domingo, 15 de outubro de 2023

Ainda o século XVIII em tempo de impérios





A perda da Crimeia foi um desastre estratégico para os otomanos. 
Em 1783, reinava Catarina, a Grande, os russos anexaram a península da Crimeia e tornaram-se senhores da costa norte do mar Negro. Odessa foi fundada em 1793 para ser a metrópole desse novo império do Sul. Abrira-se o caminho para a conquista do Cáucaso. Foi uma fase decisiva na ascensão da Rússia como potência mundial. 

Até então o Mar Negro tinha sido um lago turco, parte integrante das comunicações imperiais dos otomanos. Com um monopólio de poder sobre as suas águas, os otomanos podiam vigiar os acessos ao seu império a partir do Norte com extraordinária facilidade. Sem abastecimentos por via marítima, uma invasão russa dos Balcãs otomanos era difícil, senão mesmo impossível, como descobrira Pedro, o Grande. Do outro lado do mar Negro, um avanço para o Cáucaso ao longo da orla ocidental da sua cadeia montanhosa era ainda mais difícil sem apoio marítimo.

O Mar Negro era o escudo naval do sistema otomano. Encurtava a fronteira estratégica que os otomanos tinham de defender contra os seus inimigos europeus. A invasão tinha de vir através dos Balcãs ocidentais – uma região inóspita, onde toda a vantagem era da defesa. A única grande potência com que os otomanos tinham de se preocupar era o Império Habsburgo, com o qual partilhavam uma fronteira. A marinha otomana podia concentrar-se no Mediterrâneo Oriental, protegendo as ilhas do Egeu, o acesso a Constantinopla e as costas do Egito e do Levante. Tinha pouco a temer das longínquas potências navais da Europa – Grã-Bretanha, França, Holanda e Espanha. Acima de tudo, o benefício estratégico do Mar Negro fazia-se sentir a nível político.

Em 1789 dá-se a Revolução na França. Na véspera só o pagamento dos juros consumia metade das despesas do Estado. Em 1789, com o seu prestígio em baixo e o Tesouro falido, a monarquia francesa caiu no turbilhão da mudança constitucional, cedendo poder político efetivo aos autoproclamados líderes do Terceiro Estado, reconstituído em junho como a Assembleia Nacional. Com o agravamento do caos financeiro e a desagregação da ordem social, a ameaça de uma intervenção estrangeira em França, pelas potências conservadoras e lideradas pela Áustria, era cada vez maior.

Na primavera de 1792, a França já estava em guerra com a Áustria. O desastre militar e o receio popular da invasão destruíram a influência dos reformadores mais moderados e conduziram à abolição da monarquia em setembro de 1792. Quando Luís XVI e Maria Antonieta foram executados, em janeiro de 1793, estava concluída a mudança de regime. O arquétipo do Estado Dinástico dera lugar a uma República Revolucionária. E estava disposta a ser exportada. Quando os exércitos da Áustria e da Prússia entraram em França, em 1792, o exército da Rússia entrou na Polónia, com o caminho aberto através da Ucrânia até ao Mar Negro.

Em 1798, Napoleão e Talleyrand (o primeiro-ministro francês), engendraram um plano extraordinário para a conquista do Egito. O raciocínio de Napoleão e Talleyrand sugere que eles compreendiam bem a dimensão da mudança geopolítica que estava a ocorrer. 
O controlo do Egito permitiria à França revitalizar a rota do Suez entre a Europa e a Índia e contrariar o crescente predomínio do comércio que se fazia pelo Atlântico. O Egito compensaria a França pela perda em 1763 das suas colónias americanas – Quebec e Luisiana. Ajudaria a travar o avanço da Rússia. Em julho de 1798, Napoleão desembarcou no Egito com 40 000 soldados. Levou também consigo uma equipa de 165 especialistas. A sua missão era registar o passado e planear o futuro do Egito napoleónico. A 21 de julho de 1798, na Batalha das Pirâmides, o domínio dos Mamelucos no Egito foi destroçado. Napoleão declarava que os franceses tinham vindo libertar o povo da tirania mameluca, prometendo respeitar a religião islâmica. Chegou mesmo a discutir com os principais ulemás os termos de uma conversão em massa do seu exército.

Napoleão enviou mensagens amigáveis aos governantes muçulmanos ao longo da costa do Norte de África até Marrocos, ao sultão de Darfur e ao sultão Tipu na Índia. Segundo os ingleses, Mascate, no golfo Pérsico, estava sob influência francesa. Foram feitos planos para invadir a Síria, para que a França pudesse controlar toda a costa do Levante com a metade ocidental do Crescente Fértil. Napoleão deve ter pensado que a sua invasão relâmpago voltaria a equilibrar os pratos da balança da geopolítica a favor da França. 

