terça-feira, 24 de agosto de 2021

A organização cerebral no sentido da identidade



Os neurocientistas vêm-nos surpreendendo todos os dias com os seus estudos do cérebro. Surpreendem com a afirmação de que algumas das nossas lembranças talvez nunca tenham existido. Aquela violação que revivo com angústia sem que tenha acontecido, a viagem a uma cidade que não fiz e de que recordo ter conhecido aquela estátua do homem a cavalo no centro de uma praça, quando afinal são dois cavalos com um homem de pé ao lado de cada cavalo nos extremos de uma praça. Tudo isto pode resultar de histórias contadas por outras pessoas e ouvidas: avós, primos e tios, bons contadores de histórias. Fotografias de livros ou álbuns de família folheados repetidas vezes e acompanhadas de sentimentos, emoções ou sonos acorados de grande intensidade afetiva.

Assim, incidentes e recoleções de todas estas memórias vividas sobretudo na infância – em que a maturação cerebral é ainda insuficiente para consolidação – são suficientemente fortes para serem reconstruídas de forma a condicionar, por exemplo, o sentido da identidade da pessoa. Tudo isso devido a experiências de vida traumáticas que também podem ter sido vividas na fase de vida já adulta. Mas memórias de uma vida que nunca se viveu.

A nossa memória reconfigura-se ao longo da vida, podendo integrar dados inexatos, ou mesmo inexistentes. Da descoberta da remodelação natural da memória à indução artificial de uma remodelação controlada é um passo que as neurociências poderão franquear… no bom sentido, obviamente, de ajudar aquelas pessoas infelizes, por exemplo, as que hoje se dizem serem “trans”, por não reconhecerem o sexo do seu corpo, ou seja, por não coincidir com o género que sentem ser o seu.


É claro que este conhecimento sobressalta muita gente, porque naturalmente será também aproveitado por mentes perversas para a feitura do mal através de manipulações da mente de outras pessoas para outros fins, sejam eles de ordem política, sem de ordem criminal. A invasão e devassa desse discreto e furtivo reduto pessoal, íntimo e único, absolutamente privado e totalmente inacessível a outrem, que vai agora sendo descoberto e exposto ao olhar exterior como à mão humana, tornando-se proporcionalmente vulnerável. É que a memória, histórica e ficcional, formata a nossa identidade, seja singular ou coletiva, pelo que qualquer ingerência externa se pode converter em desvirtuamento ou mesmo perversão da identidade.

Hoje trabalha-se intensamente na produção de neuro-implantes, dispositivos diretamente ligados ao cérebro de uma pessoa, que deverão produzir efeitos análogos aos procurados pelos psicostimulantes, mas de forma mais eficaz, intensa e controlável. Os potenciais benefícios terapêuticos já estão a beneficiar muita gente, de que a doença de Parkinson é o exemplo mais visível há já alguns anos a esta data. Mas também com bons resultados nos casos de adicção – vícios ou dependência do consumo regular de uma determinada substância (álcool, tabaco, medicamento, heroína, etc.) ou da prática constante de uma dada atividade –, legítimos na convergência entre as alterações que se inscrevem no amplo e dinâmico conceito de restauração de um normal funcionamento e as conceções subjetivas de bem-estar (existindo doentes psiquiátricos que recusam medicação invocando a preservação da sua identidade). Entretanto, os neuro-implantes deverão permitir não só reforçar capacidades existentes, mas também criar novas.
«Pus-me, então a pensar o que seria hetero-cis-normativo. Ora, normativo, quer dizer ser norma tal comportamento; heterossexual significa ter, como explica o Mauro, relacionamentos afetivos e sexuais com alguém do sexo oposto (eu preferiria dizer diferente, porque oposto reduz bastante a possibilidade dos relacionamentos sexuais);
Visto assim, a coisa é muito simples. Devemos combater o cis, em nome do trans; o hetero, em nome do homo; e a norma, em nome da exceção. Fiquei elucidado de vez com a questão, e percebo por que motivo um homem de barba dura e com o braço tatuado ‘Guiné — 1964 — Amor de Mãe’ pode chamar-se Isaltina e ir à casa de banho das senhoras (caso elas sejam todas hétero e cis e isso tudo).» [Comendador Marques de Correia]

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