sábado, 26 de abril de 2025

Quando foi que a humanidade começou a falar?



A transição evolutiva para a linguagem falada é difícil de situar com precisão, pois a linguagem não fossiliza, e o seu surgimento foi provavelmente gradual. Mas há indícios de que homo sapiens já possuía a capacidade linguística há pelo menos cem mil, mas possivelmente antes. Algumas hipóteses sugerem que mesmo os Neandertais tinham formas rudimentares de linguagem. Podemos adotar o critério da coincidência da entrada na fase de homo sapiens com a aquisição da linguagem falada. Antes dessa fase, e a acompanhá-la, na fase de homo habilis já devia comunicar por um tipo de linguagem gestual ou mimética.


Homo habilis é uma das espécies de hominídeo que viveu no princípio do Pleistoceno inferior, num período que começou aproximadamente há dois milhões de anos e se estendeu até há cerca de 800 mil anos. Os primeiros fósseis de homo habilis foram descobertos em 1964 por Louis Leakey, e a sua equipa, no desfiladeiro de Olduvai, na Tanzânia, que faz parte do Grande Vale do Rift, na África Oriental. P
oderíamos situar a verdadeira transição para homo sapiens na chamada "explosão criativa" do Paleolítico Superior há cerca de 40.000 anos, quando começou a aparecer a arte rupestre, que sugere corresponder a um certo tipo de ornamento cerimonial no âmbito dos rituais funerários. Isso é indicativo da existência de pensamento simbólico já mais complexo. O que reforça a ideia de que a linguagem estruturada já estava plenamente desenvolvida.

Então, embora a linguagem seja crucial para o que entendemos como sapiens, a designação da espécie baseia-se mais na anatomia e na cultura material do que num marco específico da aquisição da fala. Todas as línguas humanas compartilham uma base cognitiva e funcional comum, refletindo as necessidades universais da comunicação. A diversidade das línguas decorre de fatores históricos, culturais e geográficos, mas, no fundo, todas expressam categorias fundamentais como agentes, ações, objetos, tempo, causa e intenção.

A possibilidade de tradução entre línguas indica que existe um substrato comum de significado, ainda que certas nuances ou conceitos específicos possam ser mais difíceis de transpor diretamente. Isso sugere que a linguagem emerge de estruturas cognitivas compartilhadas por todos os Homo sapiens, ligadas à nossa biologia e experiências de vida comuns. Isso também reforça a hipótese de que a linguagem é uma adaptação evolutiva para a cooperação social e a transmissão de conhecimento, sendo um fenômeno universal, mesmo que suas manifestações sejam diversas. Tudo indica que também as manifestações artísticas de uma dada cultura, sugere que deriva de uma fonte natural e inata de uma psicologia humana universal. Há fortes indícios de que a arte, assim como a linguagem, emerge de uma predisposição inata da mente humana. Estudos antropológicos e arqueológicos mostram que diferentes culturas, independentemente de tempo e espaço, desenvolveram manifestações artísticas que refletem padrões comuns: representações figurativas, abstrações geométricas, música, dança e narrativas simbólicas.

Isso sugere que a arte não é apenas um produto da cultura, mas uma expressão de estruturas cognitivas universais. O impulso artístico pode estar ligado à necessidade de comunicação simbólica, à coesão social e à expressão de emoções e de identidade. Assim como a linguagem codifica intenções e significados, a arte parece traduzir visualmente, auditivamente ou corporalmente aspectos fundamentais da experiência humana. Isso reforça a tese de que existe uma psicologia universal subjacente à diversidade cultural, manifestando-se tanto na linguagem como na arte, ambas servindo para conectar os indivíduos e estruturar a compreensão do mundo.

A manifestação artística provavelmente surgiu antes da linguagem falada e estruturada, embora ambas compartilhem raízes comuns na cognição simbólica. Os primeiros vestígios de expressão artística conhecidos, como as gravuras em ossos e pedras (cerca de 500.000 anos atrás) e os primeiros pigmentos utilizados por homo erectus e homo neanderthalensis (há pelo menos 300.000 anos), antecedem as evidências mais concretas de uma linguagem articulada plenamente desenvolvida. Isso sugere que formas rudimentares de arte – talvez como rituais, gestos simbólicos ou mesmo padrões visuais – já existiam antes da fala estruturada.

A arte pode ter servido como uma ponte cognitiva para a linguagem, ajudando a fixar significados simbólicos e a estruturar a comunicação. Se pensarmos na música, na dança e nas pinturas rupestres, percebemos que elas funcionam como sistemas de expressão e memorização, possivelmente precedendo e até facilitando a evolução da fala articulada. Portanto, é razoável supor que a arte, em suas formas mais primitivas, tenha emergido antes da linguagem falada plena, evoluindo em paralelo com o desenvolvimento cognitivo do Homo sapiens e ajudando a moldar a própria capacidade de pensar simbolicamente.

