sexta-feira, 19 de julho de 2019

Os universos possíveis e o fim anunciado do antropocentrismo



Ainda me lembro de há 50 anos ver na TV a preto-e-branco as imagens, transmitidas pela RTP e assistidas pela voz de José Mensurado, de Neil Armstrong pisar a superfície lunar pela primeira vez, proferindo a famosa frase que José Mensurado traduziu: “Um pequeno passo para o homem, mas um gigantesco passo para a humanidade”. A alunagem do módulo lunar Eagle deu-se às 20:17 UTC (Universal Time Coordinated) e seis horas depois, já no dia 21 de julho, Armstrong dá os primeiros passos na superfície da lua, seguido por Aldrin vinte minutos depois.

Nas tertúlias que temos tido, muitas vezes chegamos ao momento crucial de querer saber o que existia antes do big bang. E geralmente acabamos por levar para casa duas ideias: A ideia simples de que o universo não teve princípio nem terá fim. Sempre existiu. O big bang não passa de um episódio dentro de um universo que sempre existiu; e a ideia de que pura e simplesmente não se sabe nem podemos saber. As temperaturas dos primeiros instantes eram tão elevadas que as leis da física tal como as conhecemos hoje não se aplicam a essas condições de energia tão elevadas.

Para facilitar a nossa compreensão os físicos descrevem a evolução do universo desde o big bang, por eras. Assim, a era em que estamos agora, desde há cerca de algumas centenas de milhões de anos, é a era da energia escura. A densidade da energia escura, seja qual for a sua origem, passou a dominar a densidade da energia da matéria. A expansão de forma acelerada do universo é uma consequência disso. A era de Planck (1) é a primeira. Depois seguem-se por ordem temporal a era da grande unificação (2), a era hadrónica (3), a era leptónica (4), a era da radiação (5), a era da matéria (6) e finalmente a era da energia escura (7), a atual.

1. Do suposto início dos tempos – era de Planck – até aos 10-44 segundos, período em que as temperaturas eram da ordem de 1032 K, não há qualquer partícula, nem é possível atribuir ainda qualquer significado ao conceito de espaço-tempo. [Ao contrário dos gaus Celsius, Kelvin não é um "grau", nem deveria ser escrito com o símbolo de grau. O nome correto da unidade é Kelvin, com o símbolo K. Suas unidades são kelvins e se expressam com um único K. Assim, 0º Celsius equivale a 273,16 K. E 100º Celsius valem 373,16 K. Por conseguinte o 0 Kelvin equivale a -273,16º Celsius.] 
2. Depois da era de Planck até 10-35 segundos após o big bang, temos a era da grande unificação, com temperaturas da ordem dos 1028 K, em que surgem em grande profusão as partículas elementares em equilíbrio com a radiação. Supostamente ocorreu nesta fase o processo inflacionário, que resolveu os problemas das condições iniciais. 
3. Na era hadrónica, que terá acontecido entre 10-9 e 10-5 segundos após o big bang, com temperaturas a 1012 K, predominam os processos mediados pela interação nuclear forte, estando livres as partículas constituintes dos hadrões e dos mesões. 
4. A era leptónica vem a seguir e cessa por uma altura em que o universo já tinha alguns minutos de vida. As temperaturas rondam os 109 K. 
5. A era da radiação, que se inicia com a aniquilação dos eletrões e dos positrões, dura até cerca de 400.000 anos após o big bang, terminando com uma temperatura de 103 K. Surgem os primeiros átomos e o universo torna-se transparente com o desacoplamento entre a matéria e a radiação. É desta radiação que temos a radiação cósmica de fundo. 
 6. Na era da matéria a densidade de energia das partículas elementares passa a dominar a da radiação e a dos neutrinos. E só nesta fase é que começam a formar-se as galáxias, mais ou menos decorridos 2 mil milhões de anos desde o big bang. E as primeiras estrelas decorridos 4 mil milhões de anos após o big bang. E o sistema solar só surge passados 9 mil milhões de anos após o big bang. As primeiras estruturas com atributos de vida na Terra surgem 11 mil milhões de anos após o big bang. 
7. Portanto, sendo a idade do universo estimada em 13.800 milhões de anos (números redondos), a era da energia escura, já referida acima como a era atual, surge só depois de terem passado cerca de 13 mil milhões de anos. 

