sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Império Mogol




As regiões costeiras do Sul da Índia, onde a autoridade Mogol era apenas parcial ou nunca foi plenamente imposta, foi onde os portugueses encontraram condições para instalarem feitorias a fim de dinamizarem o comércio das especiarias que traficavam para a Europa. Por outro lado, os missionários jesuítas tinham licença para pregar e converter – se bem que os seus esforços parecessem sobretudo dirigidos aos europeus expatriados. As imagens e retratos religiosos introduzidos pelos jesuítas exerceram uma notável influência sobre a arte Mogol.
Em meados do século XVII, a parte mais rica e dinâmica do mundo islâmico encontrava-se sob o domínio do Império Mogol. O coração do império era o crescente fértil do Norte da Índia. Eram as planícies indo-gangéticas que se estendiam de Cabul a Bengala e ao delta do Ganges. O seu centro estratégico era o triângulo de Deli, que dominava a passagem entre os dois grandes sistemas fluviais e o corredor de 200 quilómetros de largura entre os contrafortes dos Himalaias e as terras altas do Decão. A capital, que inicialmente era em Agra, foi mudada para Deli, em 1648. Em bom rigor primeiro para a nova cidade de Shahjahanabad (Velha Deli). Tal feito refletia a colossal riqueza a que os governantes deste império de planícies podiam recorrer. Na década de 1650 esta nova metrópole imperial, com as suas inúmeras casas aristocráticas, agrupadas em torno da corte imperial, era já tão grande como Paris.

A ascensão do poder Mogol fora um fator preponderante na história mundial do início da Idade Moderna. O regime Mogol unificara e pacificara o Norte da Índia. Fomentou o comércio por terra que ia da Índia para a Ásia Central onde passava a Rota da Seda que a levava até mais além. A conquista Mogol de Bengala acelerara a colonização agrícola da selva e dos pântanos. O comércio dos têxteis ia pelo Ganges acima em direção às planícies interiores do Industão

Depois apareceram os portugueses que encetaram um comércio preferencial com este império, a que chamavam "Mogor". Atraíram os comerciantes europeus à grande cidade portuária de Surat, no oeste da Índia, a partir da qual as rotas comerciais seguiam para o Norte e para o Leste, em direção a Deli e Agra.

A perícia de Aquebar foi notável, ao juntar nobres guerreiros muçulmanos da Ásia Central com escribas muçulmanos e letrados do Irão. A junção de guerreiros rajaputras hindus com eruditos brâmanes num sistema político estável favoreceu a expansão económica do império. À medida que as dinastias de latifundiários locais consolidavam o seu domínio, e exploravam a riqueza agrícola, faziam aumentar o consumo de manufaturas e artigos de luxo que incentivavam a construção de cidades e mercados.

Com a sua enorme população - o subcontinente indiano era pelo menos tão populoso como a Europa dessa altura - e ricos terrenos agrícolas com matérias-primas acessíveis, a Índia tornou-se o maior centro de produção de têxteis do mundo, exportando tecidos de algodão para a Europa, Médio Oriente e África. A variedade e qualidade dos algodões indianos a preço barato (segundo uma estimativa da época, os custos de mão de obra indianos correspondiam a um sétimo dos da Europa) conferiam-lhes uma enorme vantagem nos mercados europeus. No final do século XVII a Companhia das Índias Orientais inglesa há muito que desistira da sua antiga obsessão com a compra de especiarias orientais para se concentrar na importação e revenda de têxteis indianos. Bengala começava a transformar-se no principal centro das operações inglesas, e era a mais dinâmica das regiões da Índia.

Embora não existam registos pormenorizados – exceto os mantidos pelos portugueses e pelas companhias holandesas e inglesas – a maior parte do comércio marítimo da Índia com o Médio Oriente (o seu mercado mais importante) ainda assim encontrava-se nas mãos de comerciantes e armadores indianos. Se assim não fosse, bem como a resposta dinâmica dos produtores indianos, as redes cada vez mais densas de comércio marítimo, que os europeus exploravam de modo tão lucrativo, não teriam sido tão dinamizadas como na realidade foram. 

O imperador Aurangzeb e a sua corte abandonaram a cidade de Shahjahanabad e passaram o resto do seu longo reinado (1658-1707) em campanhas errantes intermináveis para controlar os maratas. Aurangzeb conseguiu uma breve vitória em 1690 (Sivaji morrera em 1680). Na Índia ocidental, em 1707,  o poder mogol já não se fazia sentir. O reinado de Aurangzeb passou a ser descrito por historiadores posteriores como o términos da era mogol. Foi o prenúncio de um período negro e de declínio imperial, que viria depois a ser reabilitado pela intervenção britânica a partir de 1765.

