segunda-feira, 15 de julho de 2019

A Consciência por David Chalmers


Não existe nada mais imediato do que a experiência consciente, mas ao mesmo tempo não existe nada tão difícil de explicar. David Chalmers, um filósofo australiano notabilizado pelos seus estudos na filosofia da mente, ousa teorizar acerca da consciência em contracorrente com a maioria dos filósofos e cientistas que mais se têm dedicado ao assunto, nomeadamente da inteligência artificial e da neurociência.

Chalmers toma a noção de experiência consciente como uma característica tão fundamental para o cosmos, como é a partícula e a onda eletromagnética para a matéria, ou o espaço e o tempo para o universo. Tal como muitas outras entidades fundamentais, a consciência não pode ser explicada em termos de algo mais simples. Apesar de concordar que é uma propriedade emergindo da estrutura física, o que está aqui em causa é a nossa dificuldade compreensiva do fenómeno em si. Se se resumisse a explicar, por exemplo, como é que um organismo está consciente quando está em vigília, então não haveria um problema filosófico da consciência. Embora os problemas empíricos sejam de difícil solução, ainda assim não caracterizam os verdadeiros problemas colocados pela consciência. Para explicar a distinção entre sono e vigília, uma explicação em termos neurofisiológicos, que dê conta da diferença de comportamento do organismo nestes dois estados, é mais do que suficiente.

Os problemas empíricos da consciência constituem apenas os aspetos funcionais da experiência consciente. Isto significa dizer que, em última análise, estes fenómenos podem vir a ser explicados cientificamente. Nada impede que algum dia eles possam vir a ser explicados, seja através de um modelo computacional, seja através da descoberta de mecanismos neurais. A grande dificuldade é o chamado problema da experiência dos qualia, o aspeto subjetivo nele envolvido. Como caracterizar a experiência consciente? O que significa ter uma imagem mental neste momento ou experimentar uma sensação corporal qualquer? O que unifica tudo isto? A experiência emerge de uma base física, mas não sabemos como acontece. Como algo físico pode dar lugar àquelas experiências internas de tristeza, alegria, ansiedade, fúria, compaixão; ou o desfrute de uma refeição com um avermelhado pôr do sol na linha do horizonte, ao som do piano de Chopin com Maria João Pires.

Há a possibilidade de influenciar a matéria através da atividade cerebral? O conceito de superveniência ajuda a desenvencilhar este problema. Uma propriedade mental de um determinado indivíduo é chamada de superveniente se é produzida por um conjunto de propriedades físicas desse mesmo indivíduo. Antes de nos debruçarmos sobre a consciência já sabíamos que as propriedades vitais dependem de uma base física. A vida é superveniente em relação à sua base física; se as propriedades físicas variarem, as propriedades biológicas também variarão. Assim, da mesma forma para a consciência, Chalmers tem sido um fervoroso crítico às explicações funcionais da consciência, por pecarem de um reducionismo que é incompatível com o conceito de superveniência.

Hoje já se fazem ferramentas robóticas para serem controladas diretamente pelo nosso cérebro. A criação de interfaces entre a atividade mental e computadores ou meios mecânicos, tais como robôs, está a dar que falar. E há cientistas que têm incidido a sua atividade na análise das capacidades cognitivas em doentes com pouca ou nenhuma evidência de terem uma mente. Doentes em coma profundo, portanto sem nenhum nível de consciência, sem qualquer resposta que evidencie a posse de consciência, os seus cérebros respondem através de computadores sofisticados, evidenciando capacidades cognitivas críticas.

Crick e Koch desenvolveram a chamada "teoria neurobiológica da consciência". Esta teoria baseia-se na descoberta de uma constância em certas oscilações neuronais que se situam entre 35-75 hertz no córtex cerebral. Crick e Koch desenvolvem a hipótese de que estas oscilações são responsáveis pela produção da consciência, na medida em que elas estão relacionadas com o estado de vigília num número grande de modalidades - visual e olfatória - bem como com a integração de informação. Os autores sugerem que no processo de integração de diferentes segmentos de informação, grupos neuronais oscilam na mesma frequência e fase numa sincronização perfeita. A integração de informação, por sua vez, possibilita a identificação de objetos fora de nós, o que seria um primeiro passo para a explicação da natureza da consciência. A objeção de Chalmers consiste em sustentar que este tipo de teoria é muito sugestivo, mas ela não nos diz nada acerca de como e porque alguns conteúdos mentais se tornam experiências conscientes. A descoberta das oscilações por Crick e Koch sugere que estas seriam os correlatos neurais da experiência. Mas o que se passa das oscilações até à geração de experiências conscientes fica por explicar.

O segundo modelo explicativo criticado por Chalmers é oriundo da psicologia cognitiva. É a teoria do espaço global da consciência, desenvolvida por Baars. De acordo com esta teoria, os conteúdos conscientes estão contidos num espaço global: uma espécie de processador central usado para mediar a comunicação com um conjunto de processadores especializados não-conscientes. Quando estes processadores especializados precisam transmitir informação para o resto do sistema, eles o fazem mandando informação para o espaço global que atua como uma espécie de quadro comunitário, acessível a todos os outros processadores. Contudo, ela não oferece uma teoria da experiência.

As tentativas por parte de teóricos fisicalistas têm sido muitas, mas até ao momento nada satisfatórias. Alguns têm apelado à teoria do caos e dinâmica não-linear. Outros sugerem que a chave está no processamento não-algorítmico. Outros apelam para futuras descobertas da neurofisiologia e outros ainda, para a mecânica quântica. A inspiração desta proposta baseia-se na ideia de que fenómenos quânticos têm características funcionais extremamente interessantes, como, por exemplo, o indeterminismo e a não-localidade. Poder-se-ia então especular que estas propriedades seriam responsáveis por certos processos cognitivos.

Ainda assim, são apenas a explicação de funções envolvidas no raciocínio matemático. Pois mesmo que falemos de processamento não-algorítmico podemos ainda questionar porque este último daria origem à experiência. Assim sendo, a teoria de processamento não-algorítmico não teria nenhuma vantagem aparente. O mesmo é afirmado por Chalmers acerca do processamento não-linear e da dinâmica do caos. Uma aplicação destas teorias pode fornecer uma explicação da dinâmica de funcionamento cognitivo, mas a questão da experiência ainda permanece inexplicada. Podemos sustentar a mesma afirmação acerca de possíveis descobertas neurofisiológicas. Qualquer processo funcional pode ser instanciado sem a participação da experiência o que mostra que a experiência ultrapassa o que pode ser derivado de qualquer teoria física.

Chalmers agarra-se ao princípio do duplo aspeto da teoria da informação. Ele toma como ponto de partida a noção de informação tal como é definida por Shannon que leva em conta o aspeto fenoménico para além do aspeto material. É o aspeto fenoménico que caracteriza o evento que damos pelo nome de experiência consciente. A irredutibilidade da dimensão subjetiva da experiência consciente decorre de esta se apresentar como um dado imediato. Tudo isto que Chalmers defende parece um regresso a Descartes. No entanto, a diferença entre a posição de Chalmers e a posição cartesiana consiste no facto de Descartes ter afirmado, categoricamente, que a vida mental não pode sobrevir no autómato. Chalmers deixa aberta esta possibilidade, ao defender a Inteligência Artificial no sentido forte. Afinal, se mantivermos o primado da primeira pessoa para fundar a nossa teoria da consciência, nada impede que um robô, que faça tudo o que um ser humano pode fazer, tenha experiências conscientes.

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