sexta-feira, 27 de outubro de 2023

As variações legadas dos países após a fragmentação do Império Otomano



Na obra de Ohran Pamuk avulta o passado otomano como cenário dos seus livros, o que demonstra a popularidade que a temática otomana tem granjeado. Hoje existe um interesse bastante assinalável no passado otomano, tanto por parte do público como dos estudiosos: os monumentos da arquitetura otomana, agora restaurados, readquirem o seu esplendor; os artefactos otomanos são muito procurados pela classe média turca para a decoração das suas casas.
Um certo embaraço de hostilidade da Europa - Turquia, ainda hoje, mostra como as heranças do passado otomano são duradouras. A desconfiança, o medo e a antipatia pelos Turcos de hoje são sentimentos que grassam em países da Europa Central e Balcãs. A recusa inicial da União Europeia relativamente ao pedido de integração apresentado pela Turquia, em 1998, é um sintoma. É certo que pesaram as razões económicas para essa rejeição. As repercussões da entrada maciça de Turcos na Europa e a concorrência industrial, nomeadamente. Além destes, existem outros motivos que influenciam essa renúncia. Em termos globais, é a quase inexistente tradição de respeito pelos direitos humanos na Turquia moderna. No caso da Grécia os ressentimentos com a Turquia são crónicas, para além da disputa do petróleo do mar Egeu e de Chipre.

As fronteiras administrativas otomanas foram mais ou menos irrelevantes no processo de constituição de Estados árabes após a I Guerra Mundial. Contudo, nos Balcãs, as atuais fronteiras políticas correspondem às antigas delimitações administrativas das províncias otomanas. Porém, poucas foram as práticas administrativas, ou as estruturas, que se transferiram do Império Otomano para os seus substitutos nos Balcãs. Quase todas as classes administrativas muçulmanas puseram-se em fuga, ou foram escorraçadas, após a independência.

Os fluxos migratórios impostos pelo sistema imperial otomano obrigaram à movimentação dos povos dentro do império; os seus efeitos fazem sentir-se ainda hoje. Os Turcos da ilha de Chipre descendem dos povos que colonizaram a Anatólia no século XVI; os Circassianos, por sua vez, chegaram à Jordânia no século XIX. Os Sérvios e os Croatas partiram dos seus anteriores territórios rumo ao Norte, a fim de fugir aos invasores; ou emigraram mais tarde, quando tomaram o partido dos Habsburgo. Estes legados permanecem por toda a parte, apesar de a sua importância se estar a diluir mercê das migrações posteriores ao período da guerra fria.

Os revezes políticos otomanos ecoam até aos nossos dias. Primeiro, a incapacidade de afastar a Grã-Bretanha do golfo Pérsico. De modo idêntico, os Otomanos tentaram, em vão, impedir que os judeus imigrassem para a Palestina e dessem ao sionismo um ponto de apoio demográfico nesse local; esse acontecimento ainda tem ressonâncias no presente. Tal como é sabido, também as hostilidades crónicas entre Gregos e Turcos decorrem, em linha direta, da libertação dos povos gregos subjugados.
A Palestina, a Síria e o Egito foram conquistadas pelo Império Otomano durante o reinado do sultão Selim I [1512-1520]. E continuaria sob administração deste império até ao mandato britânico depois da Primeira Guerra Mundial. O período de dominação otomana correspondeu, de uma forma geral, a uma era de decadência económica e cultural da Palestina. Antes do Império Otomano a Palestina, desde que havia passado para as mãos árabes de 636 a 640, nunca mais esteve em paz se nos recordarmos dos tempos das Cruzadas. Mas nos tempos árabes, a Palestina (Filastin) era a região a sul do planalto de Esdraelon, que a partir de 716 teve como capital Ramallah. A Galileia e Acre ficou sob a administração de Al-Urdunn, que corresponde ao que hoje é a Jordânia. 

O Império Otomano, nos primeiros anos do século XVIII, recebeu a primeira grande revolta popular na Palestina. O governador de Damasco, Maomé Paxá Curde Bairam (1701-1703) iniciou uma política de reorganização da província que administrava, tendo procedido ao aumento dos impostos em Nablus, Jerusalém e Gaza. Esta última medida levou a protestos da população beduína e camponesa. Em 1831, a Palestina foi ocupada por Mehmet Alivice-rei otomano do Egito, que junto com o seu filho Ibrahim procurou modernizar a região. Entre as medidas reformistas, destaca-se a abolição de certos impostos e as restrições que pesavam sobre cristãos e judeus (dhimmi). A política de centralização levada a cabo pelos egípcios provocou a queda da influência dos notáveis locais, que obviamente se ressentiram. Em 1839, no tempo do sultão Abdulmecide II, o Império Otomano levou a cabo uma série de reformas administrativas que ficou conhecido pela designação de "Tanzimat". Por exemplo, Beirute substituiu Acre como capital da província de Sídon. Jerusalém adquire uma maior importância a partir de 1840, quando os sanjacos de Gaza e Jafa foram incluídas no sanjaco (subdivisão administrativa) de Jerusalém; dois anos depois, o sanjaco de Nablus foi incluída no sanjaco de Jerusalém.

