quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Povo Nuer




Os Nuers são um povo étnico concentrado no sul do Sudão e na região etíope de Gambella. Eles falam a língua Nuer, que pertence à família das línguas Nilóticas (de povos que tradicionalmente praticam a criação de gado). Séculos de isolamento, e influência dos Luo, tornou-os distintos do grupo étnico dos Dinka. A chegada dos árabes de Bagarra e os ataques subsequentes no final do século XVIII, fizeram com que os Nuer migrassem para o que agora é Bentiu. Por volta de 1850, outros ataques fizeram com que eles migrassem ainda mais para fora de Bentiu e para o oeste, para as franjas ocidentais da Etiópia, deslocando e absorvendo muitos Dinka, Anyuak e Burun no processo.

As sociedades tribais, como os Nueres, colocam um desafio à ciência política. Seja àquela ciência inspirada na escolha racional; seja na ciência que acredita que boa parte dos comportamentos no interior desses grupos assenta em normas complexas da sociedade, e não na escolha individual. É muito difícil perceber como é que se chega à organização social dos Nueres: ou através das escolhas individuais maximizadoras dos membros da sociedade; ou, em oposição, assente na organização social que passa pelas crenças religiosas, que em muitos casos essas crenças estão alicerçadas no culto dos antepassados.

A tradição sociológica considera que a ordem emerge de normas morais, coercivas ou autoritárias. Ao passo que a perspetiva da teoria da escolha racional, atribui o comportamento ao individualismo radical. Muitas das escolhas efetuadas por famílias Nueres, ou por segmentos inteiros, ao lidarem umas com as outras, refletem cálculos racionais de interesse próprio, geralmente relacionados com a maximização dos recursos pecuários. A resolução das disputas entre grupos pode ser inserida em modelos construídos à base de premissas individualistas; as instituições Nueres podem ser consideradas meios eficientes de resolução de problemas, que as podemos analisar à luz da teoria dos jogos. A perspetiva demasiado sociológica, ao afirmar a primazia da sociedade, oferece-nos poucas razões para nos interrogarmos se é possível que o comportamento organizado seja construído a partir de decisões individuais. Mas a postura intelectual demasiado sociológica é pouco encorajadora para quem deseje examinar a relação entre escolha individual e comportamento coletivo.  

As sociedades tribais pastoris e não agrícolas, como a do povo Nuer, como percorrem um território muito vasto com os seus rebanhos, compreende-se que não tenham o hábito de enterrar os seus antepassados em túmulos eternos, como acontece nas sociedades agrícolas. E a questão do culto dos antepassados é determinante no tipo de religião, e também de organização política. Os direitos a uma porção de terra particular não se colocam com a mesma acuidade que se coloca nas sociedades agrícolas. O facto de os direitos da terra não serem inteiramente privados nos Nueres
não implicou a inevitabilidade de os terrenos das pastagens serem exauridos, como aconteceu em Inglaterra num tempo que serviu de suporte à teoria da “tragédia dos comuns”.

A incompreensão por parte dos ocidentais da natureza dos direitos consuetudinários de propriedade, com a sua inserção em grupos de parentesco, está em certa medida na raiz de muitas das atuais disfunções de África. Os funcionários coloniais europeus estavam convencidos de que o desenvolvimento económico seria impossível na ausência de direitos de propriedade modernos, ou seja, direitos individuais, alienáveis e formalmente especificados através do sistema legal. Muitos estavam convencidos de que os africanos, entregues a si próprios, não saberiam utilizar a terra de forma eficiente ou sustentável. Os europeus presumiam que os chefes locais podiam dispor dos terrenos da respetiva tribo, como acontecia na Europa no tempo dos senhores feudais. Assim, os colonos europeus foram tentados em transformar os chefes das tribos nos seus agentes, não apenas para lhes adquirirem os terrenos, mas também utilizando esses chefes como os seus braços da administração colonial.

O que os colonos europeus não sabiam era que os líderes, nas sociedades tribais tradicionais africanas, tinham a sua autoridade severamente limitada pelos pesos e contrapesos impostos pelos complexos sistemas de parentesco. Assim, o que os europeus fizeram foi perverter deliberadamente o poder de uma classe de Grandes Homens africanos, de modo a tiranizar os restantes membros da tribo de uma forma completamente contrária à tradição. E isso foi feito através da sedução por um sistema moderno de direitos de propriedade. Ora, este sistema é propício ao estímulo da ganância. E foi assim que o sistema europeu contribuiu para a ascensão de governantes sem escrúpulos, a seguir à independência da maioria dos países africanos.




