quarta-feira, 3 de julho de 2019

O ato de pensamento


A propósito do ato de pensamento, Virgínia Woolf em “The Common Reader” escreve isto no seu ensaio sobre Montaigne:
O Fantasma atravessa o espírito e sai pela janela antes de termos tido tempo de lhe pôr um grão de sal na cauda, ou então desaparece vergando-se lentamente para regressar na profunda obscuridade que por momentos iluminou com o clarão vagabundo.
Voltando à questão do pensamento e linguagem, mais uma vez os autores dividem-se. Há aqueles que acham que há um espaço de pensamento e um espaço de linguagem. E então perguntam: “como traduzimos por palavras o que estamos a pensar a alguém que está à nossa frente?” Por exemplo, compreender o que se passa no cérebro no momento em que evocamos uma música trauteando-a interiormente, e tentar explicar isso à pessoa que naquele momento está à nossa frente. Seria como tentar apanhar um elefante pela cauda, como diria Virgínia Woolf?

A consciência é como um palco onde montamos o cenário. Ou melhor, onde o cérebro monta o cenário, e nós não sabemos bem onde. Da maneira como está formulada a questão, até parece que temos um cérebro e “nós” pairamos por aí. Não, não existe um “nós” a pairar por aí, como um espírito distinto do cérebro que trabalha para nós. É evidente que consciência ou eu, é tudo o que é regulado pelos estados físicos do cérebro dentro de um corpo de animal. A consciência, sobretudo a consciência primária, se recorrermos ao vocabulário de Gerald Edelman, apareceu no mundo muito antes de o homem ter entrado em cena no decurso da evolução forjada na bigorna da seleção natural.

Não podemos confundir os processos do cérebro com os estados mentais que deles resultam. Por exemplo: são necessários certos processos no cérebro para nos mantermos num estado de consciência que nos permita lidar com a vida diária. Os aspetos sencientes e percetivos desses estados conscientes que experienciamos na lide diária, apenas cada um por si os pode conhecer. Tais aspetos estão vedados a um observador externo. Mas, por outro lado, nós não temos acesso ao conhecimento direto, na primeira pessoa, desses processos no nosso próprio cérebro; enquanto podem ser acedidos na terceira pessoa, ou seja, por outra pessoa de fora através da tecnologia de que hoje a neurociência pode dispor.

Assim, podemos afirmar com toda a segurança que o conhecimento da experiência senciente é exclusiva de cada um, e tal como a entendemos, é própria das criaturas possuidoras de um sistema nervoso e de um cérebro, que deram origem às primeiras formas de consciência na escala animal ao longo do seu processo evolutivo.

Já agora, a consciência alargada. Nós não somos nada fora da consciência alargada. E não há consciência alargada sem a memória. É na memória que acaba por ser constituída e identidade do eu. As pessoas com doença de Alzheimer severa demonstram que essa afirmação não deve estar muito longe da verdade.

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