Humilhado pelos maratas e desafiado pela ascensão do siquismo no Punjab, o Mogol deixou de ser o que era  com o golpe final da invasão de Nadir Xá, o governante do Irão. Na realidade, a vitória de Nadir Xá, em 1739, foi um caos. O Norte da Índia foi assolada por mercenários maratas, rohillas afegãos, pindaris e quantos pequenos senhores da guerra. Neste ambiente de predação, o comércio e a agricultura entraram em declínio. A falência económica acompanhou a desintegração política. Não admira que todo esse estado de coisas tivesse caído sob o domínio dos ingleses depois de 1765. Mas o revisionismo da História é o que é, e por isso não admira que em anos recentes esta versão simplista da história pré-colonial da Índia tenha sido quase totalmente reescrita. O fim caótico do Império Mogol já não tem de ser nenhum prelúdio do domínio colonial. A conquista da Índia foi um assunto mais complexo do que a queda anunciada de um império demasiado extenso. O início da conquista colonial inglesa marcado pela Batalha de Plassey em 1757 repõe o papel 
desempenhado pelos indianos na construção de novas redes de comércio e novos Estados regionais. Foi isso que ajudou a desencadear as crises que assolaram inesperadamente a região. 

Na verdade, por trás de muitas das mudanças estiveram os efeitos de uma grande expansão no comércio, população e economia rural. A prosperidade urbana e a riqueza crescente da elite rural tornaram os interesses provinciais menos dispostos a aceitar a direção central de Deli. A revolta marata foi um sintoma disso mesmo. A confederação marata tem sido descrita como uma horda predatória que reduziu o Norte da Índia à anarquia. Mas por trás da sua ascensão descobre-se algo mais interessante do que uma aliança de piratas. As conquistas territoriais dos maratas distinguiram-se, não pela terra queimada, mas pelo seu intrincado sistema tributário, cujos registos volumosos estão conservados na atual Pune. Os líderes maratas não visavam a devastação geral mas a integração gradual do território mogol na esfera da sua svarajya (soberania). 

O seu objetivo não era tanto o derrube absoluto do poder mogol como a sua descentralização forçada: daí a ânsia com que procuraram legitimar o seu domínio com a autoridade de concessões e decretos mogóis. O empreendimento marata, sugere um estudo atual, deve ser visto como o esforço de uma emergente aristocracia hindu, com os seus sardars, ou chefes, para partilhar a soberania e receitas mogóis de um modo que refletisse a crescente importância dos novos grupos latifundiários. Noutras partes dos territórios mogóis verifica-se um padrão semelhante, com os subahdars a tentarem enfraquecer o controlo de Deli como parte do seu esforço para gerir as exigências dos magnatas locais. 

A influência marata, baseada num poderio militar formidável, poder-se-ia ter tornado tão generalizada como a dos mogóis. Em vez disso, duas grandes forças desestabilizadoras interagiram para transformar a decadência mogol no prelúdio de uma revolução. A primeira foi o impacto de uma nova série de invasões a partir da Ásia Central, a fonte tradicional de novas hegemonias na Índia. Em 1739, um enorme exército mogol rendeu-se em Karnal, nos arredores de Deli. Disse um embaixador marata: «O Império Chagatai (Mogol) acabou. O Império Iraniano começou». A subsequente conquista de Deli pelo governante iraniano Nadir Xá e das incursões afegãs a seguir destruíram o prestígio mogol e devastou as antigas rotas comerciais entre Bengala e o Norte da Índia. Uma parte vital do coração mogol a oeste do Indo e à volta de Cabul foi arrebatada pela derrota. Noutra batalha, em Panipat, em 1761, os afegãos esmagaram o exército marata e mataram o peshwa, o primeiro-ministro da confederação.

A segunda grande fonte de mudança no subcontinente foi a rápida integração da Índia marítima no comércio internacional. Em Bengala, a rápida conversão de pântanos e florestas em campos de arroz e uma enorme população ativa de fiandeiros e tecelões de algodão (talvez um milhão ou mais) criaram uma economia excecionalmente dinâmica, cujo crescimento foi alimentado pelo influxo de prata com que os europeus pagavam as suas aquisições de algodão e seda. Ao longo da costa do Coromandel, a sul de Madrasta, no atual Tamil Nadu, um padrão semelhante de desenvolvimento agrícola e produção de têxteis criou uma próspera economia mercantil numa região que era também a encruzilhada para o comércio no golfo de Bengala e no oceano Índico. Nesta região, como noutros lugares no litoral da Índia, desenvolvera-se um tipo distintivo de capitalismo mercantil para financiar e gerir a produção, venda e distribuição de têxteis e outras mercadorias.




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