sábado, 21 de outubro de 2023

Ilha de Tiran





Ilha de Tiran é uma ilha que pertence à Arábia Saudita, mas que foi anteriormente administrada pelo Egito. O Estreito de Tiran, único acesso de Israel ao Mar Vermelho pelo Golfo de Aqaba, pelo facto de ter sido bloqueado pelo Egito, em 22 de maio de 1967, foi o casus belli da Guerra dos Seis Dias.

Já em maio de 1948 o Egito havia bloqueado a passagem pelo Canal de Suez a navios registados em Israel e que transportavam carga de e para todos os portos de Israel. Uma vez que todas as rotas comerciais terrestres foram bloqueadas por outros Estados árabes, a capacidade de Israel de comunicar com a África Oriental e com a Ásia, principalmente para importar petróleo do Golfo Pérsico, estava severamente prejudicada.

Em março de 1949, as forças de Israel assumiram o controlo da área ao redor da vila costeira de Umm al-Rashrash, mais tarde renomeada Eilat, como parte da Operação Uvda. As ilhas de Tiran e Sanafir estavam desabitadas, mas ganharam importância estratégica, uma vez que controlavam todos os navios para Eilat, o único acesso de Israel ao Mar Vermelho.

Em dezembro de 1949, o Egito começou a erguer instalações militares em Tiran, Sanafir e na costa do Sinai, em frente às ilhas, para controlar os estreitos. Logo depois, o governo egípcio, negando oficialmente interferir na navegação civil, enviou à Arábia Saudita, Reino Unido, e EUA, em 30 de janeiro e 28 de fevereiro de 1950 o seguinte comunicado: «Tendo em conta certas veleidades que se manifestaram recentemente por parte das autoridades israelitas em nome das ilhas de Tiran e Sanafir, no Mar Vermelho, à entrada do Golfo de Aqaba, o Governo do Egito, agindo em pleno acordo com o Governo da Arábia Saudita, deu ordens para ocupar efetivamente estas duas ilhas. Essa ocupação agora é um facto consumado.» O Egito reivindicava o direito às ilhas, admitindo também o possível direito ao Reino da Arábia Saudita. Ao fazer isso, o Egito queria simplesmente confirmar o seu direito (bem como todos os direitos possíveis do Reino da Arábia Saudita) em relação às ilhas mencionadas atendendo à sua posição geográfica - 3 milhas náuticas do lado do Sinai egípsio; e 4 milhas aproximadamente do lado da Arábia Saudita. 

A Ilha Tiran foi capturada pelas tropas de Israel durante a Guerra dos Seis Dias. Em janeiro de 1968, o governo dos EUA apoiou uma tentativa de induzir a retirada de Israel daquela ilha, como um movimento de abertura para um processo de paz. Tal iniciativa fracassou. Tiran permaneceu sob controlo de Israel até ser entregue ao Egito em 1982, em cumprimento do tratado de paz de 1979 assinado pelo Egito e Israel. O tratado inclui uma garantia de liberdade de navegação de Israel através do Estreito de Tiran.

Depois veio o acordo do Egito em entregar as ilhas de Tiran e Sanafir à Arábia Saudita, que exigiu a aprovação de Israel. Tal aprovação foi dada semanas antes de ser tornada pública, por escrito ao Egito, e indiretamente à Arábia Saudita. No entanto, um tribunal egípcio ainda chegou a rejeitar a transferência das ilhas para a Arábia Saudita depois que uma equipa de advogados ter apresentado documentos históricos que legitimavam ao Egito a propriedade das ilhas. O tribunal deu razão a esta petição alegando que o governo egípcio não tinha fornecido provas de que as ilhas pertenciam à Arábia Saudita.

Em 14 de junho de 2017, o Comité de Defesa e Segurança Nacional do Egito aprovou por unanimidade a transferência das ilhas Tiran e Sanafir para a Arábia Saudita. E no mesmo dia o plano foi aprovado pelo Parlamento egípcio. Em 21 de junho de 2017, o supremo tribunal do Egito revogou os veredictos judiciais anteriores. Em 24 de junho de 2017, Abdel Fattah el-Sisi, presidente do Egito, ratificou o acordo de cedência da soberania sobre as duas ilhas do Mar Vermelho, Tiran e Sanafir, à Arábia Saudita. Em 14 de julho de 2022, Israel concordou com o acordo entre a Arábia Saudita e o Egito.

