sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

A esfera do caos: esta Terra



Existem evidências, não é apenas impressão nossa, que por exemplo um cavalo em certas situações, apresenta sinais inequívocos de nervosismo. Pessoas diferentes, olhando para o mesmo animal, apresentam um elevado grau de consenso nas suas apreciações quanto ao estado qualitativo do cavalo. Ora, pelo contrário, ainda não há um consenso muito alargado entre todos os cientistas, que aquele consenso acerca daquelas qualidades do animal, captadas por nós subjetivamente, possa ser aceite como fazendo parte do método científico. Esta posição ainda assenta nos critérios de um paradigma científico assente por sua vez apenas em métodos quantitativos, ou seja, atestados pela matemática. 

Esta introdução vem a propósito do aquecimento global, em que as pessoas quando se manifestam a favor da emergência climática, invocam a sua afirmação em factos e provas científicas. Agora já não há, de facto, nenhum cientista digno desse título, que seja negacionista acerca da emergência climática. Mas isso não era verdade ainda há muito pouco tempo. Há uma década atrás ainda havia disputas entre cientistas acerca desse consenso. Hoje já são muito poucos os cientistas que esbocem qualquer reserva de ceticismo acerca dos efeitos da atividade humana no aquecimento global. Portanto, terá de ser assumido pela comunidade científica mundial, que o paradigma científico daqui para a frente, para ficar completo, terá de incluir critérios qualitativos. E que os fantásticos progressos tecnológicos que o paradigma científico quantitativo proporcionou, também nos legou uma qualidade de vida em rápido declínio a nível mundial. 

De qualquer forma, o caos meteorológico já está instalado. Hoje, em função dos dados mais fiáveis de que dispomos, tudo indica que estamos, de facto, numa fase de transição. As coisas não funcionaram exatamente como se tinha previsto. Uma fração grande e crescente da população mundial vive ainda na fome e na miséria; a terra arável e os recursos naturais estão a ser destruídos a um ritmo crescente; a poluição da terra, do mar e do ar está a afetar toda a vida no planeta; a atmosfera está em algumas partes do planeta irrespirável, por via da queima de combustíveis fósseis; as espécies extinguem-se a um ritmo nunca visto desde o Pérmico e do fim do Cretácico. 

Apesar de um artigo publicado em 1974 na Revista Tellus, um artigo conjunto de James Lovelock e Lynn Margulis, que desenvolvia uma tese com o nome de “Hipótese Gaia”, a comunidade científica não lhes atribui qualquer credibilidade. E esse artigo foi desacreditado porque violava regras metodolígicas científicas fundamentais. Pelo menos dois princípios da ortodoxia científica: um deles colidia com aspetos da teoria evolucionista de Darwin; o outro colidia com os princípios do paradigma científico da física – em que o planeta Terra em si, um objeto cósmico que obedecia a um conjunto de processos cegos, mecânicos idênticos aos processos dos demais planetas – não lhe cabia qualquer atribuição de caráter vivo. 




James Lovelock, que ainda é vivo, tendo feito 100 anos em 26 de julho deste ano, já na década de 1960, quando trabalhava na NASA, em assuntos relacionados com a vida extraterrestre, teve a perceção que a composição da atmosfera da Terra se distinguia da atmosfera dos outros planetas. Escreveu então um artigo na revista científica Nature, defendendo que a vida não se limita a adaptar-se às condições inorgânicas que o planeta lhe oferece, mas que essas condições também eram alteradas pela própria vida a fim de perpetuar a sua persistência no planeta. Lynn Margulis, por seu lado, evidenciava nos seus trabalhos que os micróbios eram responsáveis pela alteração da composição da atmosfera da Terra. E James Lovelock intuiu que ela estava certa, e convergia com as suas perceções.

James Lovelock foi vigoroso na resposta às críticas dos seus colegas cientistas que o ridicularizaram pelas suas ideias, uma espécie de animismo, algo que é absolutamente proibido em ciência. Lovelock concordava com as teorias evolucionistas de Darwin na suas linhas fundamentais, mas continuava a reafirmar que a própria vida altera as condições da Terra, ao mesmo tempo que se adapta à mudança.


A nossa ciência insiste que o cosmos é feito de energia/matéria, e como tal é inanimada. Mas James Lovelock pergunta: "Então de onde vem a consciência que temos?". Numa primeira resposta, filósofos como Daniel Dennett e Patrícia Churchland disseram que a consciência era um epifenómeno, para não dizerem que não existia, embora mais tarde tenham revisto a sua posição numa teoria mais sofisticada. Desde Demócrito, reciclado depois por Galileu, que aprendemos a lição: não existe mais nada a não ser átomos e vazio. Este modo de encarar as coisas deu-nos asas para criar todo o tipo de tecnologia a fim de explorar a Terra até ao osso. Ainda falta o osso e, vá lá, o fundo dos oceanos.

A sensação, e claramente o pensamento, constituem o conteúdo primordial da nossa consciência. A resposta canónica da ciência à questão da consciência é que ela é uma "emergência", no sentido de propriedades emergentes de uma dinâmica complexa não-linear da matéria insensível a caminho de um outro nível de organização cósmica. É da realidade caótica de indivíduos como formigas, ou abelhas, em interação de umas com as outras que emerge o formigueiro, ou a colmeia. São sistemas dinâmicos qualitativos que hoje também se podem reproduzir em modelos de computador para criar inteligência, que neste caso é artificial na medida em que deriva de uma outra inteligência que é a nossa. Portanto, esta ordem inesperada surge de forma consistente em sistemas organizados dinamicamente deste modo.

O padrão é caótico no sentido de não haver um sentido preferencial. O caos é feito de um padrão complexo de componentes rítmicas, pelo que não é difícil supor que, quando as formigas interagem por estímulos, surge um ritmo preferido. Não existe aqui o milagre de extrair alguma coisa a partir de nada. A natureza é consistente, e assim que entendemos o que se está a passar, conseguimos explicar o fenómeno que ocorre do estado sólido da física no caminho em direção à vida, tal como é entendida pela biologia.

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