sábado, 26 de abril de 2025

A constelação de ideias associadas à Teoria Crítica



A "Teoria" (com T maiúsculo) ou "Teoria Pós-Moderna" é uma constelação de ideias de uma tradição que tem raízes na Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer, Marcuse) e que sofreu mutações significativas ao longo do tempo, incorporando elementos do estruturalismo e pós-estruturalismo francês (Foucault, Derrida, Deleuze). Toda esta tradição ganhou tração nos estudos de género, pós-coloniais e identitários. É uma tradição que remete ao Maio 68 - "soissant-huitard" - cuja geração que se inspirou na contestação da autoridade tradicional. Hoje os intelectuais e ativistas são seguidores tardios dessa tradição radicalizando-a ainda mais na ação do que os seus fundadores. Operam dentro de uma lógica que desconfia da objetividade, trata a linguagem como ferramenta de poder e buscam desconstruir hierarquias sociais. Capturaram diversas instituições académicas e culturais com o propósito de reconfigurar a realidade em termos exclusivamente políticos, relativizando conceitos como verdade e mérito.

Parece haver um propósito missionário nesses ativistas, que veem a sua atuação como parte de um projeto de engenharia social para reformular a sociedade conforme certos ideais normativos (igualdade radical, desconstrução de categorias identitárias tradicionais, justiça social entendida como redistribuição de poder). O movimento woke pode ser visto como uma manifestação prática e ativista dessa "Teoria" (com T maiúsculo). O termo "woke", que originalmente significava estar "acordado" para injustiças sociais, especialmente raciais, evoluiu para um fenómeno ideológico mais amplo, abrangendo causas como feminismo interseccional, direitos LGBTQ+, decolonialismo e crítica às estruturas ocidentais tradicionais.

Os wokistas adotam a visão de que quase todas as dinâmicas sociais são expressões de opressão e poder. Nesse sentido, eles operam dentro da lógica da Teoria Crítica, aplicando as suas ferramentas a praticamente todas as esferas da vida: cultura, economia, linguagem, e até ciência. O problema apontado por seus opositores é que, muitas vezes, essa abordagem resulta num dogmatismo moral, em que qualquer questionamento é visto como cumplicidade com sistemas de opressão. O que antes era um pensamento essencialmente académico e teórico (nos escritos de Foucault, Derrida, Butler, tornou-se uma doutrina política e cultural de ativistas particularmente influente nas universidades, no mundo mediático e grandes organizações não governamentais do Ocidente. O pós-colonialismo e o antirracismo contemporâneo estão na vanguarda desse movimento, funcionando como eixos centrais para a sua narrativa. Inspirados por autores como Frantz Fanon, Edward Said e, mais recentemente, Achille Mbembe, os pós-colonialistas veem o Ocidente como estruturalmente opressor e sustentam que as suas instituições carregam traumas e injustiças históricas que precisam ser desmanteladas.

O antirracismo wokista, por sua vez, não se limita a combater o racismo clássico (preconceito baseado na cor da pele), mas redefine a própria noção de racismo como algo sistémico e omnipresente. Aqui entra a influência de Ibram X. Kendi e Robin DiAngelo, que argumentam que a neutralidade racial é impossível. Ou se é "antirracista", ou se é cúmplice da opressão. Isso leva a uma visão binária e militante da sociedade, onde a luta contra o racismo passa a justificar medidas radicais como censura, reescrita da história e políticas identitárias agressivas. Sob esse novo moralismo, se está a construir um tipo de "racismo ao contrário", onde a identidade racial é um eixo de definição social e política. O pós-colonialismo e o antirracismo wokista, a pretexto do combate às desigualdades, acabam por institucionalizar novas hierarquias baseadas em ressentimento histórico.

O que aconteceu foi uma tradução do pós-modernismo para o ativismo popular, simplificando conceitos académicos complexos e tornando-os slogans fáceis de entender e repetir. O pensamento original dos primeiros pós-modernistas (Derrida, Foucault, Lyotard) era altamente abstrato, jogando com ambiguidades e desconstruções que só faziam sentido dentro do meio académico. Para o grande público, esse discurso era impenetrável. Os ativistas contemporâneos, percebendo essa limitação, fizeram uma adaptação pragmática da "Teoria": em vez de discussões filosóficas sobre a impossibilidade da verdade objetiva ou sobre a microfísica do poder, passaram a falar de "privilégio branco", "violência simbólica", "racismo estrutural", "lugares de fala" e outras expressões que reduzem a complexidade a categorias de fácil assimilação. Essa mudança permitiu que ideias antes restritas à torre de marfim se tornassem instrumentos de mobilização política, aplicáveis a debates sobre políticas públicas, cultura e comportamento social.

