terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A 4ª idade: o céu pode esperar




Nas últimas décadas, a expectativa de vida aumentou de forma considerável, e este facto mudou o conceito de velhice. Era a terceira idade, a época da vida em que a estrutura corporal se ia modificando de uma forma mais visível e rápida, apesar do ritmo das alterações próprias do envelhecimento ser bastante variável. Os tempos mudaram. Os velhos de antigamente já não há, os sexagenários, como eu, são uma espécie em vias de extinção. 

Temos uma certa dificuldade em aceitar o envelhecimento como um processo natural e quase seguramente inevitável. O ciclo de vida de qualquer ser vivo encontra-se à partida inscrito e condicionado no seu código genético. A especialidade médica que estuda o geronte, e se dedica a prestar cuidados de saúde, é a gerontologia. Gerontologia é mais do que geriatria. A geriatria é uma espécie de Medicina Interna Hospital, que tem o mesmo horizonte num paradigma mais de doença do que saúde. Ao passo que a Gerontologia é muito mais abrangente, sobrepõe-se às competências do Médico de Saúde Familiar, mas focado apenas ao idoso. Debruça-se sobre os problemas das pessoas ligadas ao envelhecimento nas suas vertentes biológica e psicossocial.

Numa perspetiva demográfica, o envelhecimento de uma população corresponde ao aumento do número de idosos em relação à quantidade de indivíduos jovens. Mal abrimos o portal da PORDATA – a base de dados facultada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos – vemos a linha dos idosos por cada 100 jovens: 1981 – 45,4; 2017 – 153,2. Aqui, o critério de idoso é a partir dos 65 anos. Mas para a Organização Mundial de Saúde (OMS), idoso é todo o indivíduo com 60 ou mais anos de idade. Mas hoje há muitos especialistas e organizações a desejar alterar este critério para os 75 anos de idade. O envelhecimento mantém uma relação direta com o aumento da longevidade. Como a esperança média de vida da espécie humana vem aumentando progressivamente, o conceito de idoso tem também evoluído.


Bem, a grande discrepância faz-se notar entre países pobres e países ricos; e em geral, nem toda a gente faz coincidir a sua idade psicológica com a sua idade física. Psicologicamente, nos dias de hoje, as pessoas não aceitam que o corpo não acompanhe o espírito que têm. Mas a idade física não perdoa quando a consciência se inconsciencializa da aproximação da morte. O idoso tenta resolver estas questões centrando toda a atenção no passado, agarrando-se a recordações.

Independentemente de se ter um espírito jovem ou não, o que resulta é o isolamento progressivo do idoso. Por isso, a tendência do idoso é virar-se mais para dentro de si. E é desta introspeção que também volta a emergir a sua religiosidade, que durante muitos anos andou arredada da sua agenda de preocupações.

Nas idades avançadas reduz-se a quantidade de água no organismo e o peso corporal, a pele enruga-se, o corpo curva-se, a força escasseia, o cabelo cai e torna-se grisalho, os dentes perdem-se, a vista e o ouvido enfraquecem. Surge ao mesmo tempo uma certa rigidez do pensamento e algum egocentrismo, esgota-se a memória e tende-se à repetição constante. É preciso lembrar que por volta dos trinta anos já se inicia o declínio do sistema nervoso central. Mas o envelhecimento predispõe para doenças que afetam o sistema nervoso de uma forma eletiva, seja diretamente através das demências, seja indiretamente por hábitos alimentares e outros hábitos perniciosos pata o sistema circulatório. É a epidemia dos AVC, seja pela diabetes, seja pela hipertensão, seja pala hipercolesterolemia. Há outros processos degenerativos neuronais que são também que são mais frequentes em idades avançadas, como o que ocorre no sistema extrapiramidal e que origina a doença de Parkinson.


Quando a invalidez se instala, manter a dignidade revela-se cada vez mais difícil, sobretudo quando se está, ou se é, doente. Fica-se exposto na sua intimidade: no banho; nas eliminações dos seus subprodutos da economia do corpo; na alimentação; na dor ... O ser velho transforma-se em não ser (animal), quando muito de novo um bebé. É claro que ninguém está habituado a dar um duche a um adulto,ou a ajudá-lo a ir à casa de banho , fora do contexto da profissão em saúde. Mesmo tratando-se do marido, do irmão ou da mãe, há sempre algo embaraçoso que se instala na relação. Mas é um facto que o perigo de soçobrar no pessimismo e no desespero diminui, quando o doente se sente bem tratado e rodeado.
A minha vizinha do rés-do chão esquerdo, era a única pessoa, fora da minha família e pequeno círculo de amigos, que estava dentro do meu segredo de ter um cancro. Um dia viu-me a rir com o meu irmão quando ia a entrar em casa. Ela lançou-me um olhar de gato-pingado, como quem diz: "mas como pode ela estar a rir se acaba de saber que tem um cancro no cérebro?" Aquele olhar causou-me arrepios. Disse para comigo: "se tiver de deixar de me rir por ter um cancro, então é porque já estou morta". E compreendi que nunca devia, mas mesmo nunca, perder a preciosa faculdade entre todas as outras de rir com a melhor das vontades. Mesmo quando somos atingidos por uma doença mortal, continuam a não faltar numerosas ocasiões para gracejar, recomendo vivamente que sejam bem aproveitadas.
Em medicina a normalidade não é mais do que uma média estatística e, também no envelhecimento, o normal deve ser encontrado dentro das fronteiras de uma certa variação individual que é reconhecida e aceite estatisticamente. Não se encontrou ainda uma fronteira nítida entre as perturbações cognitivas e comportamentais que são habituais no envelhecimento considerado fisiológico ou normal e as características clínicas que definem a entidade patológica: demência. A progressão na idade constitui pois um fator de risco para a acumulação de processos patológicos nos diversos compartimentos do organismo. Todo o ser vivo possui um relógio biológico, condicionado geneticamente, que programa o envelhecimento celular e determina o ciclo de vida característico da espécie. Tal como a fasquia dos recordes desportivos, que está sempre a subir, assim tem acontecido, mesmo quando se trata de ciência biológica, com a fasquia do limite para a nossa espécie. Não entrando nas previsões dos novos profetas da trans-humanização, digamos que é razoável dizer que o nosso relógio está programado para durarmos até aos 85 anos, assim como é razoável dizer, para a tartaruga da ilha Galápagos, 150 anos, ou para o elefante, 60 anos.

A esperança de vida é um conceito diferente, que corresponde ao número de anos que um determinado indivíduo pode esperar estatisticamente viver desde o nascimento. É a esperança média de vida que tem vindo a aumentar progressivamente no homem, graças aos melhores cuidados de higiene, às condições sociais de vida e à evolução da medicina.

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