Dias depois da chegada de Napoleão ao Cairo, Nelson com a sua armada inglesa, na baía de Aboukir,  destruiria a armada francesa. O Egito era demasiado pobre, fraco e vulnerável para sustentar o encargo do domínio francês e um exército sem abastecimento do exterior. A revolta e a resistência aumentaram. Os otomanos declararam guerra. A expedição síria fracassou. A diplomacia com os muçulmanos não surtira qualquer resultado. Quando Napoleão partiu em agosto de 1799, o sultão Tipu já havia desaparecido em maio. Os ingleses haviam-no eliminado. O exército francês aguentou-se, mas não existiam meios em Paris para o socorrer. Em junho de 1801, o Cairo foi conquistado por tropas inglesas enviadas da Grã-Bretanha e da Índia. O projeto oriental francês chegara ao fim.

A batalha decisiva ocorreu perto do cabo Trafalgar, ao largo da costa espanhola, em outubro de 1805. O almirante Nelson destroçou completamente as armadas francesa e espanhola. A Luisiana, recuperada à Espanha em 1800, fora vendida aos Estados Unidos. São Domingos (o atual Haiti), a colónia mais rica da França, sucumbiu a uma revolta dos negros em 1804. O domínio dos mares permitia aos britânicos resguardar o seu império na Ásia, acabando por conquistar o Cabo em 1806, e a Maurícia em 1810. Em 1811 os ingleses tomaram a Indonésia à Holanda, reino vassalo de Napoleão. O oceano Índico tornou-se um lago britânico.

Napoleão pode ter pensado em liderar uma nova aliança com o Império Otomano e o Irão, em parte para neutralizar a Rússia na Europa, mas isso não viria a concretizar-se. O seu principal objetivo continuava a ser a hegemonia europeia. No mesmo mês de Trafalgar, a batalha de Austerlitz, com a derrota da Áustria e Prússia, tornou mais próxima essa possibilidade. Napoleão redesenhou o mapa da Alemanha com a Confederação do Reno, e o Grão-Ducado de Varsóvia
Decretos promulgados em Berlim, em 1806, e em Milão no ano seguinte, vedaram o continente europeu ao comércio britânico. Se os britânicos quisessem ser donos do mar, Napoleão afogá-los-ia no seu próprio elemento. Mas era certamente tarde de mais. O sistema continental que devia excluir o comércio britânico estava repleto de falhas. O império de Napoleão tornou-se intoleravelmente pesado. A Rússia rejeitou o jugo comercial e reiterou a promessa de que os polacos nunca recuperariam o seu reino. Em 1812 Napoleão já tinha chegado à conclusão de que só a conquista da Rússia poderia garantir a paz. A invasão da Rússia por Napoleão que redundou em catástrofe, um golpe de misericórdia autoinfligido.

Enquanto a França era invadida a partir do leste e do sul, Napoleão fugia para o exílio em Elba. O seu império desmoronara-se. Ainda havia de tentar uma última oportunidade (os cem dias de 1815) no campo de batalha de Waterloo.

Os mediadores perceberam que não podia haver um regresso à desordem dinástica do ancien régime. Vinte e cinco anos de revolução e guerra tornaram essa possibilidade impensável. Construíram então um acordo territorial para manter o equilíbrio de forças entre as cinco grandes potências – Áustria, Prússia, Rússia, França e Grã-Bretanha. O Concerto Europeu entre cinco Estados-Nação como tentativa de sanar divergências mantendo uma nova distribuição de poderes. O acordo de Viena revelou-se surpreendentemente duradouro: a Europa evitou uma guerra geral durante quase um século. Em parte por causa disso, garantiu as condições em que as duas potências dos extremos - Grã-Bretanha e  Rússia - podiam realizar as suas ambições fora da Europa. Salvo nos casos em que estas ameaçassem a paz europeia. O acordo Viena abriu a porta ao cerco da Ásia a partir do Norte e do Sul.

A derrota de Napoleão e do seu projeto de império teve vastas implicações. 
Foi o verdadeiro culminar da grande mudança geopolítica. Quando os britânicos se viram livres da ameaça tornaram-se rapidamente os senhores do subcontinente indiano. A penetração comercial na China, já em curso antes de 1800, começou a acelerar. Apesar de terem devolvido o arquipélago indonésio ao novo reino da Holanda (criado como obstáculo à expansão francesa na Europa), os britânicos conservaram Singapura e transformaram-na no empório de grande parte do Sudeste Asiático. No Ocidente, a participação da Espanha no desastre naval de 1805 custou-lhe o domínio do seu império hispano-americano, cujo comércio se tornou acessível, sobretudo à Grã-Bretanha. Velhos monopólios comerciais tornaram-se obsoletos com o domínio dos oceanos por parte da Grã-Bretanha. 

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