terça-feira, 3 de outubro de 2023

As Batalhas de Dara




                        


As Batalhas de Dara foram uma série de confrontos entre o Império Sassânida e o Império Bizantino numa altura em que ainda existia o Reino da Ibéria, no Cáucaso, que aconteceu em território que hoje faz parte, sensivelmente, da Geórgia.




Enquanto o Império Romano se desintegrava a Ocidente, a Oriente, num território que incluía os Bálcãs, a Grécia, a Ásia Menor, o Egito e a Síria, e com capital em Constantinopla, continuava coeso. Por volta do século VI era raro que um imperador comandasse em pessoa uma campanha, e a sua preocupação em outorgar o comando de seus exércitos a outros era uma indicação da maior segurança pessoal de que gozavam. As atividades dos generais eram observadas de perto em busca do menor sinal de deslealdade. No essencial, o relacionamento entre o imperador e o comandante de campo era muito parecido com a velha tradição do principado romano de Augusto. Os imperadores orientais eram capazes de conduzir ativamente a guerra em mais de um palco ao mesmo tempo.




Em termos de território, o Império Romano do Oriente era mais ou menos equivalente ao ao do Império Sassânida, também chamada Pérsia Sassânida, o seu maior rival. Apesar disso, os bizantinos eram em maior número populacional, e provavelmente mais ricos. Seja como for, os imperadores romanos tratavam o rei persa como um igual, ou mesmo como um “irmão”. Tal disposição fazia contraste marcante com os tempos do Grande Império Romano em que tratava os outros reinos e nações com grande superioridade. 

No século IV d.C. e no início do século V, o exército romano mantinha o potencial de se tornar uma força de combate muito eficiente. Batalhas campais eram mais raras do que tinham sido anteriormente, pois os comandantes preferiam agora derrotar o inimigo por meio de ações cautelosas e manobras, evitando lutar. Apesar disso, quando escolhiam combater, os romanos normalmente venciam, e seus melhores exércitos eram marcadamente superiores aos de todos os seus oponentes. A derrota espetacular de Adrianópolis, em 378 d.C., foi um caso raro. 

Em 505, os romanos começaram a construção de uma nova fortaleza em Dara, a cerca de 23 Km da cidade de Nísibis, controlada pelos persas. Ora, isso foi entendido pelos persas como uma provocação, na sequência de outras iniciativas de construção de novas fortalezas e concentração de tropas perto da fronteira. Dois fortes na fronteira com a Ibéria, em 527, foi razão suficiente para forçar a sua evacuação. Em 528, Belisário recebeu a tarefa de erguer um forte em Mindos, um local que não pode ser identificado com precisão. Não devia ser muito distante de Nísibis, poderia servir para distrair os persas do programa de fortificação que estava em andamento em Dara.

A tensão foi crescendo até que o recomeço da guerra se tornou inevitável. As campanhas nessa área eram baseadas nas fortalezas que permitiam o controlo da região vizinha. As batalhas eram raras, a maior parte dos combates consistiam em incursões, como aquele comandado por Belisário. E as fortalezas forneciam bases seguras a partir das quais os ataques podiam ser lançados. A paz mostrou-se instável, e a tensão aumentou ainda mais quando, no início da década de 520, Cavades começou a impor a religião persa do zoroastrismo aos seus súbditos do reino da Ibéria, no sul do Cáucaso – uma ação possivelmente estimulada mais pela política do que pela convicção, pois temia-se uma deserção para Roma. 

Os habitantes do reino da Ibéria, enquanto cristãos, pediram apoio aos romanos. Cada um dos lados também estimulou os aliados a atacar os seus inimigos. Uma complicação adicional surgiu quando o idoso Cavades, opondo-se ao seu filho mais velho, Kaoses, tentou manobrar para ser sucedido pelo seu filho mais novo, Khusro. Embaixadores persas procuraram o tio de Justiniano, o imperador Justino, e lhe pediram que adotasse Khusro, comprometendo-se, desse modo, a garantir que ele sucedesse a seu pai. Justino e Justiniano exultaram no primeiro momento, até começarem a suspeitar que o objetivo real de Cavades era conseguir que seu filho tivesse direito a reivindicar o trono romano. Sua contraproposta, uma adoção limitada, ao estilo da normalmente feita com a realeza bárbara, o que impossibilitaria a sucessão, foi recebida como um insulto pelos persas. Os temores dos romanos, assim como a proposta original, refletiam as relações muito diferentes que existiam agora entre as duas potências. 