O bipedismo precedeu e possibilitou o desenvolvimento da habilidade manual sofisticada. Os primeiros hominídeos bípedes, como Australopithecus afarensis (há cerca de 4 milhões de anos), já caminhavam eretos, mas ainda tinham mãos adaptadas para alguma vida arbórea. O bipedismo trouxe uma vantagem crucial: ao libertar as mãos da locomoção, permitiu que fossem usadas para manipulação mais refinada de objetos, favorecendo a evolução de gestos, o uso de ferramentas e, possivelmente, a comunicação gestual primitiva. Com o tempo, a pressão seletiva sobre a destreza manual aumentou, levando ao refinamento da coordenação olho-mão e ao desenvolvimento de uma maior complexidade motora no cérebro. Isso culminou em habilidades como o uso de ferramentas sofisticadas pelo homo habilis (há cerca de 2,5 milhões de anos) e, mais tarde, a capacidade artística e tecnológica do homo sapiens. Portanto, foi o bipedismo que criou as condições para que a habilidade manual se desenvolvesse plenamente, embora uma certa destreza já existisse em ancestrais arborícolas.

Os neurocientistas consideram que a expressão facial e corporal é um elemento de suporte indispensável para que as emoções se exprimam em toda a sua plenitude na língua falada. Estudos em neurociência e psicologia mostram que a linguagem não é apenas um fenómeno verbal, mas está profundamente integrada nos gestos, na entonação e nas expressões faciais, os quais enriquecem e modulam o significado do que é dito. Paul Ekman, por exemplo, demonstrou que certas expressões faciais são universais e refletem emoções básicas, como alegria, medo e raiva, sugerindo que há uma base biológica para essa comunicação não verbal. Além disso, áreas do cérebro como o sistema límbico (envolvido na regulação emocional) e o córtex pré-motor (relacionado com o planeamento dos movimentos) trabalham em conjunto para sincronizar fala e gestos.

Estudos com pacientes que sofreram danos neurológicos reforçam essa interdependência: indivíduos com lesões em áreas que processam expressões faciais e corporais frequentemente têm dificuldade em interpretar emoções na fala dos outros, evidenciando a importância da comunicação multimodal. Portanto, a expressão facial e corporal não são meros adornos da fala, mas partes essenciais da comunicação emocional humana, ajudando a transmitir nuances que as palavras isoladamente nem sempre conseguem capturar.

Quando um neurocientista viu Milei, atual presidente da Argentina, fazer a sua propaganda política com uma motosserra, e outras bizarrias, ele disse que este indivíduo deve ter os lobos pré-frontais a funcionar de uma forma muito idiossincrática. Os lobos pré-frontais são responsáveis pelo controlo inibitório, planeamento, regulação emocional e comportamento social apropriado. Quando alguém age de forma impulsiva, extravagante ou com comportamentos pouco convencionais – como o uso da motosserra como símbolo político –, um neurocientista pode interpretar isso como um funcionamento peculiar ou atípico dessa região cerebral. No caso de Javier Milei, a sua personalidade excêntrica, discursos inflamados e gestos teatrais podem indicar um estilo cognitivo marcado por alta impulsividade, forte carga emocional e um processamento pouco convencional das normas sociais. Isso não significa necessariamente disfunção, mas sim uma maneira diferente de integrar emoção, cognição e comportamento.

Aliás, traços como alto carisma, destemor e intensidade emocional são comuns em líderes populistas, e podem estar ligados a padrões de atividade no córtex pré-frontal, sistema límbico e redes dopaminérgicas, que regulam motivação e recompensa. Nesse sentido, a avaliação do neurocientista sugere que Milei processa e exprime as suas intenções políticas de maneira neurologicamente distinta do convencional. É fascinante acompanhar a par e passo estes estudos dos lobos pré-frontais porque terão muito a dizer no futuro acerca dos estranhos comportamentos que se desviam muito do comum dos mortais. O avanço nos estudos sobre os lobos pré-frontais pode trazer explicações cada vez mais precisas sobre comportamentos que hoje consideramos excêntricos, impulsivos ou mesmo disruptivos. Essa área do cérebro é central para a regulação da personalidade, do autocontrolo e da tomada de decisões, o que significa que variações no seu funcionamento podem gerar perfis comportamentais muito distintos.

No futuro, a neurociência poderá até ajudar a compreender melhor líderes carismáticos e controversos, criminosos, génios criativos ou pessoas com tendências para comportamentos extremos ou bizarros. A grande questão será como interpretar esses dados sem cair em reducionismos deterministas, já que o comportamento humano é sempre resultado da interação entre biologia, ambiente e cultura. Além disso, há implicações filosóficas e éticas importantes: até que ponto devemos considerar a atipicidade pré-frontal como um simples traço da diversidade humana ou como algo a ser corrigido? Será que, no futuro, a sociedade tentará regular ou modificar certas tendências comportamentais por meio de intervenções neurológicas? Essas perguntas fazem desse campo um dos mais fascinantes e inquietantes da ciência atual.


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