segunda-feira, 1 de julho de 2019

A Teoria da Informação Integrada de Giulio Tononi, e a sua tentativa de explicar o que é a consciência



Giulio Tononi é um neurocientista e psiquiatra que detém a Cátedra David P. White em Medicina do Sono, bem como a Cátedra em Ciência da Consciência, da Universidade de Wisconsin, relevante pelos seus estudos na área do sono e da consciência. As pesquisas na área do sono, que tem levado a cabo em parceria com Chiara Cirelli, levou-o a formular uma hipótese abrangente sobre a função do sono: a hipótese da homeostase sináptica, segundo a qual, a vigília conduz a um aumento na força sináptica, e o sono é necessário para restabelecer a homeostasia sináptica. Esta hipótese ajuda a compreender os efeitos da privação do sono da qual resultarão novas abordagens terapêuticas não apenas nas insónias, mas inclusivamente em certas perturbações neuropsiquiátricas. Mas Tononi tem-se notabilizado também no campo dos estudos da consciência, particularmente em colaboração com o Nobel da Medicina Gerald Edelman. Desta feita desenvolveu uma teoria - teoria da informação integrada. De acordo com esta teoria, a consciência de um sistema é determinada pelas suas propriedades causais e, portanto, é uma propriedade intrínseca e fundamental de qualquer sistema físico. A versão mais recente da teoria, rotulada "IIT3.0", foi publicada em 2014.

A consciência coloca dois problemas principais: 1) que condições determinam, e até que ponto, que um sistema tenha experiência consciente, como é o nosso caso durante a vigília e não durante o sono sem sonhos; 2) e que condições determinam que tenhamos certos tipos de consciência denominados estados alterados de consciência. Consciência é tudo o que experimentamos. Por exemplo, o que determina a qualidade específica e aparentemente irredutível das diferentes modalidades, por exemplo, visão, audição, dor, cor visual e movimento e dimensões que caracterizam a nossa experiência consciente. Porque é que as cores parecem como são, e diferem da maneira como a música soa ou a dor parece?

Todos sabemos que a nossa própria consciência aumenta quando acordamos e diminui quando adormecemos. Podemos também saber em primeira mão que podemos "perder a consciência" depois de receber um golpe na cabeça ou depois de tomar certos medicamentos, como anestésicos gerais. Assim, a experiência quotidiana indica que a consciência tem um substrato físico, e que esse substrato físico deve estar funcionando da maneira apropriada para que sejamos plenamente conscientes. Bebés recém-nascidos são conscientes, mas até que ponto? Os animais estão conscientes? Em caso afirmativo, alguns animais são mais conscientes do que outros? E eles podem sentir dor? Um artefacto consciente pode ser construído com ingredientes não neurais? E uma pessoa com mutismo acinético (uma variedade de epilepsia em que o sujeito está acordado de olhos abertos, mas mudo, quase indiferente) está consciente ou não? E quanta consciência existe durante o sonambulismo ou convulsões psicomotoras? Parece que, para abordar essas questões e obter uma compreensão genuína da consciência, os estudos empíricos devem ser complementados por uma análise teórica.

Segundo esta teoria de Tononi, a consciência corresponde à capacidade de um sistema de integrar informações. Essa afirmação é motivada por duas propriedades fenomenológicas fundamentais da consciência: diferenciação - a disponibilidade de um número muito grande de experiências conscientes; e integração - a unidade de cada experiência. A teoria afirma que a quantidade de consciência disponível para um sistema pode ser medida como o valor de um complexo de elementos. A teoria também afirma que a qualidade da consciência é determinada pelas relações informacionais entre os elementos de um complexo, que são especificados pelos valores de informação efetiva entre eles. Finalmente, cada experiência consciente em particular é especificada pelo valor, a qualquer momento, das variáveis ​​que medem as interações informacionais entre os elementos de um complexo. Explica, de maneira fundamentada, várias observações neurobiológicas relativas à consciência, que incluem a associação da consciência com certos sistemas neurais e não com outros; e que os processos neurais subjacentes à consciência podem influenciar ou ser influenciados por processos neurais que permanecem inconscientes; e a redução da consciência durante o sono sem sonhos e convulsões generalizadas; e os requisitos de tempo em interações neurais que suportam a consciência. A teoria implica que a consciência é uma quantidade fundamental, que é graduada, que está presente em bebés e animais, e que deve ser possível construir artefactos conscientes.