Justiniano também estava concentrado no esforço de reconquista dos territórios perdidos no Mediterrâneo ocidental. E efetivamente recuperou o Norte de África, a Sicília e a Itália, reconquistas levadas a efeito numa série de campanhas. Todavia, tais conquistas não foram duradouras. Belisário havia sido um dos comandantes mais proeminentes dessas operações. Foi então que Belisário teve a oportunidade de mostrar o seu valor na sua primeira experiência como general nas guerras da fronteira oriental. Belisário era membro do grupo de militares que viviam à custa de Justiniano, treinados para servir como oficiais. Ele era de origem germânica, de uma das províncias do Danúbio. Porém, em termos culturais, isso tinha muito poucas implicações. Era muito mais um soldado profissional do que os aristocratas senatoriais dos primeiros tempos. Em 526, Belisário e Sitas, foram colocados no comando de uma força enviada para atacar a região do Império Sassânida que nessa época era conhecida por Arménia Persa. No início as coisas correram bem e os romanos reuniram espólio considerável, mas, pouco depois, ao serem confrontados pelas forças persas, que eram superiores, foram derrotados. 

Estávamos em 530, Belisário apareceu com 25.000 homens. Cavades replicou com mais 10.000 soldados sob comando de Firuz, que estabeleceu o acampamento a cerca de 5 Km de distância em AmódioOs persas estavam extremamente confiantes quando o seu exército avançou e acampou a apenas a alguns quilómetros da posição romana. Os persas, para além da vantagem numérica sobre os romanos, também estavam inflamados pelo facto de haverem derrotado os romanos em todas as grandes batalhas das décadas anteriores. Belisário preparara-se cuidadosamente para a batalha. Ele havia escolhido uma posição a poucas centenas de metros do portão principal das muralhas de Dara. Numa colina à esquerda as tropas romanas fortaleceram a posição principal com uma trincheira. No centro, havia uma vala em cada ponta, e outra vala retornava em 90 graus, unindo-se com outras trincheiras escavadas paralelamente à primeira. Alguns lugares de passagem foram estabelecidos em cada secção, pois seria mais fácil os romanos usá-los do que os persas encontrarem o caminho no calor e na confusão da batalha. Atrás das trincheiras Belisário formou uma linha com toda a sua infantaria e, provavelmente, com uma pequena parte da cavalaria. 

Durante toda a sua carreira, Belisário fez uso frequente da cavalaria, raramente confiando nas unidades de soldados a pé para lutar, exceto em condições muito favoráveis. Em Dara, as suas tropas montadas incluíam mil e duzentos hunos, que combatiam no seu modo tradicional como arqueiros a cavalo, além de trezentos hérulos, um povo do Danúbio que tinha reputação de grande ferocidade. Todos esses grupos se mostrariam altamente eficientes nas lutas que se seguiram. Outro elemento da cavalaria era constituído pelas tropas domésticas de Belisário, ou bucellarii. Esses homens viviam à custa do seu comandante, e o nome derivava do biscoito duro que recebiam. Não está claro quantos deles Belisário comandou em Dara. E os bucellarii eram especialmente treinados como tropa de elite.

Os persas atacaram a linha bizantina e as tropas do centro começaram a retirar. Depois acudiu a força oculta de Belisário, bem como o flanco direito dos hunos. Desta vez foram os persas a retirar. Firuz enviou os «Imortais», as suas tropas de elite, contra a cavalaria bizantina. E os bizantinos foram derrotados. Então Belisário contra-atacou e dividiu as tropas persas em duas. A que perseguia a cavalaria, e a outra metade de 5.000 homens, ambas foram aniquiladas. Entre eles estava Baresmanes. A cavalaria recuperou e obrigou a fuga dos seus perseguidores. Belisário permitiu uma perseguição de alguns quilómetros, mas deixou escapar a maioria dos sobreviventes persas.

Entre 540 e 544, Dara foi atacada novamente pelo Império Sassânida, desta vez sob comando de Cosroes I. Mas em nenhuma destas tentativas foi capaz de a capturar aos bizantinos. Mais tarde, no entanto, em 573, Cosroes conseguiu levar a bom porto a captura de Dara. Enquanto isso, os persas puderam adentrar-se ainda mais no império, mas Cosroes faleceu em 579. O imperador Maurício derrotou os persas em Dara em 586, e recapturou a fortificação. Mas os persas voltaram a derrotar os bizantinos em 604, sob o reinado de Cosroes II. Neste caso, os persas destruíram a cidade, mas os bizantinos reconstruíram-na em 628. Em 639 foi capturada pelos árabes, e manteve-se em seu poder até 942, quando foi saqueada pelos bizantinos. E voltou a ser saqueada pelos bizantinos em 958, durante o reinado de João I Tzimisces. Mas nunca mais lhe pertenceu.



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