quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

A desobediência civil ao abrigo da emergência climática



Quem não admite a desobediência civil interroga-se se poderá alguma vez a violação da lei ser moralmente aceitável. Algumas pessoas argumentam que a violação da lei num Estado de Direito Democrático nunca pode justificar-se. Se não estamos satisfeitos com a lei devemos tentar mudá-la através dos meios legais eleitorais, ou através da redação de petições dirigidas à Assembleia da República. Uma das críticas à desobediência civil é não respeitar a democracia nem o Estado de Direito. É claro, presumindo que a desobediência civil tem lugar apenas nas democracias, pois nos estados não-democráticos seriam rapidamente reprimidas com o emprego da força armada. Assim, a desobediência civil é uma técnica para que a maioria ou os seus representantes reconsiderem a sua posição sobre um tema específico e não uma forma não democrática de mudar a lei ou a política.

Atualmente as ações mais significativas em prol da declaração de estado de emergência climática, têm sido desenvolvidas por ativistas e várias organizações não governamentais, uma vez que até agora a atuação das instituições políticas, sobretudo aquelas que tê ocupado o arco do poder, pouco tem mostrado além da retórica. Os pontos de ataque ao problema são muito vastos, mas os ativistas já serenavam os ânimos se vissem medidas e legislação concreta que acabasse com a utilização dos combustíveis fósseis na economia. O estado de emergência climática reconhece a extrema gravidade da ameaça representada pelo aquecimento global provocado pelas emissões de carbono, em que os combustíveis fósseis constituem uma grande fatia entre as várias fontes de emissão. Portanto, o que é urgente é pressionar os governos para que tomem consciência sobre a situação de crise ambiental. Ora, toda a atividade económica mundial rege-se por uma panóplia de leis que em certos casos são supranacionais. Daí que a pressão que será preciso fazer para ser efetiva, acabará por esbarrar em muitas disposições legais que os Estados de Direito não permitirão que sejam violadas.

Na História, a desobediência civil trouxe mudanças importantes no ordenamento jurídico dos direitos humanos e não só. Um exemplo famoso é o movimento das sufragistas britânicas. Conseguiram fazer-se ouvir na sua campanha de desobediência civil que incluiu o auto-acorrentamento das manifestantes. A emancipação limitada foi finalmente alcançada em 1918, quando foi permitido o voto às mulheres com mais de trinta anos. As mulheres estavam impedidas de participar em eleições supostamente democráticas. Mahatma Gandi e Martin Luther King foram ambos defensores apaixonados da desobediência civil.

Um aspeto importante a realçar na desobediência civil é o seu caráter pacífico. Os protestos podem ser ilegais, mas não são em princípio violentos, embora os seus promotores nem sempre consigam evitar outros aproveitamentos cujo desfecho é a violência. Gandi influenciou decisivamente a independência indiana sem violência. Através de métodos análogos Martin Luther King ajudou a garantir direitos civis básicos para os negros americanos.

Portanto, a desobediência civil corresponde a uma tradição concebida para chamar a atenção dos políticos que as suas políticas ou são injustas ou são erradas, ao prejudicar em primeiro lugar as populações mais desfavorecidas. As primeiras pessoas que vão sofrer com os efeitos do aquecimento global são as populações ribeirinhas, que também são tradicionalmente as mais pobres. O objetivo da desobediência civil é, em última análise, mudar leis e políticas particularmente injustas, e não arruinar o Estado de Direito.

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