sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O que fará a diferença entre países, para uns serem ricos e outros pobres?




Será que os europeus foram de algum modo superiores? É verdade que a Europa Ocidental e a América do Norte têm sido há séculos as regiões mais ricas do mundo. Daí pensar-se que talvez tenha sido a superioridade do legado europeu a razão da prosperidade do Estados Unidos. Mas essa ideia não colhe, por exemplo, na Argentina ou no Uruguai, que apesar de a população ser maioritariamente descendente de europeus, em comparação proporcional com o Canadá e os Estados Unidos, é maior, mas o desempenho económico na América do Sul deixa não tem comparação. O Japão e Singapura nunca tiveram mais que uma minoria de descendentes de europeus entre os seus habitantes, e, no entanto, são mais abastados que muitas áreas da Europa Ocidental.

E agora temos a China, apesar das suas contradições políticas, tem sido o país de crescimento mais rápido nas três últimas décadas. A pobreza na China, até à morte de Mao, nada tinha a ver com a cultura chinesa. O modo como Mao organizou a economia, e conduziu a política nacional e internacional, foi um desastre.  Na década de 1950 o “Grande Salto” acarretou fome e morte em massa. Nos anos 1960 implementou a Revolução Cultural, que levou à perseguição maciça de intelectuais e eruditos, com um enorme desperdício de talentos e recursos da sociedade. Qualquer um, cuja fidelidade ao partido pudesse ser posta em dúvida, corria perigo de vida. Da mesma forma, o atual crescimento chinês nada tem a ver com os valores ou mudanças na cultura local; é fruto de um processo de transformação económica deflagrado pelas reformas implementadas por Deng Xiaoping e seus aliados – que, após a morte de Mao Tsé-Tung, foram pouco a pouco abandonando as instituições e políticas económicas maoistas, primeiro na agricultura e depois na indústria.

Há, evidentemente, diferentes crenças, valores e atitudes culturais entre a América do Norte e a América do Sul. Mas tais disparidades são consequência mais pelas diferentes instituições e opções políticas que para lá foram levadas pelos colonizadores, do que propriamente devido a fatores de raiz cultural que diferiam entre anglo-saxónicos e latinos. Por exemplo, Argentina e Chile são mais ricos que Peru e Bolívia. Mas isso também não é explicado pela cultura indígena, porque tanto a Argentina como o Chile tinham uma população nativa relativamente pequena, se comparada com a do Peru e da Bolívia. Colômbia, Equador e Peru têm níveis de PIB per capita similares, mas a Colômbia hoje apresenta muito poucos indígenas, ao contrário do Equador e Peru. Por fim, as atitudes culturais, em geral de modificação lenta, dificilmente responderão por si pelos milagres do crescimento na China e em geral por todo o Leste Asiático. Por mais persistentes que sejam as instituições, em determinadas circunstâncias podem transformar-se rapidamente.

Max Weber [1864-1920], intelectual alemão, defendeu que a Reforma Protestante e a ética protestante dela decorrente desempenharam um papel central na facilitação da ascensão da moderna sociedade industrial na Europa Ocidental. É claro que a religião é apenas uma parte da cultura de um povo. Mas será que o protestantismo ao catolicismo foi assim tão útil à superioridade económica dos países protestantes em relação aos países católicos?

Diz-se que no México os cidadãos confiam menos nos outros cidadãos, do que nos Estados Unidos. E pode não ser surpreende, ao sabermos da dificuldade que o governo mexicano tem para eliminar os cartéis da droga, ou assegurar um sistema jurídico imparcial. O mesmo vale para as Coreias do Norte e do Sul. O Sul é um dos países mais ricos do mundo, ao passo que o Norte enfrenta fomes periódicas e uma pobreza inadmissível. Embora hoje a cultura política dos dois países seja muito distinta, a península coreana tem uma longa história de um povo comum. Até à Guerra da Coreia que levou à divisão pelo paralelo 38, As duas Coreias apresentavam uma grande homogeneidade em termos de idioma, etnicidade e cultura. 

