segunda-feira, 30 de outubro de 2023

A independência do povo árabe em relação ao Império Otomano



O papel do emir de Meca, de 62 anos, xarife Hussein, era o de guardião dos lugares santos do Islão. Como governante de facto do Hejaz fazia dele uma figura de importância política e religiosa no mundo árabe. Opositores do sultão otomano, dentro do mundo muçulmano e fora dele, consideravam-no um potencial califa, e já em 1911 representantes árabes no parlamento otomano tinham recorrido a ele para liderar uma revolta contra o governo dos Jovens Turcos. Inicialmente, os objetivos de Hussein era apenas a autonomia formal para o Hejaz e reconhecimento de sua família hashemita como xarifes hereditários de Meca. Mas como nem isso os Jovens Turcos estavam dispostos a aceitar, em 27 de junho de 1916 declarou a independência do povo árabe em relação ao Império Otomano, bem como a sua liberdade religiosa em relação ao califa, o sultão Mehmed V.

Em outubro de 1914, mesmo antes do início formal das hostilidades entre a Grã-Bretanha e o Império Otomano, Kitchener abriu negociações com o filho de Hussein Abdullah – para uma aliança anglo-árabe, oferecendo proteção britânica à “nação árabe” e o reconhecimento de Hussein como califa. Como outros líderes árabes que viviam sob domínio otomano, Hussein demorou a decidir-se romper com os turcos. Em nome de seu pai – Abdullah e seu irmão Faisal – negociavam com vários agentes de ambos os lados e com líderes nacionalistas árabes. Faisal passou grande parte da primeira metade da guerra em Damasco, mas voltou para Meca com a intenção de ajudar o pai. Em 5 de junho de 1916, começaram as hostilidades perto de Medina. Nessa altura, turcos e alemães estavam a ultimar os planos de uma segunda invasão do Egito, a partir da Palestina, como vingança da derrota sofrida no primeiro ataque turco ao canal de Suez, em fevereiro de 1915.

No final de 1916, as forças de Hussein e seus filhos não tinham feito conquistas importantes, mas entre as terras que ocupavam estavam a cidade de Meca e os portos próximos de Jidda e Rabigh, no mar Vermelho. Essa posição, em todo o caso, garantia a linha de abastecimento e comunicação com o mundo exterior. Eles ameaçavam Medina e a ferrovia do Hejaz, ao norte, e tinham isolado a guarnição turca do Iémen, ao sul. Os franceses logo se juntaram aos britânicos no reconhecimento de Hussein como “rei do Hejaz”, enviando assessores militares a Meca e canalizando armamento excedente.

Lawrence já havia chegado ao Cairo em outubro de 1916. ao Cairo. Depois de ter conquistado a confiança de Abdullah e Faisal, Lawrence convenceu-os de que o melhor para salvar Meca era atacar a ferrovia do Hejaz e ameaçar a cadeia de abastecimento otomana, algo que os soldados irregulares poderiam fazer de forma muito eficaz. Em janeiro de 1917, um pequeno grupo da Marinha Real ajudou-os na captura do porto de Wejh, 510 km acima na costa do mar Vermelho a partir de Rabigh, um local mais adequado como depósito de suprimentos para a nova campanha. Os ataques foram suficientes para forçar a guarnição das tropas turcas a abandonar a movimentação contra Meca e recuar até Medina, onde permaneceu entrincheirada até ao armistício. As forças árabes, redirecionando o centro de gravidade para norte, em julho de 1917 conseguiram tomar o porto de Ácaba, 455 km ao norte de Wejh. Nesta missão contaram com a ajuda do xeque beduíno Auda ibn Tayi, cujas tribos controlavam o deserto norte da Arábia, a leste do rio Jordão. 

O general Edmund Allenby havia chegado em junho ao Egito a substituir Murray, 
pouco antes de Lawrence e os árabes terem tomado Ácaba. O novo comandante teve de enfrentar uma situação estratégica confusa, com objetivos de britânicos e Aliados em geral mal definidos, assim como em relação ao papel dos árabes nesses objetivos. Lawrence levara os árabes a acreditar numa Arábia independente, que todos os árabes pressupunham incluir Jerusalém, uma das mais sagradas cidades do Islão depois de Meca. Mas, no outono de 1917, o ministro do Exterior, Arthur Balfour, emitiria a sua famosa declaração em uma carta ao líder sionista britânico barão Walter Rothschild, prometendo os melhores esforços da Grã-Bretanha para facilitar o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu.

