quinta-feira, 4 de julho de 2019

Os sensores da senciência



Nós temos três tipos de sensores da senciência: os sensores interoceptivos – que nos dão as sensações de quente e frio, fome e sede, as palpitações do coração, de falta de ar, de gases nos intestinos, ou a vontade de obrar e urinar; os sensores exteroceptivos – que nos dão as informações sensoriais vindas do exterior através da visão, audição, olfato, paladar, e tato; e os sensores proprioceptivos – que nos dão indicações relativas ao posicionamento do corpo ou movimento.

Ora, é a partir daqui que os neurocientistas divergem. Por exemplo, Gerald Edelman defende que a origem da consciência se deve primariamente aos efeitos das informações obtidas do meio externo através dos exteroceptores. Outros cientistas, como é o caso de Derek Denton, são mais a favor do primado dos interoceptores no processo de aquisição gradual da consciência. São os estados homeostáticos do organismo, associados a valores biológicos de bem-estar e sobrevivência, que dão origem à emergência daquilo a que chamam: sentimentos primordiais – a primeira forma de consciência senciente a que Gerald Edelman chama consciência primária, ou no vocabulário de António Damásio: consciência nuclear.


Esta consciência primária está ligada a um outro conjunto de faculdades chamadas emoções primordiais – como, por exemplo, o medo ou a ira, ou o nojo – disposições que a evolução trouxe para um grande número de espécies animais, conferindo-lhes vantagens em termos de sobrevivência. Uma emoção primordial, quando se produz, indica que a própria vida, a própria existência, pode estar ameaçada e há que passar à ação.


Uma chamada de atenção para que não confundamos emoções primordiais com os instintos primários, que não precisam de passar pelo nível de consciência, que em termos evolutivos a consciência é um nível superior. São considerados instintos primários os apetites: de alimento, de água, ou sais minerais como o sal. Quase todos os animais sentem a necessidade de consumir sal. Os interoceptores detetam, de alguma maneira, uma modificação na concentração do sódio no sangue que aflui ao cérebro. Esta necessidade, que se traduz no desejo do sal, advém da queda do nível de sódio no sangue. De forma inversa, se os níveis de sódio aumentam, a informação transmite-se ao cérebro sob a forma de um outro sentido subjetivo: a sede. O desejo de sal ou a vontade de beber, assim como a vontade de comer, de dormir, e o sexo, são mecanismos fundamentais que a natureza fixou no processo evolutivo antes da emergência da consciência. Serão mecanismos que se processam no vasto conjunto de animais: aves, mamíferos e até répteis.


E a propósito do sal, cito aqui uma passagem do livro de Derek Denton, publicado em 2011 pelo Instituto Piaget “As emoções primordiais, a emergência da consciência”:

Na reserva natural do monte Elgon, na fronteira entre o Quénia e o Uganda, os elefantes seguem em procissão, regularmente, até ao fundo das profundas galerias sob a montanha. A sua finalidade é encontrar sal, sal que eles arrancam das paredes rochosas e comem de seguida. Estas galerias foram escavadas pelos próprios elefantes desde há centenas de anos.
Não se trata de o animal reagir a um estímulo exterior que se apresenta sob o seu olhar. Ele procura um objeto ausente, um ponto de água, uma mina, um parceiro. Para tal, realiza por vezes longas caminhadas, como fazem os elefantes de Elgon. Para além dos elefantes, neste livro, estão em questão répteis, peixes, aves, mamíferos e, indiretamente, os humanos, uma vez que somos também animais e que a nossa consciência, evoluída, encontra aí as raízes no nosso passado evolutivo.

Esta conceção de Derek Denton demarca-se nitidamente das outras suas contemporâneas, nomeadamente das de Gerald Edelman: para Denton, é a emoção que está na origem da consciência, desde os primeiros estádios da vida animal.


Passemos agora para outro autor: António Damásio. Damásio considera que estas emoções primordiais – o fundamento da diversidade dos sentimentos e das emoções ditas humanas – desempenham um papel primordial nos estados de consciência – desde a sede até ao sentimento amoroso ou à emoção sentida perante uma obra de arte. As primeiras formas de consciência também terão surgido a partir dos efeitos interoceptivos no cérebro. Mas, segundo Damásio, o processo tornou-se mais complexo porque foi necessário o aparecimento de uma primeira forma de eu (proto-eu) para que as emoções pudessem passar a ser sentidas como sentimentos. E depois evoluiu para outra forma de eu a que Damásio chamou eu nuclear, ainda rudimentar, mas fundamental para que o organismo se percecionasse a si próprio na interação com os objetos do mundo exterior. Aqui entram também os sentidos exteroceptivos e as perceções que eles fornecem ao cérebro.


A intencionalidade é uma outra característica fundamental dos processos mentais conscientes. Intencionalidade neste contexto significa a posse de conteúdos representacionais que visam ou que referem algo extrínseco a eles próprios. Além disso, uma mente pensante, pode utilizar o pensamento e a linguagem para melhorar as representações e interações com o seu ambiente, bem como as relações com outros seres humanos.

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