quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Epistemologias modernas e pós-modernas


Este tempo é um tempo de excelência para a ciência e a tecnologia, frutos de uma cultura envolvendo o universo experimental e matemático da pesquisa aplicada. Mas não têm faltado, no campo da filosofia, importantes críticos pedindo contas aos cientistas por terem estragado o planeta Terra, a nossa casa.Neste sentido, chamo aqui a epistemologia para uma reflexão profunda e crítica sobre o universo da ciência, uma vez que a ciência ocupa um lugar central e determinante para a sustentabilidade da vida neste planeta.  


A ciência é cúmplice da industrialização, na medida em que é a ciência que racionaliza o processo de produção. A ciência penetrando na indústria, é ela própria industrializada ("indústria cultural"). Cabe então aos epistemólogos questionar e problematizar o chamado “bom senso científico” em prol da nossa sobrevivência. Não se trata de deitar abaixo a ciência na sua dimensão social. Trata-se de mostrar que ela não constitui um mundo à parte, neutral, desinteressado. Todo o conhecimento é portador de interesses.

Epistemologia é a ciência da ciência. Ou se quisermos ser mais disciplinares, é a filosofia da ciência no campo da teoria do conhecimento. É consensual, entre os filósofos desta área, que o melhor que o conhecimento científico tem é ser provisório, jamais acabado ou definitivo. E não deixa de ser tributário de um pano de fundo ideológico, religioso, económico, político e histórico. Podemos considerar a epistemologia como o estudo metódico e reflexivo do saber.

No seio da comunidade científica, há muitos que estão convictos, ingenuamente, que o mundo é fundamentado independentemente das capacidades percetivas e cognitivas do agente. Os objetivistas puros chegam ao ponto de conceber o seu mundo como sendo o mesmo mundo, por exemplo, da águia ou do morcego. Ou então, se não pensam assim, acham que o mundo que conhecem é que é o mundo completo, ao passo que o mundo das águias é um mundo incompleto, pobre, imperfeito. À convicção de um tipo de realismo e de a possibilidade de a ciência conhecer o mundo tal qual é, independente do cientista, costuma chamar-se em epistemologia: objetivismo.

Mas há uma posição filosófica (epistemológica), partilhada por várias correntes tanto anglo-saxónicas como continentais, que defende que qualquer tipo de conhecimento, científico ou não, não pode ter fundações estáveis. Estes, apesar de não pensarem como os objetivistas, não são contra o objetivismo, porque a raiz do seu pensamento não contempla a dicotomia “objetivo/subjetivo”. Os objetivistas mais confusos, classificam estes últimos de pós-modernos. Pondo de lado guerras que não dizem respeito a ensaios deste tipo, há de facto um pós-modernismo que se extrema num certo tipo de niilismo e relativismo epistemológico.

Uma corrente que tem merecido mais atenção é aquela que questiona se nosso conhecimento tem fundações estáveis. É aquela corrente que incorpora no “fazer ciência” o aspeto experiencial vivido pelo cientista na sua experiência de vida quotidiana. Muitos o negligenciam, mas deve-se questionar se não haverá aqui uma certa desonestidade intelectual. Serve para a nossa sobrevivência, mas não serve para fazer ciência? Ora, tudo indica que o conhecimento está implicado numa circularidade que envolve o mundo, o conhecedor e o conhecer no mesmo movimento.

Uns pensam que como o mundo é real, o conhecedor até pode ser falível, mas há que confiar na ciência para conhecê-lo: estes são os objetivistas realistas. Outros pensam que é o conhecedor que decide da verdade, porque nunca podemos saber como é o mundo: estes são os subjetivistas idealistas. E ainda há aqueles que se definem pela negação: niilismo relativista. Pese embora a ironia, dizem estar nos antípodas dos objetivistas, mas não deixam de ser filhos do objetivismo. E por fim há os que pensam numa modalidade intermédia: um “entre-dois” dinâmico e dialético.

O período da explosão da ciência moderna não passa de mais um pontinho entre muitos outros pontinhos também brilhantes desse movimento pendular da História. Se conseguíssemos estudar um pouco melhor os escritos antigos chineses, e sem o habitual chauvinismo, vislumbraríamos que na antiga China também havia um raciocínio apuradamente lógico-formal. Oriente e Ocidente, o nome que damos a duas civilizações distintas, mas que puderam inferir o que chamamos de lógica formal e, no entanto, os seus destinos foram completamente diferentes.

A ciência tradicional chinesa (no seu tempo antigo há +/- 3000 anos) baseou-se num sistema formal tão eficiente quanto a do ocidente (no seu tempo moderno há +/- 400 anos). Ambas permitiram as variedades de místico e de mágico tanto quanto era possível imaginar. O desenvolvimento e a complexidade dos métodos lógicos na China antiga seriam dignos de uma análise mais profunda. Não se pode ignorar que a civilização chinesa atingiu patamares elevados em todos os campos. O pensamento chinês permite-nos ver falhas no nosso sistema lógico, tivéssemos flexibilidade para o reconhecer.

É claro que é com narrativas (ocidentais ou orientais), mais ou menos etnocêntricas, que construímos mundos. Em todo o caso, já podíamos estar melhor elucidados acerca do fenómeno pendular da História, e do “quem influencia quem”, pelo menos desde o tempo dos pré-socráticos, se nos tivéssemos colocado num ponto em que pudéssemos avistar a linha do horizonte mais por largo.

Se aprendermos progressivamente a abandonar esta tendência de apego etnocêntrico, podemos começar a estimar que as narrativas não só não são puras como não têm um ponto fixo absoluto. O que aconteceu nos tempos áureos do Ocidente, não poderia ter sido de outra maneira, foi a imposição dos seus pontos de vista. O pêndulo estava no lado ocidental. Agora, o pêndulo já se encontra outra vez no Oriente, é a vida… Este é o movimento pendular da história, do eterno retorno entre Oriente e Ocidente; entre Ocidente e Oriente.


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