Historicamente, a África subsaariana sempre foi mais pobre do que a maior parte do resto do mundo. No entanto, no Neolítico, também teve civilizações idênticas a muitas outras, como, por exemplo, a invenção da roda e do arado. Porque terá sido que tais invenções, apesar disso, nunca tenham tido uma utilização tão ampla como as outras antes da entrada em cena da colonização formal europeia? Os europeus começaram a circum-navegar a costa ocidental de África no final do século XV, mas os asiáticos já tinham chegado à África Oriental há muito mais tempo.

Os portugueses estabeleceram intensas relações com o Congo depois de Diogo Cão ter lá chegado em 1483. Na época, o Congo era um reino altamente centralizado pelos padrões africanos, cuja capital, Mbanza, contava com uma população de 60 mil habitantes, o que a tornava mais ou menos do mesmo tamanho de Lisboa, e maior do que Londres, com uma população de cerca de 50 mil habitantes em 1500. O rei do Congo, Nzinga a Nkuwu, converteu-se ao catolicismo e mudou de nome para João I. Mais tarde, o nome de Mbanza seria mudado para São Salvador. Só depois dos portugueses é que o arado foi aí utilizado por missões agrícolas levadas a cabo em 1491 e 1512. Contudo, todas essas iniciativas fracassaram. E não obstante, os congolenses estavam longe de ser avessos às modernas tecnologias em geral. Como se pode ver no Quadro acima, em que mostra o PIB per capita de alguns países - os primeiros dez; dez do meio, onde está colocado Portugal; e os últimos dez - a República Democrática do Congo e a República Centro-Africana, que se distribuem sensivelmente pelo território do Congo do tempo de Diogo Cão, são os últimos da tabela. E não é por o território ser assim tão pobre em riquezas naturais.

Foi no manejo das armas de fogo, utilizando a pólvora, que os congoleses se evidenciaram expeditos na captura de escravos. Na época do tráfico de escravos capturados na África ocidental e levados para o Novo Mundo, do outro lao do Atlântico, o mercado de escravos foi muito proveitoso para as elites congolesas. Podemos correr o risco de ser politicamente incorretos, mas não há nenhum indício de que a cultura ou os valores africanos de alguma maneira concorressem para impedir a adoção das mesmas tecnologias e práticas que há muito se utilizavam noutras latitudes. À medida que se estreitavam os seus laços com os europeus, seria de esperar que os congolenses adotassem as mesmas práticas, desde a arquitetura habitacional até à escrita. No século XIX, não poucas sociedades africanas tiraram proveito também das crescentes oportunidades económicas engendradas pela Revolução Industrial, mudando os seus padrões de produção. E, efetivamente, na África Ocidental verificou-se um rápido crescimento económico com base na exportação de óleo de palma e amendoim; em todo o sul do continente, os africanos desenvolveram produtos a serem exportados para as áreas industriais e de mineração em acelerada expansão na África do Sul. Contudo, esses promissores empreendimentos foram obliterados, não pela cultura africana nem pela incapacidade dos africanos comuns de tomar iniciativas em prol de seus próprios interesses, mas pela elite comprometida com as elites europeias no tempo do colonialismo. E mais tarde, após a independência, pelos próprios governos africanos. 

Há autores que defendem que a verdadeira razão, por que os congolenses não adotaram uma tecnologia superior, se deve ao facto de lhes terem faltado incentivos para tanto. Enfrentavam elevado risco de expropriação e tributação da sua produção pelo monarca europeu todo-poderoso, independentemente de se terem convertido ao catolicismo ou não. Com efeito, a insegurança imperava, não só no que dizia respeito à propriedade, mas a uma coisa ainda mais básica: a continuidade da sua própria existência. À grande maioria dos congoleses o destino reservava-lhes a captura para depois serem vendidos como escravos. Ora, tal condição, dificilmente serviria de estímulo para investimentos que aumentassem a produtividade a longo prazo. Tampouco as elites locais dispunham de incentivo para agarrarem o arado e lavrarem a terra em larga escala para aumentarem a produtividade agrícola. A prioridade estava na exportação de escravos, que era muito mais rentável. A possibilidade de serem capturados, e vendidos como escravos, sem dúvida exerceu alguma influência sobre o grau de confiança dos africanos entre si ao longo do tempo. Talvez se possa afirmar que, hoje, há uma grande desconfiança entre os africanos, não confiando nos povos de outras partes do mundo, e muito menos uns nos outros. A tal facto não estarão isentas de culpa instituições que perverteram direitos humanos e direitos de propriedade em África. 

