terça-feira, 15 de abril de 2025

Hipnocracia


Os médicos em geral, e os neurologistas e geneticistas em particular - quando perceberam o que certos estudos sociais queriam dizer à sociedade civil em relação à sexualidade, desacreditando o que era dado como certo pelo ciência biológica - deitaram as mãos à cabeça. A partir daí explodiram os ressentimentos no âmbito do que se viria a designar por "guerras culturais". A censura e o descrédito dos princípios científicos da biologia médica, por razões ideológicas, provocou grandes estragos ao nível da cooperação multidisciplinar na área da saúde. O populismo pode ter diferentes orientações ideológicas (de direita ou de esquerda), mas segue um padrão comum: sai da realidade para contentar gregos e troianos a fim de os ter do seu lado. A isto, o filósofo de Hong Kong - Jianwei Xun - inventou um novo termo para se referir a este fenómeno: Hipnocracia. Um conceito que, aliás, 
Cecilia Danesi -investigadora do Instituto de Estudos Europeus e Direitos Humanos (Pontifícia Universidade de Salamanca) - resumiu: “Uma ditadura digital que nos permite modular diretamente os estados de consciência” através da “manipulação através das histórias que consumimos, partilhamos e acreditamos”.

Vários especialistas já alertaram: os memes não são inofensivos. Para os extremistas, é a linguagem mais eficaz para divulgar as suas ideias. Este ‘arsenal’ online obedece a uma estratégia. O objetivo consiste em eliminar uma cidadania crítica e informada. Pretende a remoção de quaisquer salvaguardas. Jiawei Xun afirma que Elon Musk, com a sua 'Nova Arquitetura da Realidade’, pretende operar diretamente sobre a consciência global. Mas, em vez de reprimir ou censurar o pensamento, manipula os estados emocionais das pessoas om o objetivo de entorpecer o pensamento crítico. Para isso usa a desinformação, uma espécie de nuvem hipnótica que satura os sentidos através de estímulos constantes. Isso é o verdadeiro simulacro da realidade. Cecilia Danesi, em declarações ao jornal espanhol ‘El País’, indicou que esta fragmentação corrói e muda radicalmente a forma como os cidadãos percepcionam a realidade. E isso tem uns efeitos tremendos na cabeça dos cidadãos ao nível da política, enquanto eleitores na sua tomada de decisão nos atos eleitorais. Esta situação exige uma análise aprofundada por parte dos agentes políticos no sentido da regulamentação eficaz.  Porque a primeira vítima disto tudo será a democracia.

Nestas condições, escreveu 
Jiawei Xun: “O poder evolui para além da força física e da persuasão lógica. Tornou-se gasoso, invisível, capaz de se infiltrar em todos os aspetos das nossas vidas. Estamos num estado permanente de hipnose em que a consciência permanece presa, mas nunca completamente calma. Gianluca Misuraca, diretor científico da iniciativa europeia AI4Gov, apontou os ‘sumos sacerdotes’ deste novo regime: o presidente dos EUA ( Donald Trump), e o seu braço direito (Elon Musk). Ambos lideram aquilo que Jianwei Xun identificou como “capitalismo digital”, onde “os algoritmos não são ferramentas de cálculo e previsão, mas sim tecnologia hipnótica de massas”. Segundo Danesi, “a hipnocracia permite uma interferência mais profunda e silenciosa; manipula o nosso pensamento sem que nos apercebamos, o que é ainda mais perigoso porque é mais difícil de detectar”.

Para este poder hipnótico se manter, a premissa fundamental é não haver regulação por parte das entidades do poder político. As gigantes tecnológicas como o ‘X’ de Musk e a Meta de Mark Zuckerberg eliminaram a moderação de conteúdos, sendo que outras plataformas de IA começaram a remover as restrições sobre as respostas a perguntas potencialmente prejudiciais. Trump rejeitou a moderação de conteúdos e pede a sua remoção em nome da alegada liberdade de expressão. Uma ordem executiva emitida pelo Presidente dos EUA em janeiro justificou a medida: “Para manter a liderança, devemos desenvolver sistemas de IA que estejam isentos de preconceitos ideológicos ou de agendas sociais concebidas." Esta falta de controlo e moderação gera a proliferação de imagens geradas por IA que suportam notícias falsas (deep fakes), cujos conteúdos são astronomicamente virais. Independentemente da sua veracidade, narrativas manipuladas com falácias, transformaram a desinformação numa das ameaças mais graves nas atuais democracias.

Hoje, nos debates políticos, o que é mais apelativo é a teatralidade do debatente. A arte performativa no debate é o que mais interessa devido ao impacto que gera nas audiências. Um sorriso oportuno pode transmitir confiança, enquanto um olhar evasivo pode gerar desconfiança. A televisão é a telegénese através do ato cénico. Os debates políticos televisivos são, portanto, em grande parte, um espetáculo performativo. E, no fim de contas, chegamos onde chegamos, por culpa de muita gente.


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