O sionismo foi um movimento político surgido no século XIX que defendeu o direito à autodeterminação do povo judeu e à existência de um Estado judaico no território onde historicamente existiram os antigos reinos de Israel e Judá. Dá-se que o sionismo desenvolveu-se num período histórico marcado pelas ideologias nacionalistas, bem como pelo crescimento do antissemitismo. Theodor Herzl notabilizou-se como uma das figuras mais importantes do movimento sionista. Era um intelectual judeu austro-húngaro que, marcado pelo caso Dreyfus, publica em 1896 - Der Judenstaat (O Estado Judeu) - na qual propõe a criação de um Estado para os judeus. O sionismo adquiriu um aspecto institucional em 1897, ano em que teve lugar, em Basileia o primeiro congresso sionista, do qual resultou a formação da Organização Mundial Sionista. Foi ainda neste congresso que se confirmou a opção da Palestina como local de fundação do estado judaico. Entretanto, os primeiros imigrantes judeus, ligados ao movimento russo Bilu, já tinham chegado à Palestina em 1882, onde fundaram colónias.

A colonização judaica da Palestina deu-se a princípio pacificamente, mas foi vista com apreensão pela população nativa, dado o grande número de estrangeiros que chegava à região, e devido a ideologia predominante entre os árabes a favor da criação de uma "Grande Síria", correspondendo às regiões que hoje são os estados da Síria, Líbano, Israel, Jordânia e as regiões da "Faixa de Gaza" e Cisjordânia. Com a intensificação da migração de judeus para a Palestina houve uma escalada de violência na região, com a formação de grupos paramilitares judeus e palestinos. Em 1948, com a Declaração de Independência do Estado de Israel, principia o "conflito israeloárabe". 
Os episódios nacionalistas retiraram à multiplicidade étnica e religiosa o seu lugar na evolução histórica que vinha evoluindo enquanto Império Otomano. 

Em todos os antigos territórios imperiais, os nacionalistas invocavam com eloquência a destruição cultural levada a cabo pelos turcos. É uma ironia, porquanto a heterogeneidade de culturas, de costumes e de línguas é o que atualmente impera nos Estados sucessores dos Balcãs - Bulgária, Roménia, Grécia e Sérvia. Mas o que perdura é a tremenda hostilidade para com os turcos. Para quase todos os Búlgaros, o jugo turco destaca-se até aos nossos dias como o mais negro e deplorável período da história da Bulgária. Na maior parte dos livros da história deste país (tal como nos da Grécia), mal se chega a consagrar um capítulo à era otomana, uma época que teve seis séculos de existência; e quando o fazem, é no tom mais sombrio. 

Ora, o mesmo que se passou nos Balcãs, aconteceu no mundo árabe no fim da Primeira Guerra Mundial. Nos seus esforços para criar um sentimento de comunidade árabe, os nacionalistas condenaram o que tinha a ver com o Império Otomano. Na Palestina, o censo britânico em 1922 registou 752.048 habitantes na Palestina, consistindo de 660.641 árabes, a maioria muçulmana e alguns cristãos; 83.790 judeus; 7.617 outros grupos. Os beduínos não foram contados no censo, mas um estudo britânico de 1930 estimou seu número em 70.860.

Em 1947 a Assembleia das Nações Unidas aprovou a resolução do Plano de Partilha, que estabelecia não apenas o direito de existência na Palestina do Estado de Israel, mas também o reconhecimento ao direito a um Estado próprio ao movimento político nacionalista palestino representante dos árabes residentes naqueles territórios da Palestina, assinalados num mapa anexo. Se quiser, a identidade nacional palestina surgiu de uma progressiva percepção de diferenciação de um grupo no interior do mundo árabe por via das transformações que se desencadearam no Médio Oriente depois do desaparecimento do Império Otomano. Assim, a matriz identitária palestina está mais ligada à pertença a um determinado lugar, do que a uma natureza étnica. Mas também como uma reação de defesa ao movimento sionista que levou a cabo o projeto de implantar na Palestina o Estado de Israel, também de direito reconhecido pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Em 1948 estabelece-se na Palestina um estado judaico independente: Israel. Segue-se uma guerra de Israel com os Árabes, de que resulta a Cisjordânia governada pela Jordânia, e a Faixa de Gaza governada pelo Egito. Mas em 1967 dá-se oura guerra entre árabes e judeus, que ficou conhecida pela Guerra dos Seis Dias. No fim, foi Israel a tomar conta desses dois territórios. E desde essa altura que Israel consegue a benevolência dos países ocidentais para manter esse estado de coisas: os palestinianos cerceados dos seus direitos à autodeterminação e à soberania da sua Palestina, apesar ter sido afirmado por várias vezes por parte da Assembleia Geral das Nações Unidas (133 países em 196); e pelo Tribunal Internacional de Justiça.

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