sexta-feira, 11 de abril de 2025

A dialética ídolo/ícone


A dialética ídolo/ícone é um conceito complexo que se desvela particularmente no contexto da história da arte cristã, mas também possui profundas implicações filosóficas, teológicas e religiosas. Essa dialética, relacionada com a relação entre imagem sagrada e idolatria, teve um impacto fundamental no Cristianismo, que resultou no Cisma Oriental/Ocidental, em 1054. Na tradição judaico-cristã, o ídolo é visto como uma representação falsa ou enganadora do divino, que geralmente é associada ao culto pagão. O termo tem uma conotação negativa, pois remete à criação de imagens que, em si mesmas, são adoradas como se fossem deuses. Em várias passagens bíblicas, a idolatria é condenada, e a ideia é que a verdadeira adoração a Deus não pode ser mediada por imagens físicas ou sensoriais, uma vez que a adoração a Deus deve ser dirigida para o invisível.

No contexto cristão, especialmente no Cristianismo Oriental (Igreja Ortodoxa), um ícone é uma imagem sagrada que serve não para adoração direta, mas como porta de acesso à presença do divino. A ideia fundamental do ícone é que ele é uma transparência para a realidade que representa, funcionando como uma referência que aponta para o sagrado, e não como um objeto de culto em si. No entanto, no Cristianismo Ocidental, as imagens sagradas eram usadas amplamente e em abundância. E foi no período dos iconoclastas no Cristianismo Oriental que tal dialética se estabeleceu com tal força que culminou no Grande Cisma. O Grande Cisma foi o acontecimento que causou a ruptura entre a Igreja Católica Apostólica Romana e a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa em 1054. Patriarca da Igreja de Constantinopla e Papa da Igreja de Roma excomungaram-se mutuamente.

A questão das imagens e a sua legitimidade como representações do divino foi um dos fatores fundamentais que alimentaram o cisma entre o Cristianismo Oriental (Igreja Ortodoxa) e o Cristianismo Ocidental (Igreja Católica Romana) no século XI. A dialética ídolo/ícone foi uma questão central, e as diferentes abordagens em relação às imagens sagradas refletiam, em parte, as tensões políticas, culturais e teológicas entre as duas tradições. A iconoclastia foi um movimento dentro da Igreja Bizantina, especialmente durante os séculos VIII e IX, que defendia a destruição das imagens sagradas (ícones). Os iconoclastas acreditavam que as imagens eram idolátricas e que o culto a elas violava o mandamento bíblico contra a idolatria. Eles viam as imagens como ídolos, incapazes de representar adequadamente o Deus invisível. A Igreja Oriental, no entanto, resistiu a esse movimento e argumentou que os ícones não eram ídolos, mas ferramentas espirituais para aproximar os fiéis do mistério divino. Para os defensores dos ícones, as imagens eram uma forma legítima de representação teológica, uma maneira de materializar o sagrado e, ao mesmo tempo, manter a distinção entre o criado e o incriado (Deus).

O Concílio de Niceia II (787) foi um momento decisivo na história da Igreja Ortodoxa, quando a Igreja declarou formalmente que os ícones eram legítimos e que a sua veneração não constituía idolatria, mas uma honra dada à imagem como uma representação da realidade divina. Este evento marcou uma vitória para os defensores dos ícones sobre os iconoclastas, mas a questão continuaria a ter um impacto profundo nas relações entre o Oriente e o Ocidente.

No Cristianismo Ocidental, especialmente na Igreja Católica Romana, as imagens sagradas sempre foram uma parte integral da prática religiosa. Durante a Idade Média, a veneração de imagens de santos, relicários e estátuas de Cristo e da Virgem Maria tornou-se um elemento central da vida espiritual e das práticas devocionais. No entanto, essa veneração foi marcada por uma tensão constante entre respeito e idolatria, particularmente nos períodos de críticas e reformas. A Igreja Católica sempre tentou distinguir entre veneração (latria) e adoração (dulia), onde as imagens eram veneradas, mas nunca adoradas no mesmo nível de Deus. No entanto, com o passar do tempo, a idolatria sempre foi uma preocupação, especialmente para reformadores como Martinho Lutero, que criticavam o uso excessivo de imagens como sendo inadequadas ou até heréticas.

O Cisma de 1054, que formalizou a divisão entre o Cristianismo Oriental e Ocidental, foi o resultado de uma complexa série de disputas teológicas, políticas e culturais. Embora a questão das imagens sagradas não tenha sido o único fator, ela desempenhou um papel importante na separação. A Igreja Ocidental, com a autoridade papal e os estudos da filosofia escolástica, estava mais inclinada a aceitar uma posição mais ambígua em relação às imagens, enquanto o Oriente, com forte vínculo à tradição patrística e mística, defendia um entendimento mais profundo e místico da imagem.

A dialética ídolo/ícone também reflete uma luta entre visibilidade e invisibilidade, um tema que é central tanto na teologia cristã como na filosofia moderna. O ícone, para os defensores, é uma forma de tornar o invisível visível, uma maneira de expressar o mistério divino sem reduzir Deus à sua representação material. Em contraste, o ídolo é uma tentativa de reduzir o divino a algo controlável ou consumível, um objeto que pode ser adorado em si mesmo, esquecendo a sua função de apontar para algo além de si.

Após o Cisma, o debate sobre ídolos e ícones continuou a ser um ponto de tensão entre o Cristianismo Oriental e o Ocidental. No entanto, as duas tradições acabaram por seguir caminhos distintos, com o Oriente mantendo uma ênfase forte na veneração dos ícones. O Ocidente, influenciado pelas reformas protestantes e pela evolução da teologia católica, adotou uma postura mais cética em relação à imagem como mediação do divino. Este conflito não se limitou às imagens, mas também refletiu diferenças mais amplas em termos de autoridade e espiritualidade, com o Ocidente se voltando mais para a razão e a dogmática e o Oriente se mantendo focado na experiência mística e na tradição litúrgica. A dialética ídolo/ícone, portanto, não é apenas uma questão sobre imagens, mas sobre como o divino deve ser abordado: como algo transcendente e invisível, ou como algo que pode ser mediatizado e tocado pela experiência humana.

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