Entretanto a teoria das supercordas trouxe novas ideias para o problema da origem, o que não dececionou as mentes mais exigentes, dada a sua originalidade. Para melhor entendermos este facto depositam-se grandes esperanças na teoria das cordas quânticas, dado que esta teoria tem sido pródiga em descobertas surpreendentes. Como por exemplo, lá está, o big bang não ter sido a origem dos tempos.

Assim, a teoria cosmológica das branas assume que o universo visível está situado numa brana tri-dimensional que se move dentro de um espaço com maior número de dimensões. Nossa brana pode ser uma de uma série de incontáveis outras branas movendo-se através dessas dimensões adicionais. Este cenário dá suporte ao modelo ecpirótico proposto em 2001. O modelo ecpirótico do universo é uma alternativa ao paradigma da inflação cósmica. O modelo ecpirótico é um precursor e parte do modelo cíclico. Toda a história desde o big bang não é mais do que um breve episódio no infinito do tempo. Esse cenário sugere que o universo visível estava vazio e em contração no passado distante. Em certo momento nossa brana colidiu com uma outra brana paralela “escondida” o que provocou a mudança de um universo em contração para um universo em expansão. Radiação e matéria aquecida foram criadas no ato da colisão originando o big bang, que então a partir daí é o que já se sabia, é o nosso universo. Existem, todavia, problemas no cenário ecpirótico. Entre eles não é sabido o que efetivamente acontece quando duas branas colidem. Além disso, o cenário ecpirótico usa algumas ideias essenciais da teoria das cordas, principalmente as multi-dimensões. O termo ecpirótico é originado da palavra ekpyrosis da filosofia dos estoicos, a "destruição ou conflito pelo fogo" que representa o ciclo eterno e recorrente da destruição e renascimento.

Mas nenhuma teoria científica pode esquivar-se ao escrutínio da verificação da sua consistência matemática e das suas consequências experimentais. Há ainda muito trabalho a ser desenvolvido. Não podemos ter certezas sobre a verdade do modelo do big bang e, strictu sensu, temos de dizer o mesmo acerca de todas as teorias científicas.

Seja como for, os modelos explicativos vigentes acerca da origem, têm a virtude de poderem ser refutados em qualquer momento por novos factos observacionais. Não me cansando de repetir para lembrar, as teorias são instrumentos, guias para a observação e para a experimentação. Ao estado provisório das hipóteses, das conjeturas e métodos dedutivos, e com mais parcimónia métodos indutivos, os cientistas contrapõem a estabilidade e a robustez do método científico. Este é o verdadeiro pilar da atividade científica.

Não há dúvida que a complexidade dos processos e a diversidade fenomenológica do mundo transcendem qualquer teorização concebível. O pluralismo é mais virtuoso que o monismo em ciência. Mas a generalização de certos conceitos para além do seu domínio de validade pode dar origem a perigosas perversões.

Uma das mais profundas implicações culturais derivadas da procura humana em saber: “de onde viemos e para onde vamos”, é a inevitável conclusão de que seria um absurdo se nós, humanos, fôssemos os únicos no universo, e ainda por cima um universo tão vasto e de um gigantismo tal que é maior do que a nossa imaginação. Este princípio da mediania, segundo o qual não somos seres por aí além, tão especiais como gostamos de ser, é de uma evidência lapidar. De facto, o antropocentrismo, e as teorias do universo antrópico, têm sido a base das ideologias mais perversas na história humana. O de todas as civilizações terem suposto, no tempo que lhes calhou passar pelo tempo histórico, por um lado serem o centro de toda a verdade, e por outro possuírem o dom da eternidade. Nunca nenhuma civilização tratou de providenciar pelo inventário da sua própria extinção.

No ano de 1600 Giordano Bruno foi condenado à morte, acusado de heresia. Havia sido preso em 1592, formalmente julgado pela Santa Madre Igreja, e finalmente queimado vivo no Mercado das Flores, em Roma. Havia escrito o livro “De l’infinito universo e mundi”. E havia dito que o livro “De Revolutiobus Orbium Coelestium” de Nikolaus Copernicus estava certo quando colocava a Terra em pé de igualdade com os outros planetas, afirmando que o universo era infinito e que as estrelas era sóis.

No conjunto dos universos possíveis; na descoberta de inúmeros planetas extrassolares com características possivelmente idênticas às do planeta Terra; a evidência da presença de bactérias num meteorito proveniente de Marte; e a evidência de existência de água em Marte – tudo isso nos leva a crer que a vida seja uma das propriedades emergentes do cosmos, uma das suas inevitabilidades.

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