O parentesco é o pilar mais importante nas instituições do povo Nuer. As obrigações de parentesco incluem cuidar dos filhos de parentes e vizinhos. A rede de laços de parentesco que une os membros das comunidades locais é produzida por regas exogâmicas em que muitas vezes o gado entra nessas operações familiares. A educação das crianças não é da exclusiva responsabilidade dos pais. E o gado entra aqui como necessidade de dar leite para alimentar as crianças. O gado é valor cultural enquanto produtor de leite, e não como produtor de carne. Neste aspeto, o seu valor é residual, ou seja, a carne tem importância para os rituais culturais, e não importância económica. É pela quantidade de leite que o gado pode produzir, que satisfaz as necessidades da tribo. O excesso de leite é transformado em queijo. 

Mas se o rebanho de uma família não consegue produzir a quantidade de leite de que essa família precisa, então essa família pode recorrer ao auxílio de uma família vizinha mais abonada. É visto como  responsabilidade dos vizinhos intervir e ajudar essa família, uma vez que não depende de si o que o gado pode produzir. Quando uma família tem um excedente, ele é compartilhado com os vizinhos. Acumular riqueza não é um objetivo. Embora um homem que possui um grande rebanho de gado possa ser invejado, a posse de numerosos animais não lhe garante nenhum privilégio ou tratamento especial. Não há tratamento especial por causa da riqueza do seu gado. Só porque um pode ter mais gado do que outro não significa que tenha de ter um prestígio maior. Se alguém pode ter mais do que o suficiente para se sustentar, então também pode fornecer outros parentes que estão em necessidade. As regas do parentesco assim o obrigam. 
 
O gado é assim, para os Nuer, o bem do mais alto valor não apenas económico, mas também simbólico no que concerne à estruturação da sua religião. O gado é particularmente importante nos casamentos, em que compete à linhagem do noivo dar como dote à linhagem da noiva. Essa oferta de gado garante que os filhos masculinos do casal sejam considerados como pertença da linhagem do noivo. A clássica instituição Nuer do fantasma do antepassado interferir no casamento, é que um homem do passado pode "gerar" filhos após a sua morte. E é nisso que é baseada a regra de parentesco, troca de gado por descendência. O gado é entregue à linhagem paterna da noiva, para que depois nessa linhagem o mesmo procedimento possa ser feito quando se tratar de casar os noivos dessa família. Portanto, nesta sociedade é o sistema patrilinear que impera. Permite que os filhos homens dessa linhagem se casem e, assim, asseguram a continuidade da sua patrilinhagem

Devido ao clima rigoroso da estação, os Nuer mudam de lugar para garantir o sustento da família. Quando as chuvas fortes chegam, para proteger o gado das doenças dos cascos, e quando os recursos para o gado são escassos, então é tempo de encetar a viagem para outro lugar mais favorável. Como já foi dito, o gado é o fio condutor que percorre as instituições Nuer: língua, ritos e passagem, política, economia e fidelidade. Todas as suas matérias-primas vêm do gado, incluindo tambores, tapetes, roupas, lanças, escudos, recipientes e artigos de couro. Até mesmo as coisas mais triviais, mas tidas como essenciais para a vida diária, como é o caso da pasta de dentes, até este bem precioso é produzido a partir do esterco e da urina do gado.

No tempo atual, existem diferentes relatos sobre a origem do conflito entre os Nuer e os Dinka, os dois maiores grupos étnicos do Sudão do Sul. Exército Branco Nuer - é um nome não oficial para uma organização militarizada formada pelo povo Nuer do centro e leste do Grande Nilo Superior no atual Sudão do Sul desde 1991. Tem como propósito defender os rebanhos bovinos, do povo Nuer, dos grupos vizinhos. O Exército Branco Nuer foi assim chamado devido à prática de manchar a pele com uma cinza de cor clara como uma proteção contra picadas de insetos. Isto de acordo com um relatório da Small Arms Survey, publicado em junho de 2007, porque outras fontes afirmam que o nome foi apenas destinado a estabelecer uma distinção entre a milícia Nuer e as Forças Armadas do Sudão.

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