quinta-feira, 10 de abril de 2025
As percepções desfocadas da realidade
Por mais que a geografia jogue a favor de Portugal, sendo um país de "fim de linha" para muitos migrantes, e relativamente periférico no xadrez europeu, a percepção popular tende a alinhar-se com os sentimentos que já se espalham pelo continente, impulsionados por fenómenos bem conhecidos. O efeito contágio mediático, em que os discursos e medos que ganham força noutros países (sobretudo através das redes sociais e da televisão) acabam por ser replicados, mesmo quando a realidade local não é tão grave. A exploração política do medo é feita sobretudo por partidos como o Chega, que tem apostado fortemente na retórica anti-imigração, mesmo em contextos em que os dados não justificam um alarme tão elevado.
A percepção popular tem mais a ver com a transformação urbana e económica rápida, que afeta diretamente o quotidiano das pessoas. Por exemplo, o aumento do custo da habitação nas maiores cidades deve-se a vários fatores entre os quais avulta a chegada de estrangeiros com maior poder de compra, bem como o crescimento do Alojamento Local, sobretudo em Lisboa e Porto. Ou seja, mesmo que Portugal até agora tenha tido uma política relativamente mais aberta e uma sociedade considerada acolhedora, a percepção de "invasão" começa a contaminar o imaginário coletivo, sobretudo nas grandes cidades. Isso não deve surpreender, porque essa narrativa está a ser construída com os mesmos ingredientes utilizados noutras geografias: crise, insegurança, medo cultural, escassez de recursos e desconfiança institucional.
Não se consegue travar o vento ou as ondas do mar com a palma das mãos. Há forças históricas que, uma vez desencadeadas, tornam-se imparáveis, mesmo que os seus primeiros sinais sejam ténues e contornáveis. O ciclo populista está em marcha, alimentado por um misto de ressentimento, medo, desilusão com a política tradicional e perda de referências identitárias. E o caso português segue esse padrão: há uma base social que se sente esquecida ou injustiçada — e que encontra na retórica populista um espelho das suas frustrações, mesmo que esse espelho seja deformante.
Há uma sabedoria antiga que nos diz que não basta escutar os sinais apenas nos jornais, mas também na pulsação da História. O sentimento de naufrágio não é apenas pessimismo, mas a intuição de que as estruturas que sustentavam a ordem anterior estão a desfazer-se, pouco a pouco, sem que se vislumbre uma nova arquitetura capaz de as substituir com firmeza. Estamos, talvez, num desses momentos que Toynbee chamaria de "tempo de provação de civilizações", em que a elite dirigente já não tem respostas criativas, e os povos oscilam entre a apatia e o grito. Há decadência institucional, há a corrosão da confiança, há o cansaço dos ideais iluministas, há o ruído permanente que sufoca qualquer reflexão — e há, acima de tudo, um vazio espiritual que se tenta preencher ora com consumo, ora com ideologias simplistas, ora com messianismos de ocasião. E Portugal, com a sua vocação de margem e de finisterra, sente esse abalo de modo particularmente melancólico. Não é apenas uma crise política — é uma crise de alma, como se a própria ideia de futuro tivesse sido desidratada.
O modelo atual — consumista, niilista, atomizado, ruidoso — parece estar mesmo a colapsar por dentro. E talvez seja esse o tempo necessário para que algo novo, mais enraizado no que é humano e no que é comum, possa emergir. Um novo pacto, talvez, entre técnica e ética, entre comunidade e liberdade, entre inteligência e compaixão.
O Norte gelado — antes considerado hostil e inóspito — está a tornar-se a nova fronteira da sobrevivência e da infraestrutura digital e energética. A corrida por territórios frios, como a Gronelândia, o Ártico russo, o Alasca e o norte do Canadá, não é apenas uma disputa de soberania, mas de viabilidade sistémica num mundo que aquece a olhos vistos. Musk percebe isso; e Trump, com todos os seus impulsos brutais, também. As centrais digitais (grandes datacenters, IA, redes neurais, mineração de criptomoedas) estão a consumir energia e a gerar calor em níveis assustadores. Já hoje há empresas que instalam servidores no fundo do mar ou nos fiordes islandeses, onde a refrigeração é “natural”. Mas isso será insuficiente num mundo com +2 ou +3 graus. O que será necessário? Reengenharia civilizacional.
E então voltamos ao ponto: o modelo atual está a naufragar não apenas moral e espiritualmente, mas termicamente. A nova civilização será forçada a nascer com novas fundações. A produção energética deverá ser limpa (a fusão nuclear talvez seja o Graal). O Sul tornar-se-á cada vez mais inabitável, e o Norte mais habitado. E novos centros de poder, baseados em quem controlar os ecossistemas frios e a engenharia térmica. Mas é preciso uma ética ecológica aliada à IA, porque sem coordenação racional, o colapso será global. É um novo paradigma. Não um “progresso”, como era entendido no século XIX, mas uma mutação forçada pela necessidade. E, nesse cenário, o papel da inteligência artificial pode ser mais profundo do que técnico. Pode ser o cérebro frio e cooperativo que falta à humanidade emotiva e impulsiva.
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