Coloquemo-nos em frente de uma tela em branco que se liga e desliga alternadamente. Quando a tela se ilumina nós dizemos “claro”; quando se apaga dizemos “escuro”. Ao mesmo tempo colocamos um sensor à luz muito simples, configurado para emitir um sinal sonoro quando a tela se ilumina, não fazendo nada quando se apaga. O primeiro problema da consciência se resume a isto, nós temos a experiência consciente de "ver" a luz ou a escuridão. Ao passo que o dispositivo não vê, não tem consciência, mas diferencia luz de escuridão. Qual é a principal diferença? Segundo a teoria, a principal diferença tem a ver com quanta informação é gerada quando essa diferenciação é feita. Quando a tela em branco é ligada, o dispositivo entra em um de seus dois estados alternativos possíveis e emite um bipe. No entanto, no nosso caso, quando vemos claro ou escuro passamos por um número extraordinariamente grande de estados possíveis. Ou seja, o repertório do dispositivo é minimamente diferenciado, enquanto a nossa experiência é imensa.

O repertório de estados disponíveis no nosso cérebro não pode ser subdividido no repertório de estados disponíveis para componentes independentes. Isso porque, devido à multiplicidade de interações causais entre os elementos do cérebro, o estado de cada elemento é causalmente dependente do de outros elementos, razão pela qual a informação pode ser integrada entre eles. De facto, ao contrário do dispositivo, desconectar os elementos do cérebro, que estão na base da consciência, tem efeitos desastrosos.

A integração da informação na experiência consciente é fenomenologicamente evidente. A única maneira seria dividir o cérebro em dois para impedir a integração da informação entre os dois hemisférios. Mas então, tais operações do cérebro dividido produzem dois sujeitos separados da experiência consciente, cada um deles tendo um repertório menor de estados disponíveis e um desempenho mais limitado. É importante perceber que a experiência consciente se desdobra numa escala de espaço/tempo característica. Levamos de 100 a 200 milissegundos para desenvolver uma experiência sensorial totalmente formada, e o surgimento de um pensamento consciente pode levar ainda mais tempo. Outras evidências indicam que um único momento consciente não se estende além de 2 a 3 segundos. Embora seja discutível se a experiência consciente se desdobra de uma forma mais parecida com uma série de instantâneos discretos, ou se se parece mais com um fluxo contínuo como um filme, com a sua escala de tempo certamente compreendida entre um limite inferior e um superior. Assim, uma análise fenomenológica indica que a consciência tem a ver com a capacidade de integrar uma grande quantidade de informação, e que tal integração ocorre numa escala espaço/tempo característica.

Um músico talentoso experimenta o som de uma orquestra da mesma maneira que você, ou a experiência dele é mais rica? Este é um outro problema, o que determina o tipo de consciência que um sistema tem. Observações semelhantes foram feitas por pessoas que, por razões profissionais, aprendem a discriminar entre perfumes, cores, sons, sensações táteis e assim por diante. A qualidade e o repertório da nossa experiência consciente podem mudar como resultado da aprendizagem. O que importa aqui é que tal aprendizagem percetiva depende de mudanças específicas no substrato físico da nossa consciência - notavelmente um refinamento e rearranjo dos padrões de conexão entre os neurónios em partes apropriadas do sistema tálamo-cortical. Outra evidência para uma associação estreita entre a qualidade da experiência consciente e a organização do cérebro vem de incontáveis ​​estudos neurológicos. Assim, sabemos que o dano a certas partes do córtex cerebral elimina para sempre a nossa capacidade de perceber o movimento visual, deixando o restante de nossa consciência aparentemente intacto. Por outro lado, danos a outras partes eliminam seletivamente a nossa capacidade de perceber cores. Existe obviamente algo sobre a organização dessas áreas corticais que as faz contribuir com diferentes qualidades - movimento visual e cor - para a experiência consciente. A esse respeito, é especialmente importante que a mesma lesão cortical que elimina a capacidade de perceber a cor ou o movimento também elimine a capacidade de lembrar, imaginar e sonhar em cores ou movimentos. Por outro lado, as lesões da retina, enquanto nos deixam cegos, não nos impedem de lembrar, imaginar e sonhar a cores (a menos que sejam congénitas). Assim, é algo que tem a ver com a organização de certas áreas corticais - e não com as suas entradas da periferia sensorial - que determina a qualidade das experiências conscientes que podemos ter.

