segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Uma tatuagem no meio das costas


Uma comunidade de primatas evoluídos instalara-se no sítio do que fora Lanzarote. Esta zona do Atlântico Norte experimentara um destino geológico atormentado. Depois de ter sido inteiramente tragada, a ilha voltara a emergir por efeito de novas erupções vulcânicas. Tornara-se uma península no tempo da Grande Seca, ligada à costa africana. A comunidade instalada na zona não era constituída por selvagens. 




Relativamente ao nosso próprio corpo, nunca o podemos observar todo, claro está, à nossa observação direta. Ao passo que um corpo alheio podemos. Há partes do nosso corpo que se furtam à nossa visão direta. Se pensarmos que durante muitos milhares de anos antes de nós a humanidade viveu privada do simples recurso de um espelho, já para não falar da fotografia, para conhecer o seu próprio rosto, podemos avaliar o que representa “alguém nos ver pelas costas”. Ou deixar a alguém mexer-nos nas costas, como por exemplo, fazer-nos uma tatuagem obscena como as que vemos na foto: "uma grande cagada; e um caralho de asas".

A questão do espelho e da fotografia é interessante, porque é a fotografia que nos pode dar a exata forma como os outros veem o nosso rosto, e não o espelho. O primeiro autorretrato que Rembrandt realizou de si a olhar para o espelho, só no fim é que reparou que se tinha representado a pintar com a mão esquerda, quando na verdade foi com a mão direita que ele executou o trabalho. Rembrandt não era esquerdino. Ainda que esta história possa ser apócrifa, serve para elucidar quantos de nós nunca pensaram neste pormenor, de que o espelho engana.

Os laboratórios, dirigidos pelo Homem Grande, tanto do setor público como do setor privado, não respeitavam o nec plus ultra da tecnologia. O aspeto inovador era precisamente criar ambiguidades sexuais nas pessoas, ao ponto de não respeitarem o antigo tabu do macho e fêmea.. Havia um largo consenso para um apoio sem reserva aos valores hedonistas dominantes. 

Embora eu, como pessoa, transcenda o corpo que me identifica, a verdade é que é estranho quando alguém diz que cada ser humano habita o seu próprio corpo. É como se parecesse que o corpo é algo alheio, ou exterior à sua própria pessoa humana.

Não faria sentido cada pessoa falar de si sem incluir nessa equação o seu corpo. Não poderíamos ser o que somos, ainda que o cérebro fosse o mesmo, se tivéssemos um tipo de corpo diferente, como, por exemplo, um corpo de golfinho. Isto significa que os aspetos anátomo-fisiológicos do corpo se inserem na estrutura global da pessoa, sem a qual não existiria um sentido de identidade humana. 

Esta velha questão do "corpo & alma", de sabermos se temos livre-arbítrio, e por aí fora, apesar da força determinística das partículas e da energia, não terá solução enquanto for colocada dessa maneira. É uma ideia que Descartes ainda lhe deu mais gás para ainda hoje se continuar a a ver a relação entre a mente e o corpo como se de duas entidades autónomas se tratasse, sendo a mente a influenciar o corpo, com se o corpo fosse apenas uma mera máquina. É errado colocar o fenómeno das emoções que condicionam o nosso comportamento numa relação dualista, em que uma parte age sobre a outra. A parte psíquica a comandar a parte física. Ora, psíquico e físico não são ontologicamente distintos. 

As emoções são uma série de modificações que percorrem o corpo sem as quais não haveria comportamento. De um ponto de vista fenomenológico o físico e o psíquico estão entrelaçados num só fenómeno, não tendo cabimento qualquer tipo de condicionamento causal. O sentir uma emoção, e exprimi-la no corpo, fazem parte do mesmo acontecimento comportamental. As emoções são impressões que passam pelo corpo. E os estados mentais são construções no cérebro dessas impressões que têm por base acontecimentos no corpo aos quais chamamos comportamento. Os estados mentais e estados cerebrais não são aspetos distintos de um certo acontecimento que envolve o corpo na ação. Mas não se trata de colocar aqui qualquer sentido de causalidade. No "problema da relação mente-corpo" não tem cabimento nessa relação o conceito de causa e efeito. É apenas um só estado de natureza com dos aspetos fenomenológicos: o aspeto físico; e o aspeto psíquico.


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