terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Equidade e Discriminação Positiva


Um problema que sempre pareceu afetar os sistemas jurídicos é o da divergência entre o espírito e a letra da lei. O ideal seria que esta divergência não existisse. Uma coisa que se deve esperar de um juiz é que tenha presente a intenção real que está por trás do articulado da lei, e não apenas a mera letra da lei. Quando é tido em conta esse aspeto, os juízes estão a praticar o princípio da equidade. O termo equidade deriva da ideia de direito natural. O que as doutrinas equitativas têm em vista é evitar julgamentos que sejam injustos. Lon L. Fuller (1902-1978), professor e precursor de Ronald Dworkin, contribuiu de modo decisivo para a criação da teoria do direito natural. Foi durante vários anos professor de Direito em Harvard. Da sua obra "A Moralidade do Direito", 1964, é uma antítese deliberada à grande obra de Hart, que a precedeu alguns anos, e que fazia uma abordagem positivista à teorização jurídica. Os sistemas jurídicos podem ser profundamente imorais e por isso sujeitos, de várias maneiras, a acusações de um ou outro tipo de falta de validade. Dworkin, aluno de Fuller e também de Hart, encarregou-se de o explicar. Dworkin é um dos mais influentes filósofos vivos do direito no mundo da língua inglesa, e ainda, depois de John Rawls, um dos mais importantes teóricos da justiça social.

John Rawls (1931-2002) , como filósofo político, é o filósofo mais citado atualmente pelos tribunais e figuras políticas nos países de língua inglesa, e não só. Rawls é famoso pela sua obra monumental: Teoria da Justiça, 1971. Faz reviver um relato contratualista da justiça política e económica, oposta ao utilitarismo que há muito prevalecia entre os filósofos de língua inglesa. O conceito metodológico de um "véu de ignorância" é o ponto essencial desta sua obra. Assim, os agentes cobertos pelo véu, vão estabelecer dois princípios básicos: o primeiro é o da prioridade da liberdade, em que os direitos básicos civis e políticos não podem ser trocados por conforto material; o segundo é o princípio da diferença, pelo qual as desigualdades das circunstâncias materiais apenas poderão ser toleradas desde que possam servir para benefício dos mais desfavorecidos. O contratualismo consiste em que a legítima autoridade do governo depende do consentimento dos governados. E assenta também numa teoria moral em que as normas éticas retiram o seu poder normativo de um hipotético contrato social, em vez da vontade divina ou de qualquer outra fonte. A sua teoria é, ainda hoje, o centro da defesa dos direitos humanos.
É de longa data a desigualdade de tratamento na área do trabalho. A igualdade de oportunidades não significa que todas as pessoas devem poder ter o emprego que quiserem independentemente das suas capacidades. O que a igualdade de oportunidades quer dizer é igualdade de oportunidades para todos os que possuem as capacidades e competências relevantes para desempenhar a tarefa em questão. A igualdade de oportunidades no trabalho é habitualmente defendida como um dos aspetos de um movimento mais vasto que começa no nascimento e acaba na educação. É preciso falar ainda nesta questão, uma vez que continua a existir, quer ao nível das etnias, quer ao nível dos géneros em algumas profissões. Mas quando discriminamos no bom sentido, predominando um género em detrimento do outro, estamos a fazer discriminação positiva.

A discriminação positiva favorece pessoas de grupos que tenham sido vítimas habituais de discriminação. É o caso, por exemplo, das mulheres em determinadas profissões. O objetivo de tratar as pessoas desta forma desigual é para acelerar o processo de tornar a sociedade mais igualitária, acabando com os desequilíbrios escandalosamente existentes em certas profissões. Em vez de se esperar que esta situação mude gradualmente de forma espontânea, deve-se atuar categoricamente, e discriminar favoravelmente a mulher, ou seja, positivamente, se uma mulher e um homem se candidatarem ao mesmo lugar e tiverem mais ou menos a mesma habilitação. Mas os igualitaristas militantes vão mais longe, argumentando em defesa desse procedimento, mesmo que a candidata mulher tenha um currículo inferior ao do homem. Deve ser escolhida a mulher desde que seja suficiente, ou competente quanto baste, para desempenhar as funções associadas ao lugar. Acrescentando que a discriminação positiva é apenas uma medida temporária, até que a percentagem de membros do grupo tradicionalmente excluído reflita mais ou menos a percentagem de membros deste grupo na população em geral. Em alguns países é ilegal; noutros é obrigatória.

Os críticos que se apresentam do outro lado da barricada da discriminação positiva, apresentam, contudo, argumentos muito significativos para justificar a sua posição. Críticos empedernidos à discriminação positiva argumentam que ela fomenta a injustiça, para além de constituir uma fraude em relação ao mérito e à competência. Além disso, muitas vezes conduz ao ressentimento, apesar de o objetivo da discriminação positiva ser criar uma sociedade na qual o acesso ao mercado de trabalho de certas profissões seja distribuído de forma mais justa. Não é apenas aquele que fica preterido apenas pela mera condição de género, que se ressente, mas também todo o grupo profissional do mesmo género, por mecanismo de solidariedade de género. Por conseguinte, a tendência para o ressentimento de género, procurando vingança, ainda que tal impulso seja gerado na esfera do inconsciente, estende-se a todo o grupo tanto mais quanto o empregador admite candidatas visivelmente incapazes de desempenhar as suas funções. A longo prazo, argumentam, isto pode destruir todo o movimento a favor da igualdade de acesso ao trabalho que a discriminação positiva procura atingir.

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