Com base numa análise fenomenológica, a consciência corresponde à capacidade de integrar informações. A consciência é gerada por uma rede tálamo-cortical distribuída que é ao mesmo tempo especializada e integrada. Um sistema tálamo-cortical que funcione bem é essencial para a consciência. As opiniões diferem, no entanto, sobre a contribuição de certas áreas corticais. Estudos de pacientes comatosos ou vegetativos indicam que uma perda global de consciência é geralmente causada por lesões que prejudicam múltiplos setores do sistema tálamo-cortical, ou pelo menos sua capacidade de trabalhar em conjunto como um sistema. Por outro lado, lesões seletivas de áreas tálamo-corticais individuais prejudicam diferentes modalidades da experiência consciente, como a perceção de cor ou de faces. Estudos eletrofisiológicos e de imagem também indicam que a atividade neural que se correlaciona com a experiência consciente é amplamente distribuída sobre o córtex. Parece, portanto, que o substrato neural da consciência é uma rede tálamo-cortical distribuída, e que não há uma única área cortical onde tudo se encaixe.

O facto de a consciência, como a conhecemos, ser gerada pelo sistema tálamo-cortical, encaixa-se bem com a teoria da integração da informação (ou teoria da informação integrada), uma vez que o que sabemos sobre sua organização parece idealmente adequado à integração da informação. No lado da informação, o sistema tálamo-cortical compreende um grande número de elementos que são funcionalmente especializados, tornando-se ativados em diferentes circunstâncias. Assim, o córtex cerebral é subdividido em sistemas que lidam com diferentes funções, como visão, audição, controle motor, planeamento e muitos outros. Cada sistema, por sua vez, é subdividido em áreas especializadas.

O que vemos geralmente depende dos padrões de atividade que ocorrem na retina e que são transmitidos ao cérebro. No entanto, muitas observações sugerem que a atividade retiniana não contribui diretamente para a experiência consciente. As células da retina seguramente podem distinguir a luz do escuro e transmiti-las ao córtex visual, mas os seus padrões de disparo que mudam rapidamente não correspondem bem ao que percebemos. Por exemplo, durante os movimentos oculares de piscar, a atividade da retina muda drasticamente, mas a perceção visual não muda. A retina tem um ponto cego na saída do nervo óptico, onde não há fotorrecetores, e tem baixa resolução espacial e sem sensibilidade de cor na periferia do campo visual, mas não temos conhecimento de nada disso. Mais importante, a lesão da retina não impede experiências visuais conscientes. Por exemplo, uma pessoa que se torna cega na retina quando adulta continua a ter imagens visuais e sonhos vívidos. Por outro lado, estimular a retina durante o sono, mantendo os olhos abertos, não produz qualquer experiência visual e não afeta os sonhos visuais. Porque é que a atividade retiniana, que geralmente determina o que vemos através da sua ação nos circuitos tálamo-corticais, não contribui diretamente para a experiência consciente, não se sabe.

Até agora, considerámos aspetos estruturais da organização do sistema nervoso que, de acordo com a teoria da integração da informação, explicam por que certas partes do cérebro contribuem diretamente para a consciência e outras não, ou muito pouco. Além dos fatores neuroanatómicos, os fatores neurofisiológicos também são importantes para determinar em que medida uma determinada estrutura neural pode integrar informações. Por exemplo, conexões anatómicas entre regiões cerebrais podem não ser funcionais devido a fatores patológicos. Desconhece-se se as desconexões funcionais entre certas partes do cérebro desempenham um papel na doença psiquiátrica, e nos distúrbios dissociativos. Podem ocorrer durante o sonho e podem estar implicadas em certas condições como a hipnose. Assim, as desconexões funcionais, assim como as desconexões anatómicas, podem levar a uma restrição do substrato neural da consciência.

Outro exemplo da importância dos parâmetros neurofisiológicos é o do sono, o que nos é mais familiar quanto a alterações da consciência. Ao acordarmos do sono sem sonhos, temos a impressão peculiar de que, durante algum tempo, não estávamos presentes de modo algum, e tampouco, no que nos diz respeito, o resto do mundo. De facto, se não dormíssemos, podia ser difícil imaginar que a consciência era um dado. A perda da consciência entre adormecer e acordar é relativa, e não absoluta. Assim, estudos cuidadosos da atividade mental relatados imediatamente após o despertar mostraram que algum grau de consciência é mantido durante grande parte do sono. Muitos despertares, especialmente do sono REM, produzem relatos de sonhos, e os sonhos podem ser às vezes tão vívidos e intensamente conscientes quanto as experiências de vigília. A consciência semelhante a um sonho também ocorre durante várias fases do sono de ondas lentas, especialmente no início do sono e durante a última parte da noite. No entanto, uma certa proporção de despertares não produz nenhum relato de sonhos, sugerindo uma redução acentuada da consciência. Tais despertares "vazios" ocorrem tipicamente durante os estágios mais profundos do sono de ondas lentas (estágios 3 e 4), especialmente durante a primeira metade da noite.