No Médio Oriente, o curso dos acontecimentos históricos deveu-se mais a circunstâncias geopolíticas internacionais, do que propriamente a circunstâncias especiais da sua cultura árabe/muçulmana. Na realidade, os países que não produzem petróleo são muito pobres. Os produtores de petróleo são mais ricos, mas esse golpe de sorte pouco contribuiu para a instalação de economias modernas e diversificadas na Arábia Saudita ou no Kuwait. 
Naquelas partes do Médio Oriente que escaparam temporariamente ao jugo do Império Otomano, e das potências europeias: como o Egito entre 1805 e 1848, sob Muhammad Ali, mostraram-se capazes de enveredar por um caminho de acelerado crescimento. Muhammad Ali usurpou o poder logo após a retirada das forças francesas que haviam ocupado o país sob o comando de Napoleão Bonaparte. Aproveitando-se da tibieza do controlo exercido pelos otomanos sobre o território egípcio na época, logrou fundar a sua própria dinastia, que, de uma forma ou de outra, governaria o país até à revolução encabeçada por Nasser, em 1952. As reformas de Muhammad Ali, embora tenham sido impostas por coerção, promoveram o crescimento do país à medida que a burocracia estatal, o exército e o sistema de arrecadação fiscal foram modernizados, gerando crescimento na agricultura e na indústria. Não obstante, tal processo de modernização e crescimento chegou ao fim com a morte de Ali, quando o Egito voltou a cair sob influência europeia. 

Muita gente é tentada a imputar esses factos à influência da religião islâmica. Mas por mais plausível que seja, esse argumento não está correto. Sim, países como a Síria e o Egito são pobres, e as suas populações basicamente professam o Islão. Contudo, apresentam outras peculiaridades bem mais significativas para efeitos de prosperidade. Em primeiro lugar, todos foram províncias do Império Otomano, o que afetou intensa e adversamente o modo como se desenvolveram. Após o colapso do domínio otomano, o Médio Oriente foi absorvido pelos impérios coloniais inglês e francês, que continuaram tolhendo as suas possibilidades. Após a independência, a exemplo de boa parte do antigo mundo colonial, desenvolveram regimes políticos hierárquicos e autoritários, de que faziam parte poucas das instituições políticas e económicas que são cruciais para a geração de prosperidade económica. Essa trajetória de desenvolvimento foi moldada, em grande parte, pela história de subjugação ao domínio dos Otomanos, e, depois, ao domínio dos Europeus. A relação entre religião islâmica e pobreza, no Médio Oriente, é apenas circunstancial, e não estrutural. Tudo indica que há outros fatores culturais que têm mais influência na prosperidade dos povos do que propriamente a religião de forma independente. Quem sabe se não terá sido a influência da cultura inglesa, nuns casos, da cultura espanhola e portuguesa noutros casos, mais determinantes? Mas, por mais sedutora que essa ideia possa parecer à primeira vista, também não funciona. Sim, Canadá e Estados Unidos foram colónias britânicas, mas Serra Leoa e Nigéria, também. As variações de prosperidade entre as ex-colónias inglesas são tão grandes quanto entre os demais países do mundo. O legado britânico não é a causa do enriquecimento da América do Norte.

Em que estado fica a ética protestante de Max Weber? O que fica é que países predominantemente protestantes, como a Holanda e a Inglaterra, foram os primeiros grandes sucessos económicos da Era Moderna. Mas a verdade é que há pouca ligação entre religião e prosperidade económica. A França, país predominantemente católico, rapidamente reproduziu o desempenho económico dos holandeses e ingleses no século XIX, e a Itália também prosperou. E olhando mais para o Oriente, nenhum dos sucessos económicos recentes do Leste Asiático guarda qualquer relação com a religião cristã. Por conseguinte, tampouco aí a tese de uma conexão especial entre o protestantismo e o êxito económico encontra grande respaldo.

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