sábado, 28 de agosto de 2021

Suhaila Siddiq


Várias associações de mulheres foram criadas depois da queda dos Taliban em 2001. Mesmo durante o regime Taliban havia associações organizando escolas secretas para raparigas, para orientar mulheres sobre higiene, ou dando cursos de alfabetização. A grande heroína, do tempo do Taliban, era a Ministra da Saúde de Karzai - Souhaila Siddiq -, a única mulher no Afeganistão com o título de 'generala afegã'. Ela manteve o ensino de medicina para as mulheres e conseguiu reabrir a ala feminina do hospital onde trabalhava, depois de ter sido fechada pelos Taliban.

Nesta foto, vê-se ao centro, Suhaila Siddiq, a outra mulher é Habiba Sorabi, aquando de uma reunião de ministros do Afeganistão com George W. Bush, na Sala Oval da Casa Branca, em 24 de julho de 2002.
Suhaila Siddiq [1949-2020] referida como "General Suhaila", foi Ministra da Saúde do Afeganistão de dezembro de 2001 a 2004. Antes disso, ela trabalhou como cirurgiã-geral no exército do Afeganistão. Suhaila Siddiq foi uma das poucas líderes do governo no Afeganistão, e é a única mulher na história do Afeganistão a ter o título de tenente-general. Trabalhou para o governo do Afeganistão desde o reinado de Mohammed Zahir Shah, rei do Afeganistão que reinou de 1933 a 1973. Nasceu em Cabul de uma família Pashtun, tendo seu pai sido governador de Kandahar. Estudou na Universidade Médica de Cabul, mas concluiu os seus estudos médicos em Moscovo, na então União Soviética.

Durante o governo de Mohammad Najibullah (1987-1992), Siddiq chefiou o serviço de Cirurgia Geral do Hospital de Cabul. Função que exerceu antes do tempo dos Taliban, no tempo dos Taliban, e depois. Sob os Taliban, ela manteve a instrução da medicina para as mulheres, e conseguiu reabrir a secção feminina do hospital onde trabalhava, que havia sido fechado pelos Taliban.

Foi assim que Siddiq se fez respeitar por toda a gente, incluindo as feministas. Tanto ela como sua irmã Sidiqa, que era professora no Instituto Politécnico de Cabul, se recusaram a usar a burca. Poucas afegãs o ousaram fazer. Ela é citada como tendo dito: “Quando a polícia religiosa veio com as suas bengalas levantando os braços para me bater, eu ripostei, levantando também o meu pau. Então eles baixaram os braços, e me deixaram ir.” Mas, mesmo Suhaila, raramente saía durante o regime Taliban. Ela era levada de carro para o hospital todas as manhãs, embrulhada num xaile preto que sempre usava, e trazida de volta à noite.




Uma associação de mulheres tentou organizar uma passeata na semana seguinte à queda dos talibans. As mulheres se reuniram, de salto alto e chinelos, numa esquina em Mikrorayon para entrar na cidade. A maioria se atreveu a tirar a burca da cabeça, mas as autoridades puseram fim à passeata, alegando não poderem garantir a segurança das mulheres. Todas as vezes que tentaram foram impedidas. Mas depois as escolas para raparigas foram reabertas, entraram nas universidades e algumas conseguiram os seus empregos de volta. Foi lançada uma revista semanal, feita por e para mulheres, e Hamid Karzai não deixou escapar nenhuma oportunidade de falar sobre os direitos femininos.

Um dia, em junho de 2002, várias mulheres se destacaram durante a assembleia legislativa. As que falaram mais livremente foram ridicularizadas pelos homens de turbantes na sala, mas não desistiram. Uma delas, ao exigir um Ministro da Defesa do sexo feminino, recebeu muitas vaias. Quer dizer, para a maioria das mulheres anónimas, pouco mudou. Nas famílias, a tradição é tudo: são os homens que decidem. Apenas uma minoria das mulheres de Cabul largou a burca, e a maioria nem sabe que suas ancestrais, mulheres afegãs do século passado, desconheciam esse traje. Foi durante o regime do rei Habibullah, entre 1901 e 1919, que a burca foi introduzida. Ele impôs às duzentas mulheres do seu harém o uso da burca, para que não tentassem outros homens com os seus belos rostos quando saiam para fora dos portões do palácio. 

O véu que cobria tudo era de seda com bordados elaborados, e as princesas de Habibullah tinham até burcas bordadas com fios de ouro. Assim, virou um traje para a classe alta, para protegê-las dos olhares do povo. Nos anos 1950, o uso da burca já estava difundido no país inteiro, principalmente entre os ricos. A burca também tinha opositores. Em 1959, o primeiro-ministro, o príncipe Daoud, chocou o país ao aparecer na comemoração do dia da pátria com a esposa sem a burca. Ele tinha persuadido o irmão a deixar a sua fazer o mesmo, e pediu aos ministros também que o fizessem com as suas mulheres. Fora com as burcas. Já no dia seguinte podiam-se ver várias mulheres nas ruas de Cabul vestidas com sobretudos, óculos de sol e um chapeuzinho. Mulheres que antes andavam totalmente cobertas. Já que o uso da burca tinha começado nas esferas mais altas da sociedade, foram elas a abandoná-lo primeiro. O vestuário, porém, havia-se tornado um símbolo de status entre os pobres, e muitas empregadas e criadas jovens passaram a usar as burcas de seda de suas patroas.

Primeiro, foram apenas os Pashtun reinantes que cobriam suas mulheres, mas depois outros grupos étnicos começaram a usar o traje. Mas o príncipe Daoud queria banir a burca do Afeganistão. Em 1961, foi criada uma lei que proibia o seu uso por funcionárias públicas. Foram aconselhadas a se vestir no estilo ocidental. Levou vários anos para que a lei fosse seguida, mas na Cabul dos anos 1970 praticamente não havia uma Professora ou Secretária de Estado que não andasse de saia e blusa, enquanto os homens vestiam fatos à moda ocidental. No entanto, por vezes, as mulheres sem burca corriam o risco de levar um tiro numa perna, vinda de um qualquer fundamentalista, ou até de ser agredida com ácido na cara. A verdade é que, quando veio a guerra civil, as mulheres rapidamente passaram a andar na rua cobertas. Com os Taliban, todos os rostos de mulher desapareceram das ruas de Cabul.




Como ministra, em abril de 2002, Suhaila Siddiq supervisionou a vacinação de cerca de 6 milhões de crianças afegãs contra a poliomielite sob o patrocínio da Organização Mundial da Saúde. E em julho de 2002 acordou com uma delegação chinesa a reabilitação do Hospital com tudo o que havia de mais moderno.

Suhaila Siddiq viveu a vida toda no Afeganistão. Ela nunca se casou alegando a sua total dedicação à sua profissão, sem tempo para um marido. Mas também dizia: "Eu não me casei porque não queria receber ordens de um homem".

Suhaila Siddiq morreu em Cabul, em 4 de dezembro de 2020, com 71 anos, devido à Covid-19. Pouco tempo antes, havia sido diagnosticada a doença de Alzheimer.

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