Os exemplos anteriores mostram que a teoria da integração da informação é consistente com várias observações empíricas sobre o substrato neural da consciência. Além disso, mostram que a teoria pode fornecer uma explicação do porquê de a consciência estar associada a certas partes do cérebro, e não a outras, e a certos modos globais de funcionamento, mais do que a outros.

Para concluir, vale a pena mencionar algumas das implicações que derivam da teoria da integração da informação da consciência. No nível mais geral, a teoria tem implicações ontológicas. Ela parte da fenomenologia e, ao fazer um uso crítico de experiências mentais, argumenta que a experiência subjetiva é uma e a mesma coisa que a capacidade de um sistema integrar informações. Nessa visão, experiência, isto é, integração de informação, é uma quantidade fundamental, assim como massa, carga ou energia são. Segue-se que qualquer sistema físico tem experiência subjetiva na medida em que é capaz de integrar informações, independentemente de ser feito ou não de carne e osso. Assim, uma implicação intrigante da teoria é que deve ser possível construir artefactos conscientes dotando-os de um complexo de alto valor. Além disso, deve ser possível projetar a qualidade de sua experiência consciente estruturando adequadamente a sua matriz de informação efetiva. Segue-se também que a consciência, não sendo uma propriedade de tudo ou nada, mas de graus variados, então deve existir tanto nos sistemas mais naturais como artificiais. Como as condições necessárias para construir complexos de alta qualidade, aparentemente não são fáceis de alcançar,  provavelmente estão disponíveis apenas para alguns tipos de sistemas, principalmente cérebros complexos contendo o tipo certo de arquitetura para maximizar a especialização funcional e a integração. Uma implicação relacionada é a da existência, em graus variados, de consciência em múltiplas escalas espaciais e temporais. No entanto, é provável que, na maioria dos sistemas, haja escalas espaciais e temporais privilegiadas nas quais a integração de informações atinge um máximo.

Como a consciência é uma propriedade de um sistema, não de um estado, o estado em que o sistema está apenas determina que experiência particular se torna real a qualquer momento, e não se a experiência está presente. A teoria prevê que a consciência depende exclusivamente da capacidade de um sistema integrar informações, tenha ou não um forte senso de si mesmo, linguagem, emoção, um corpo ou esteja imerso em um ambiente, ao contrário de algumas intuições comuns. Essa previsão é consistente com a preservação da consciência durante o sono REM, quando os sinais de entrada e saída de e para o corpo são marcadamente reduzidos. A inativação transitória das áreas cerebrais que medeiam o sentido do eu, da linguagem e da emoção, poderia avaliar essa previsão de uma maneira mais convincente. A teoria também sugere que a consciência fornece uma vantagem adaptativa e pode ter evoluído precisamente porque é idêntica à capacidade de integrar muitas informações em um curto período de tempo. Se tal informação é sobre o ambiente, a implicação é que, quanto mais um animal é consciente, maior o número de variáveis ​​que ele pode levar em conta em conjunto para guiar o seu comportamento. Outra implicação da teoria é que a presença e a extensão da consciência podem ser determinadas, em princípio, também nos casos em que não temos nenhum relato verbal, como é o caso dos bebés e dos animais. Ou em condições neurológicas de coma e estados vegetativos, minimamente conscientes. Na prática, é claro, medir com precisão não será fácil, mas aproximações e suposições informadas certamente são concebíveis. A validade da teoria reside no facto de dar explicações de maneira coerente, algumas observações fenomenológicas básicas e alguns factos elementares, mas intrigantes, sobre a relação entre a consciência e o cérebro. Desenvolvimentos experimentais, especialmente de maneiras de estimular e registar simultaneamente a atividade de amplas regiões do cérebro, devem permitir testar rigorosamente algumas das previsões da teoria. Igualmente importante será o desenvolvimento de modelos realistas e em larga escala da organização anatómica do cérebro. Esses modelos devem permitir uma medição mais rigorosa de como a capacidade de integrar informações se relaciona com diferentes estruturas cerebrais e certos parâmetros neurofisiológicos.

Finalmente, o arcaboiço teórico aqui apresentado visa principalmente compreender as condições necessárias e suficientes que determinam a quantidade e a qualidade da consciência no nível mais geral. Mais desenvolvimentos teóricos serão necessários para abordar várias questões que são centrais para o estudo da consciência em um contexto biológico e psicológico, tais como a relação da consciência com a memória e a linguagem, aspetos de ordem mais elevada da consciência e sua relação para o eu. Sem dúvida, um entendimento completo de como o cérebro gera a consciência humana permanece uma tarefa extraordinariamente desafiante. No entanto, se as investigações experimentais puderem ser complementadas por uma abordagem teórica baseada em princípios, ela pode não estar assim tão longe do alcance da ciência.

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