segunda-feira, 29 de julho de 2019

O abismo entre a mente consciente e o universo físico

Este tema tem a ver com o hiato impossível de transpor entre o discurso fisicalista e o discurso mentalista acerca do problema mente/corpo. Saber tudo sobre o cérebro e sobre a natureza física do universo não é suficiente para saber tudo a respeito da mente consciente: dizem os mentalistas. 
Enquanto que qualquer pessoa percebe o que um especialista quer dizer com o termo “fisicalista”, já com o termo “mentalista” a confusão instala-se. Por mim diria que o conceito de mentalista cobre aquela noção de que há uma fenomenologia na experiência da vida quotidiana comum a todos os humanos, e que intuitivamente todos sabemos do que se está a falar quando alguém pergunta como se passa, por exemplo, do cheiro a sardinhas assadas numa noite de São João, para a anatomia do nosso corpo que dá conta disso, do nariz ao cérebro. 
O hiato intransponível entre o conhecimento da mente e o conhecimento do corpo, que para além de vários tipos de impossibilidades, conforme a matriz filosófica dos investigadores, comporta o problema da incomensurabilidade, versão Thomas Khun, é a peça de resistência que ainda se coloca a todas as especialidades, sem exceção, que ambicionam um dia saber tudo o que há para saber acerca da mente e da consciência. É demasiado evidente para necessitar de prova que os eflúvios de um corpo odorífero nada têm de semelhante à sensação de cheiro. 
A consciência é como se fosse uma espécie de transparência fenoménica. A consciência acompanha sempre o pensamento, e faculta-nos o conhecimento do que fazemos quando vemos, ouvimos, saboreamos e assim por aí fora quando são afetados todos os nossos sentidos da senciência. E cada um de nós (o sujeito) sabe a importância que a consciência desempenha na identidade pessoal, e no sentido do eu (self). O sujeito é a melhor autoridade sobre o que se passa dentro de si – sensações, sentimentos, pensamentos.
O problema dos conteúdos da consciência fenoménica já havia sido formulado por Locke na teoria das qualidades primárias e secundárias dos corpos. Há uma incomensurabilidade de termos entre a subjetividade fenoménica de primeira pessoa e a objetividade de terceira pessoa para a descrição de um dado evento, experiência ou situação percetiva. Do ponto de vista do sujeito é a experiência que ocupa a consciência com a totalidade dos conjuntos fenoménicos que atuam num dado fragmento do espaço-tempo. A coabitação dos diferentes conteúdos fenoménicos dentro da mesma experiência consciente permite uma estratégia de diminuição da alteridade radical entre experiência e mundo físico, pois na nossa mente os qualia nunca podem ser falsos, pois as cores, ou os odores, são perceptos de coisas tal como existem. 
Mesmo que a ciência já tivesse alcançado todo o conhecimento a respeito dos qualia, ainda assim não chegaria para dar conta da sensação subjetiva tal como é. Muitos pensam que nunca possuiremos uma ciência total a este respeito, que explique como surgem os conteúdos fenoménicos do mundo. O aumento do conhecimento da estrutura física dos órgãos do nosso corpo não implica um aumento correspondente do conhecimento do modo como e por que razão existem experiências subjetivas associadas a esses órgãos. 
Até aqui tenho-me limitado a enfrentar apenas o problema mente-corpo. Mas há um outro problema que tenho evitado, porque adensa ainda mais as nossas dificuldades conceptuais e de linguagem e que é o problema apresentado por alguns autores, poucos, como o problema mente-mente. É claro que, para simplificar, vou referir apenas a relação que existe, ou não existe, entre a mente consciente e a mente inconsciente. Prende-se com o facto de haver ou não haver zombies, e com os aspetos estritamente lógicos das leis físicas que gerem o cérebro no sentido das operações de cálculo matemático, que são incapazes de dar conta da existência fenomenal da consciência. 

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