domingo, 1 de outubro de 2023

Entre marinheiros e navegadores - Os Portugueses


É só depois de Tamerlão, [1336 - 1405] que Veneza, Génova, Ragusa e Aragão no Mediterrâneo . Portugal, Dinamarca, Noruega, a Liga Hanseática, Inglaterra e Holanda emergem como potências marítimas. Pescadores e marinheiros transformam-se em navegadores empreendedores de comércio lucrativo entre o Atlântico e o Pacífico. Sem excluir os piratas, ou corsários, conforme lhes quisermos chamar, a quem os comerciantes recorriam quando os seus rivais usavam a força para os excluir do comércio.

Não foi por acaso que a cartografia e os instrumentos de navegação se revelaram as principais áreas em que a experiência científica mais depressa se traduziu em práticas técnicas. O mapa-múndi de Ptolomeu tinha acabado de ser substituído na Europa pelo mapa muito mais correto de Abraham Ortelius, baseado nos relatos de viajantes de marinheiros europeus. No início do século XV começa a aparecer uma enorme quantidade de informação sobre a Ásia com a moda da literatura de viagens, que tinha sido encetada por Marco Polo. Relatos sérios, científicos ou simplesmente sensacionalistas, estavam na moda.

Eurásia continuou dividida entre os três mundos civilizados, enquanto o mundo budista e hindu aparentava estar adormecido. De vez em quando, evidentemente, o encontro de culturas produzia um conflito de sentimentos. No seu conjunto de regiões interiores acessíveis, variedade ecológica e densidade populacional, a Europa estava mais bem dotada do que a região marítima do oceano Índico ocidental que ligava a África Oriental, o golfo Pérsico, o Oeste da Índia, a Indonésia e a Indochina. 

Por outro lado, até ao século XV, durante quase quatro séculos e meio, desde a consolidação do Império dos Song, a China era a maior potência marítima do mundo, que por razões ainda muito controversas se extinguiu de moto próprio no fim da dinastia Ming. As embarcações utilizadas por Zheng He nas suas grandes viagens até à costa oriental de África eram nessa altura as mais avançadas do mundo. Mas em 1411 ficou concluído o Grande Canal, infraestrutura fluvial que vinha sendo desenvolvida desde o século V a.C. Assim ligava Pequim e Tientsin a Hang Zhou, bordejando os ricos campos de arroz do Yangtzé, um investimento que acabou por ser considerado mais vantajoso que o investimento na navegação marítima. Fosse qual fosse a justificação, 1436 marca o ano em que foi construída pela última vez uma embarcação marítima. Assim se iniciou um período de fechamento da China aos países ocidentais. Em 1421 os Ming já tinham mudado a capital de Nanquim para Pequim.



Maquete que reproduz a relação entre a dimensão de uma embarcação de Zheng He e uma embarcação de Cristóvão Colombo
O caso mais notável foi o Estado Português na Índia. Neste caso, como noutros, a Época dos Descobrimentos na Eurásia ocasionara maior contacto físico mas não um encontro de culturas. A história curiosa do "dente do Buda" mostrou como o clima podia mudar rapidamente da indiferença descontraída para o fervor religioso. Em 1560, o vice-rei de Goa liderou uma incursão contra o reino budista de Jafna (atual Sri Lanka). Entre os despojos (descobriram mais tarde) estava uma das relíquias mais sagradas do mundo budista, o dente de BudaO rei da Birmânia fez uma oferta enorme para a sua devolução em segurança, e o vice-rei aceitou. 

Mas antes que o acordo fosse concluído a Inquisição interveio. A Inquisição em Goa era um organismo muito poderoso, que travava uma guerra constante contra a superstição e heresia de não cristãos. O vice-rei foi obrigado a ceder e o dente foi moído e queimado. 

No século XVI era já bastante evidente que a vantagem comparativa da Europa sobre as outras civilizações eurasiáticas consistia no seu desenvolvimento precoce da atividade marítima. A expansão simultânea do comércio de longa distância com as Américas e a Índia era um sinal disso mesmo. Outro era o aumento enorme da pesca de bacalhau no Atlântico Norte, que nos anos 70 do século XVI já mobilizava cerca de 350 navios (espanhóis, franceses, portugueses e ingleses). Os marinheiros europeus eram especialmente hábeis no uso da força no mar. 

No início do século XVII, os europeus estavam prontos para afirmar o seu predomínio mundial no comércio e transporte de alto mar, ocupando (com muita disputa interna) um nicho lucrativo no comércio de longa distância. No entanto, com a notável exceção das suas conquistas americanas, existiam poucos indícios de que poderiam avançar além das testas de praia onde essa atividade de nicho normalmente se desenvolvia. Ou que os costumes e o espírito desses povos do mar expatriados exercessem qualquer influência especial sobre as outras sociedades eurasiáticas com as quais eles entravam em contacto. Só na estepe fronteiriça da Rússia (em circunstâncias algo especiais) é que os europeus se haviam expandido com êxito para o coração de outra sociedade eurasiática. No Sudeste da Europa, pelo contrário, a vantagem apontava noutro sentido. Restava saber se na Época do Comércio, que se seguiu, as coisas seriam diferentes.

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