quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Orchestral Manoeuvres in the White House



Em 2020 ainda há um consenso maioritário, no concerto das nações, quanto à Democracia ser o melhor regime político até à data inventado. E é o único regime político suscetível de ser destruído por dentro. Nunca como desde o 11 de setembro de 2001, a cultura política norte-americana havia sido tão ameaçada por dentro. Na sua génese a experiência norte-americana combinou, no final do século XVIII, os ingredientes necessários e suficientes que marcaram duradouramente o nosso entendimento contemporâneo do que é uma sociedade democrática. 

Nunca a influência americana no mundo esteve tão declinante. Quanto ao papel do uso das Forças Armadas no âmbito da política externa, após o 11 de setembro de 2001 foram introduzidos novos conceitos estratégicos, como a doutrina da guerra preventiva que acabou por levar à desastrosa invasão do Iraque em 2003.

No livro que lançaria a sua corrida à presidência dos Estados Unidos, Barack Obama, em matéria de relações internacionais, escreveu o seguinte:
"Umas vezes, a política externa americana tem uma visão estratégica, conseguindo servir ao mesmo tempo os nossos interesses nacionais, os nossos ideais e os interesses de outras nações. Outras vezes, as políticas americanas, mal orientadas, têm assentado em pressupostos falsos que ignoram as legítimas aspirações de outros povos. Ora, isso mina a nossa credibilidade e contribuem para tornar o mundo mais perigoso.”

A vitória de Trump para um segundo mandato reforçaria a convicção populista de Trump de ir mais além na disrupção da democracia já operada no primeiro mandato. Se o primeiro mandato foi o do ataque às regras informais da cultura política democrática, o segundo poderia bem ser o do ataque às regras formais da democracia. A sombra de algum violento cataclismo inominável paira sobre todo o país. Ao nível do discurso pode-se dizer que é uma violência artificial de baixo nível. Trump não parece capaz de fazer nada para estender a mão aos milhões de americanos que estão em risco de sofrer as consequências da violência.

Uma democracia verdadeiramente desatenta ou intimidada pode descobrir que um mau presidente pode infiltrar-se nas suas instituições, tornando difícil a sua remoção. O problema das democracias do século XXI é que as suas virtudes positivas se estão a desmoronar. Por outo lado a revolução digital está a acelerar o processo desse desmoronamento, com corporações do género Facebook, Amazon, Google, Apple… a concentrarem nos seus líderes poderes inimagináveis. A democracia americana, apesar de estar a adiar a solução, ainda será capaz de pôr Trump a andar. Mas nenhuma virtude, negativa que seja, servirá para pôr Zuckerberg, ou Jeff Bezos, a andarem. Isto não significa que Zuckerberg ou Jeff Bezos sejam uma ameaça terrível, porque eles não querem isso. É pelos novos problemas que pessoas como eles irão criar a outras pessoas numa dimensão que extravasa a América e qualquer poder político, por mais forte que seja.

A história da democracia não terá um ponto final único, a menos que toda a vida humana o tenha. Golpes continuarão a acontecer. Uma queda aqui, outra acolá, mas a democracia ocidental sobreviverá às suas crises cíclicas. A força da democracia continua a ter a sua capacidade de desagregar problemas por forma a geri-los da melhor maneira. As ameaças à democracia, ainda que inéditas, são reais, mas imprevisíveis, não pela ação direta humana, mas pelos seus sucedâneos, que vão da inteligência artificial à robótica. É um problema que não é novo, pelo menos desde Descartes: que veio com o apogeu da tecnologia, ou da máquina.



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