T.D. Kendrick, The Lisbon Earthquake, 1956
Dizem-nos que, no Terramoto de Lisboa de 1755, a barra da entrada do Tejo foi vista seca de costa a costa; e de repente o mar, como uma montanha, veio a rolar, e perto do castelo de Belém a água levantou-se cinquenta pés quase num instante. Viu-se que os mesmos fenómenos acompanharam o terramoto na ilha da Madeira, onde nos dizem que, na cidade do Funchal, o mar, que estava bastante calmo, retirou-se subitamente de alguns lugares; levantando-se depois num grande empolamento, sem o menor ruído e avançando de súbito, inundou a costa e entrou na cidade.As vagas sísmicas começaram no mar, e, avançando sobre Lisboa, pelo Sudoeste, encontraram alguma resistência nas barras do rio; mesmo assim eram formidáveis, disseram alguns que com quinze ou vinte pés de altura, e atiraram-se por três vezes às seis milhas da zona ribeirinha. Um grande número de pessoas, provavelmente mais de cem, que se tinham refugiado no que parecia ser um lugar a salvo dos tremores ao longo do rio, foram atirados para o largo e afogaram-se ao longo de toda a costa. As águas, no entanto, gastaram toda a sua força com a terceira vaga, e a seguir o rio começou gradualmente a ficar calmo. Os barcos de refugiados recomeçaram a atravessar o Tejo por volta das duas da tarde.Cinquenta mil almas morreram em Lisboa; uma providência notável parece ter protegido os protestantes, pois do grande número estabelecido em Lisboa, só doze ou catorze desapareceram. A razão é que os protestantes tinham saído da cidade por causa dos autos-de-fé que costumam fazer na Festa de Todos os Santos. E os protestantes incomodavam-se muito com isso. Mas por seu lado, os portugueses acorriam em grande número à cidade para verem o cruel espetáculo. Foi preciso inventar um milagre para acalmar a populaça. A Virgem Maria fora vista entre o fogo, nas ruínas duma igreja, a agitar um lenço branco para o povo. Isto foi de imediato declarado como sendo um perdão por todas as ofensas passadas.
O Terramoto de Lisboa que ocorreu a 1 de novembro de 1755 não se limitou a abalar Lisboa. Abalou muitos intelectuais da Europa. Voltaire foi um deles. Chocou mais a civilização ocidental do que qualquer outro acontecimento desde a queda do Império Romano. O que tão profundamente traumatizou Voltaire foi o reconhecimento da sua própria complacência. Conquanto tivesse expressado desacordo em relação ao axioma de Leibniz: “tudo vai pelo melhor”. Foi com sarcasmo que Voltaire deixou as suas dúvidas quanto a este: ser o melhor dos mundos possíveis. Os horrores de Lisboa forçaram-no a reexaminar a sua posição por inteiro. O otimismo fácil não passava de uma palermice. O esforço para expressar a sua repulsa e a sua piedade, tal como o havia feito no Poème e no Cândido, tornaram-no um homem mais profundo e mais abrangente. Voltaire já era famoso como dramaturgo, poeta e historiador, mas o Terramoto de Lisboa fez dele um filósofo.
Sonhos de terramotos significam trepidações do nosso juízo a estragar a saúde do nosso corpo. [Hipócrates]
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