Ainda em setembro de 1917, três meses após a nomeação de Allenby, Mark Sykes - coautor, com o francês François Georges Picot, de um acordo para a divisão do Império Otomano entre os Aliados no pós-guerra - havia observado que o Gabinete de Guerra ainda não tinha acordado se Allenby deveria ocupar a Palestina. De qualquer modo, Allenby abriu a terceira Batalha de Gaza em 31 de outubro de 1917. As suas divisões montadas ultrapassaram o flanco esquerdo turco em Berseba e avançaram sobre Gaza. Em 7 de novembro a cidade de Gaza estava tomada por forças britânicas. Carecendo de instruções claras sobre o que fazer depois de tomar Jerusalém, em fevereiro de 1918, Allenby enviou uma coluna para tomar Jericó, 24 km a leste, e depois enviou suas divisões da cavalaria ligeira ao outro lado do Jordão, em dois ataques malsucedidos. A campanha de Jerusalém como um todo custou aos turcos 25 mil baixas, contra 18 mil para as tropas britânicas. Após a derrota, os alemães transferiram Falkenhayn para a frente oriental, deixando Liman von Sanders no comando da defesa da Palestina.

O exército de Allenby perdeu mais duas divisões de soldados britânicos durante o verão, mas, em setembro, finalmente começou a recuperar o contingente necessário para operações ofensivas, graças à chegada de mais quatro divisões indianas (incluindo duas de cavalaria), dois batalhões oriundos das Índias Ocidentais, uma legião arménia formada na França e uma legião judaica de voluntários sionistas – incluindo o futuro primeiro-ministro de Israel – David Ben Gurion. Allenby perdeu seu pequeno destacamento de tanques na primavera de 1918 e nunca o recuperou, mas, em setembro, tinha sete esquadrilhas de aeronaves (seis britânicas da RAF, uma australiana), um destacamento de blindados e um parque de artilharia com 540 canhões. Diante dele, no norte da Palestina e do outro lado do Jordão, em torno de Amã, os três exércitos comandados por Liman von Sanders tinham baixado para apenas 35 mil homens, apoiados por 400 canhões.

Para a ofensiva final dos Aliados, Allenby conseguiu por fim articular as operações com Lawrence e os árabes. O exército de Faisal surgiu do deserto em 17 de setembro, para se juntar ao destacamento de blindados e esquadrilhas aéreas no ataque a Daraa, a cerca de 80 km a norte de Amã, onde um ramal que vinha de Haifa se juntava à ferrovia do Hejaz. A ação cortou as únicas linhas ferroviárias e telegráficas que ligavam os exércitos de Liman von Sanders a Damasco. Dois dias mais tarde, depois que Allenby simulou um fortalecimento em seu flanco leste ao longo do Jordão, os bombardeios da Marinha Real contra linhas turcas ao norte de Jaffa sinalizaram a verdadeira intenção atacando o flanco oeste, com cerca de dois terços do seu exército. Mustafá Kemal, trazido por Liman von Sanders para comandar o 7º Exército turco, evacuou o quartel-general em Nablus, na noite de 20 para 21 de setembro, para evitar ser cercado. Mas, no dia seguinte, ficou preso no rio Jordão, a leste, onde a RAF aumentou o bombardeamento.

O exército de Faisal, acompanhado por Lawrence, perseguiu os turcos que recuavam. No dia 26, a Divisão Montada do ANZAC, aceitou a rendição temendo por seu destino nas mãos dos árabes. Após Faisal entrar em Damasco em 1 de outubro, os esforços de Lawrence para estabelecê-lo ali como “rei dos árabes” entraram em conflito com Allenby, que logo chegou com um oficial de ligação francês, já que o acordo de Sykes-Picot previa que a Síria, junto com o Líbano, passaria a ser um protetorado francês. Ainda em junho de 1918, os árabes tinham recebido garantias adicionais de que gozariam de “independência e soberania completas” em quaisquer terras que se libertassem, mas agora ficavam sabendo que os britânicos só cumpririam essa promessa no sentido estrito.
A cavalaria indiana garantiu a tomada de Beirute em 8 de outubro e, junto com as tropas árabes, Alepo, em 26 de outubro. Quatro dias depois, o armistício pôs fim às hostilidades entre o Império Otomano e os Aliados. Se os árabes tivessem atendido ao chamamento de Mehmed V à jihad, e apoiado ativamente o esforço de guerra turco, quaisquer esforços Aliados nessas áreas não teriam tido mais êxito do que os desembarques em Galípoli.

Deliberadamente enganado por seu próprio governo ou não, Lawrence permanecera confiante de que os acontecimentos concretos suplantariam todos os arranjos que os governos Aliados tivessem feito em relação às terras árabes. Ele partiu em licença para a Grã-Bretanha, desanimado e exausto. Então ressurgiu de novo como principal defensor de Faisal na Conferência de Paz de Paris. 


Sem comentários:

Enviar um comentário