Na História Antiga, a Ilha de Tiran chamava-se Ilha de Yotabe. Era assim que Procópio de Cesareia [historiador bizantino do século VI] a descrevia: «A oeste ficava a extremidade sul do Sinai; a leste, a costa norte da Arábia. A ilha em forma de tubarão situa-se bem no meio do estreito, bloqueando a passagem de navios que desejam seguir para o norte, pelo mar Vermelho, ou para o sul, pelo Golfo de Aila (hoje Ácaba). Procópio nos informa que muitos judeus viviam radicados na ilha havia gerações. Exceto por um pequeno número de cristãos, Yotabe era uma ilha judaica, com uma comunidade que, segundo se dizia, se instalara ali depois da destruição de Jerusalém pelos romanos. Todavia, como os judeus já vinham saltado de terra em terra bem antes do século I d.C., é possível que sua presença na Ilha de Yotabe, comercialmente estratégica, tivesse começado muito antes.

Entre Yotabe e Áden estendia-se toda uma cadeia de assentamentos e cidades judaicas espalhados ao longo das rotas de camelos da Via Odorífera, desde o Iémen, pela periferia do deserto, pontilhada de oásis, até chegar ao Hedjaz, o flanco noroeste da península da Arábia, e a cidades como Hegra, Ula e Tabuq, onde viviam árabes judaizados e judeus árabes. Havia uma rede de vínculos comerciais com as comunidades da Palestina e da Mesopotâmia já estabelecida de longa data.

Se hoje esta história nos parece paradoxal, a verdade é que durante dois séculos, antes do surgimento do islão, essa rede económica e cultural era um facto natural. Por seu lado, os judeus da Arábia, com os nabateus do Neguev e os habitantes das montanhas de Moab, tinham aprendido e coletar e preservar as chuvas preciosas e repentinas, e a canalizar correntes subterrâneas, para que as tamareiras florescessem. Os clãs e as tribos de judeus possuíam pomares de tamareiras.

Cruzando a Arábia com caravanas de camelos, antes do advento de Maomé, estas comunidades de mercadores dominavam estas cidades e os seus mercados que eram fortificadas para o efeito. É claro que havia nomes de clãs, como os kahinan [os Cohen da Arábia], assim chamados por fontes islâmicas. Houve quem chegasse ali vindo de Tiberíades e outras cidades da Palestina quando fazia parte do domínio bizantino. Havia também uma comunidade de levitas. Palavras como: nabi; sadaaqa; rahman - passaram intactas para o islão. Havia judeus árabes de várias profissões: marinheiros, escultores, escribas e poetas, comerciantes, artistas manuais e agricultores.

Mesmo depois do século VI, em que Justiniano pôs fim à liberdade da ilha, os judeus de Yotabe ali permaneceram, recolhendo impostos e fiscalizando carregamentos de feras africanas destinadas aos jogos que ainda restavam (oficialmente ilegais) organizados pelos aristocratas de Roma e Bizâncio. Junto com os grandes felinos e elefantes, passavam por Yotabe todas as riquezas da Arábia muito lucrativas: almíscar; incenso usado por cristãos, judeus e pagãos; óleos aromáticos e resinas elásticas; pedras preciosas e o coral retirado, como ainda hoje, de recifes do mar Vermelho, usados como amuletos e pendentes de cordões de prata e ouro. De mais longe provinha a seda asiática que ia para o norte e o oeste, trocada por linho egípcio que viajava para o sul e o leste. Efetivamente, em meados do século VI o imperador Justiniano, com a sua ilusória obsessão de consolidar novamente o Império Romano, embora desta feita era já um império cristão, não estava disposto a ceder o comando estratégico do estreito a nenhum grupo que não estivesse plenamente empenhado nas guerras constantes que tinha com os persas. E os judeus das fronteiras eram conhecidos por procurar comprometer o menos possível a tranquilidade do comércio e dos seus negócios.

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