quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Pós-verdade. Negacionismo. Testemunho bíblico


No cenário da pós-verdade - no contexto do Brexit, das eleições presidenciais dos EUA, ou do negacionismo climático, qualquer versão, que confirme aquilo que se quer ouvir, serve. A evidência científica é preterida. Mais apropriado seria dizer, portanto, que a pós-verdade subordina os factos à preferência de cada um. É nestas circunstâncias que os factos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as crenças pessoais. 

São os efeitos perversos das notícias falsas (fake news) na sociedade que convém a todos aqueles que tiram partido delas como forma de supremacia ideológica. Ora, para combater a pós-verdade, é preciso entender a sua origem, que como tudo, nunca tem uma só causa: pós-modernismo; viés cognitivo na descrença da ciência, que nos EUA foi delineada por uma agenda político-religiosa com o criacionismo a fazer o trabalho sujo na guerra ao darwinismo; crise da comunicação social tradicional; a explosão descontrolado das novas redes sociais ancoradas na internet. 
Para a comunidade filosófica, o pós-modernismo, uma definição difusa das teorias da verdade: "não há verdade objetiva e qualquer declaração de verdade é meramente um jogo no seio da linguagem". O viés cognitivo na descrença da ciência foi fomentado por interesses económicos baseados no caráter falível da ciência, a segundo a qual determinado resultado científico não é certo e que, então, há pelo menos dois lados com igual peso sobre determinado tema. Essas estratégias foram utilizadas pela indústria do tabaco e, de forma exemplar, na negação do aquecimento global antropogénico.

Quanto à deriva criacionista, cuja fé assenta na verdade bíblica, John Barton (em "A History of the Bible: The Book and its Faiths", Penguin, 2019, 640 pp) tem algumas ideias acerca de como os cristãos em particular podem recalibrar a sua relação com a Bíblia de maneira a tratá-la como “um documento crucial mas não infalível da fé cristã” . Se é difícil considerar a presença na Escritura de algo falso, em qualquer sentido da palavra, ao mesmo tempo que se acredita que a Escritura foi inspirada por Deus, então “talvez seja melhor não fazer a afirmação elevada de que foi inspirada — ou, pelo menos, talvez seja melhor entender a inspiração de maneira diferente”. A primeira opção pode parecer mais chocante aos crentes (aos descrentes a questão não se põe); mas a segunda é mais difícil. Dado o ónus da expectativa posta na Bíblia como fonte da verdade revelada, é impossível imaginar que se chegue a um novo conceito de inspiração que não constitua, inevitavelmente, apenas mais uma leitura forçada do texto: uma maneira de reter o seu significado divino ao mesmo tempo que se evita os elementos “indesejáveis”, ainda que estes pudessem ser objeto de consenso universal. A única resposta poderá ser abandoná-la: tratar esta imensa e decrépita antologia polifónica como qualquer outro texto antigo, deixá-la falar-nos tal como está sem tentar controlar a conversa e (se necessário) aceitar que qualquer plano divino digno desse nome nos seria em qualquer caso inacessível.

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