margins (1991) – diz que a opressão é interseccional – mostra que raça, género e classe não atuam separadamente, mas se cruzam nas experiências das pessoas. E aponta exemplos como é o caso de uma mulher negra que sofre vários tipos de opressão diferentes: da mulher branca, por ser negra; e do homem negro por ser mulher. É a isto que se dá pelo termo de interseccionalidade -- um dos pilares conceptuais do pensamento woke. Mas, segundo os críticos, é essa a sua queda numa armadilha, quer pela sua força excessiva, quer pela complexidade da sua fragmentação política.
Há, por conseguinte, críticas internas ao “woke” dentro da Teoria Crítica feminista. Muitos pensadores ligados à Teoria Crítica, bem como ao feminismo, fazem notar o atual radicalismo identitário. Nancy Fraser é crítica à "política do reconhecimento" sem redistribuição material. Ela alerta que o “feminismo corporativo” e o “ativismo performativo” (como usar linguagem inclusiva sem mudar práticas sociais) acomodam-se à lógica neoliberal. E isso é um erro, portanto, não conseguindo ser tão emancipatório como seria desejável. Joan Scott é uma feminista que alerta para os riscos do essencialismo de género (em ambos os lados). Ela defende uma política que reconheça a pluralidade da experiência feminina e de género, sem "fetichizar" identidades. Amia Srinivasan – The Right to Sex (2021) – é uma pensadora queer que critica tanto o conservadorismo como o dogmatismo woke. Ela propõe repensar o desejo, o consentimento e o feminismo de forma materialista e plural, e não moralista.
Como isso tudo se liga ao “woke”? O chamado “movimento woke” é fruto da interseção entre ideias alegadamente de finais estruturalistas (Foucault, Butler); críticas feministas e raciais (Crenshaw); teorias críticas da justiça (Fraser, Honneth); cultura ativista e digital, que amplificou as lutas por reconhecimento simbólico, linguagem e representatividade. Mas ele também sofre críticas sérias, vindas de dentro, por desprezar as condições materiais da vida da classe trabalhadora.
Dos críticos mais ferrenhos de fora do movimento temos, por exemplo, Douglas Murray – The Madness of Crowds: Gender, Race and Identity (2019) – “Vivemos uma histeria social onde minorias identitárias são tratadas como sagradas. Discordar virou crime moral.” Murray critica com dureza a cultura do "cancelamento", os dogmas de género e o policiamento moral. É provocador, e embora um conservador, tem pergaminhos intelectuais e argumentos que podem ser lidos com proveito, mesmo criticamente. A sua escrita é clara e eficaz para entender a forma hostil e pejorativa que os conservadores guardam em relação a toda essa gente do campo público de uma esquerda caricatamente de um certo progressismo dogmático e ingénuo. Por outro lado, Camille Paglia – Sexual Personae (1990) / entrevistas recentes: “O feminismo atual virou uma seita puritana. Esqueceu que o sexo é trágico, ambíguo, pagão.” Paglia é uma crítica feroz do feminismo académico e da ideologia de género. Ela defende uma visão trágica e artística da sexualidade humana, e é hostil ao sentimento de vitimização. Embora considerada, por alguns, reacionária, ela é na verdade uma libertária cultural, pró-LGBT, mas que combate o cancelamento e a vitimização.
Sem comentários:
Enviar um comentário