sexta-feira, 5 de julho de 2019

O eu e o nível virtual da mente


O eu não é uma entidade ou substância, mas sim um processo virtual, o qual está presente em todos os momentos em que se presume que estejamos conscientes. No paradigma mental de António Damásio é o eu autobiográfico que torna possível, e que melhor caracteriza a mente humana – a mente senciente e pensante. No eu autobiográfico a memória é de importância fundamental. É graças à memória que mantemos a nossa identidade – a nossa história pessoal autobiográfica – associada ao nosso eu consciente (autobiográfico). Convém notar que virtual, na opinião de Damásio, não significa ilusório. É algo que emerge e se diferencia dos mecanismos neuronais que lhe estão associados. O eu é uma virtualidade no sentido em que não é uma entidade palpável ou material, que nem sequer é permanente, pois perde-se nos estados em que a consciência fica ausente.

O eu de uma mente pensante, com as suas virtualidades e faculdades associadas, é, por conseguinte,  o elo fundamental para a identidade pessoal, que ao mesmo tempo se mantém e se renova ao longo da vida. Este eu, está intimamente ligado a uma história pessoal (o eu autobiográfico). Mas também está intimamente ligado a uma imagem do próprio corpo e a uma imagem da própria personalidade. São estes elementos – história pessoal ligada à memória, e imagem própria, quer corpórea quer psíquica – que formam e mantêm a identidade pessoal de uma mente consciente pensante.

Pelo que se disse até aqui, vê-se que o significado de virtual é tomado no sentido de possibilidade, podendo existir em ação, realizando-se, mas também existindo em potência de se realizar. Esta conceção remete para uma ontologia, cujo nível é o do Virtual Primordial ou Essencial, que tem a ver com o funcionamento do mundo natural, tanto no domínio puramente físico ou material, mas também nos outros domínios da vida senciente e pensante: biológico, psicológico, e espiritual no seu sentido transcendental.

Ontologicamente, há lugar para o mundo atual, o que existe em ato tal como o conhecemos, e mundo virtual, em princípio fazendo parte daquilo que designamos por: o desconhecido.  O mundo virtual é um mundo possível. Isso vai permitir que as mentes pensantes possam formar categorias conceptuais a partir de perceções e recordações. E a partir dessas categorias, entender e formular relações, hipóteses, teorias. É também virtual o mundo simbólico do imaginário, dos projetos, dos ideais, das utopias, do que ainda não existe. Isto pode acontecer porque a criatura pensante goza de livre arbítrio, tem liberdade e autonomia de vontade, capacidade de formular intenções, objetivos ou propósitos, projetos e planos. E ainda, temos os jogos virtuais, os jogos das linguagens virtuais, sendo a matemática a linguagem virtual por excelência do abstrato. A um certo nível de abstração os pensamentos formam o domínio ainda mais elevado do que o mero nível dos sentidos. Algumas vezes esse domínio específico do pensamento volta-se sobre si mesmo, procurando as suas virtualidades próprias, tornando-se transcendental. 

Entretanto, o mundo virtual acrescentou significado a vários substantivos que antes se relacionavam exclusivamente com o mundo em ato. E assim a virtualidade acabou por fazer parte da realidade.  Basta mencionar as redes sociais informacionais no nosso quotidiano. Todas as criações virtuais pressupunham uma imitação básica da realidade, no entanto os programadores e desenvolvedores de softwares podem criar realidades que não correspondem ao que existe no mundo físico, como luzes que não geram sombras ou linhas que se projetam infinitamente retilíneas, contrariando as curvaturas do espaço-tempo proposto por Einstein.

Assim, a virtualidade pode ser pensada em termos da vida psíquica, em que o imaginário subjetivo pode afetar diretamente o corpo. Um exemplo é o das doenças psicossomáticas, que tanto parecem surgir do nada, sem substância orgânica, como desaparecer com um placebo. É a partir daqui que os filósofos da mente podem ser desafiados com a noção de causalidade descendente, quando debatem a questão do problema mente/corpo.

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