A Teoria, mais cínica do que cética, numa tentativa de criar uma nova ortodoxia moral, onde não há mais espaço para ceticismo ou debate aberto, transformou-se em emblema clubista com códigos de progressismo. Estruturas tradicionais passaram a ser olhadas como intrinsecamente malignas. Havia que reconstruir a sociedade segundo um novo dogma moral e político. Se antes o pós-modernismo se contentava em derrubar certezas, o wokismo busca substituir essas certezas por novas "verdades" inquestionáveis, promovendo uma reengenharia social embalada numa roupagem de justiça e progresso. O wokismo adquiriu uma estrutura quase teológica, com dogmas, heresias e rituais de purificação. Como qualquer religião, ele tem: Pecado original → O privilégio branco, a colonialidade, o patriarcado. Todos nascemos "manchados" por essas estruturas e devemos expiar a nossa culpa. Conversão → O despertar (ser "woke") para as injustiças invisíveis do sistema. Textos sagrados → Os escritos de Fanon, Foucault, Kendi, DiAngelo, Mbembe, Butler, Profetas e sacerdotes → Intelectuais, jornalistas e ativistas que interpretam o dogma e dizem o que é permitido. Inquisição → O cancelamento e a cultura da denúncia contra "hereges" que ousam questionar a nova ortodoxia. Paraíso utópico → Um mundo pós-opressão, sem desigualdades, onde as hierarquias tradicionais são abolidas.

Essa mutação do Pensamento Crítico em moralismo absoluto aproxima o wokismo de uma seita puritana, que não apenas acredita no que prega, mas exige a conversão de todos. Ele não admite neutralidade: ou estás do lado da "justiça", ou és parte do problema. No fundo, o que era para ser uma crítica à intolerância acabou gerando uma nova forma de intolerância, onde discordar virou um pecado imperdoável. Um outro nicho desta deriva cultural é a dos LGBT. E apesar de ser um nicho, logo muito minoritário, fazem tanto barulho como se fosse maioritário. O que acontece é que a sua influência capturou as elites que têm mais poder mediático na sociedade. Assim, um hetero que passa a homo, é elogiado. Ao passo que um homo que passe a hétero é imediatamente ostracizado pela comunidade gay.

Quando um heterossexual se descobre gay ou trans, é visto como um ato de coragem e autenticidade. Mas quando um homossexual assume que passou a sentir atração pelo sexo oposto, isso é tratado como tabu, um desvio inaceitável, às vezes até como "traição". Isso acontece porque o ativismo identitário limita a liberdade individual, é a pertença a um grupo político que conta. A identidade sexual torna-se um rótulo fixo, e qualquer mudança que não esteja alinhada à narrativa progressista é vista como suspeita. A chave está na captura das elites culturais e mediáticas. Jornais, universidades, Hollywood e grandes corporações alinharam-se a essa agenda, não necessariamente por convicção, mas porque é vantajoso simbolicamente. Ninguém quer ser acusado de homofobia ou transfobia. Isso cria um efeito de reverberação, onde uma minoria barulhenta parece muito maior do que realmente é. No fundo, esse comportamento confirma um velho padrão das ideologias dogmáticas: o grupo deixa de lutar por liberdade e passa a impor sua própria ortodoxia.

A reação já está em marcha, e não apenas nos círculos conservadores tradicionais, mas também entre liberais clássicos e até ex-progressistas irritados com o autoritarismo desse novo dogma. A "contrarreforma" cultural está a tomar forma de diversas maneiras. Resistência política – O crescimento de partidos e figuras que desafiam essa agenda, como Trump nos EUA, Giorgia Meloni na Itália e movimentos anti-woke na Europa. Rejeição popular com cada vez mais pessoas comuns, que antes eram indiferentes, começam a perceber o exagero e a reagir contra a imposição ideológica, especialmente quando isso afeta a educação infantil e a linguagem pública. A rebelião dentro da própria esquerda é exemplificada por Intelectuais como Slavoj Žižek, E até ex-ativistas LGBT começam a questionar os excessos do movimento e a denunciar a sua natureza dogmática. Quando uma ideologia se torna excessivamente dogmática e repressiva, ela acaba gerando antipatia e reação, mesmo entre aqueles que, no início, simpatizavam com as suas causas. A história mostra que todo o movimento que busca impor um novo moralismo, mais cedo ou mais tarde, enfrenta um contragolpe.

Estava visto que a dada altura esse tipo de proselitismo iria cansar as pessoas, ao ponto de passarem do benefício da dúvida à irritação e falta de paciência. Tolerância tem limites. Há um ponto de saturação para qualquer ideologia que tenta impor-se de forma agressiva. No início, muitas pessoas dão o benefício da dúvida, achando que há alguma justiça na causa. Mas, conforme o discurso se torna cada vez mais intolerante, moralista e punitivo, a paciência do público esgota-se. O caso do movimento woke é emblemático: ele já deixou de ser visto como um impulso progressista legítimo e passou a ser percebido como um proselitismo sufocante, porque exige adesão total e criminaliza qualquer discordância. Isso gera fadiga social e leva a um processo natural de resistência. Quando um grupo começa a exigir que toda a sociedade ajuste a sua linguagem, costumes e valores para se conformar a um novo dogma, o efeito colateral inevitável é a irritação generalizada. Em vez de ganhar mais adeptos, acaba afastando até quem poderia ser simpático à causa.

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