Ainda é recente, a ideia de começar a pensar na possibilidade de abordar e problematizar as questões de género em ciência e tecnologia tendo em vista formar novas gerações de cientistas conscientes do problema: de todos e para todos. Por exemplo, um laboratório de Neurobiologia no Brasil apresenta o projeto: “Desconstruindo estereótipos: por uma sociedade justa e igualitária”. É dirigido a cursos em formação de modo a ser feito um enquadramento das influências da “ameaça pelo estereótipo” na formação pessoal e institucional. Um projeto que teve início em 2016.
«Enquanto almoçávamos, todos juntos à mesa, íamos conversando de tudo e de nada. Até que veio à baila a velha guerra: entre a cultura das ciências duras ou matemáticas; e a cultura das ciências moles ou humanísticas. A dada altura, o Zé Maria, para se fazer entender melhor, rapou de um guardanapo de papel e começou a escrevinhar umas equações. Ele estava a exemplificar o clássico pensamento consciente e deliberado do cientista de bancada. Neste caso, a sua bancada não era a bancada de um estádio de futebol, mas a sua bancada de trabalho, onde ele tem o Microscópio Eletrónico, e atrás da cadeira onde ele se senta, está uma lápide na parede com a seguinte inscrição, que dizem ser da autoria de Abel Salazar: "Quem só sabe medicina, nem de medicina sabe".»
Muitas teóricas culturais estão inclinadas a pensar que os seus pontos de vista, como filosóficos, políticos, religiosos e assim, são razoáveis, e que aqueles que discordam delas são também razoáveis. Elas querem ser tolerantes e inclusivas. É como se dissessem: “Eu sou da mesma opinião e da contrária se for preciso”. Ora, não parece razoável pensar que as suas crenças são justificadas da mesma maneira como as concorrentes, na base da mesma evidência. A isso chama-se Relativismo Cultural. Assim, o Relativismo Cultural é a ideia de que todas as ações são corretas ou incorretas consoante são consideradas corretas ou incorretas numa dada cultura. Quem se opõe ao relativismo argumenta que as ações serem corretas ou incorretas não depende do que um dado grupo de pessoas pensa, porque então seria impossível defender a universalidade da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pelas Nações Unidas no dia 10 de dezembro de 1948. O Relativismo Cultural é incompatível com a ideia de direitos humanos universais.
É um erro confundir o Relativismo Cultural com o respeito pela diversidade cultural. Muitas pessoas defendem que devemos respeitar as culturas alheias, e consideram que no passado os europeus e outros povos cometeram o erro moral de não respeitar as culturas alheias, impondo à força os seus padrões e classificando as culturas alheias como selvagens, ou primitivas, ou incivilizadas. E essas pessoas pensam que para defender este respeito pelas culturas alheias temos de defender o Relativismo Cultural. Mas isto é uma confusão. Há uma grande diferença entre respeitar costumes que não têm relevância ética, e respeitar costumes que têm relevância ética (escravatura, discriminação ou violação de mulheres e crianças, etc.). Deve-se falar em respeito e compreensão por culturas alheias, em vez de tolerância, porque o termo tolerância presta-se para equívocos. É o que se passa com o Relativismo Cultural, uma enorme incompreensão do que significa tolerância e intolerância. Nada de problemático se a tolerância significar que determinadas pessoas têm o direito de viver à sua maneira, desde que não prejudiquem o Outro (o Próximo), apesar de nós termos o direito de discordar dessa forma de vida. Só um certo tipo de ignorância ou arrogância poderá fazer alguém pensar que o seu código é que está certo e todos os outros é que estão errados. Há relativistas que chegam ao ponto de dizer que quem rejeita o Relativismo é ignorante. Os relativistas defendem que não há padrões de uma ética universal, que a ética é relativa à cultura. É a tese da diversidade cultural, em que há diferentes códigos de comportamento conforme as culturas. O que torna o Relativismo Cultural tão apelativo é o facto de não o podermos verificar empiricamente. Não é possível verificar empiricamente se torturar crianças por prazer é permissível. É, pois, incoerente pensar que se não podemos fundamentar a ética empiricamente, então pode valer tudo em ética. Não é levada em conta a razão e a nossa capacidade argumentativa para chegar a domínio normativo das melhores regras de conduta. Ora, a objetividade dos nossos juízos resulta da discussão aberta e livre de acordo com preceitos de probidade intelectual.
Assim, a procura de justificações em ética não é a procura de factos que justifiquem automaticamente os nossos juízos éticos. A justificação é muito mais complexa do que isso. No entanto, isto não significa que a justificação em ética deva desprezar os factos. Por exemplo, um facto crucial quando se tortura crianças é que as crianças sofrem e querem escapar desse sofrimento. Este facto é crucial porque exige uma justificação para não atender ao seu sofrimento nem à sua preferência. Se alguém está a torturar uma criança por prazer, e presume que que há algo que torna as suas preferências mais importantes do que as preferências da criança, é porque é um monstro. Perante a diversidade de comportamentos tidos como morais em diferentes sociedades, devemos perguntar que razões há a favor ou contra tais comportamentos. E a procura dessas razões não pode ser meramente a reafirmação dos preconceitos culturais da nossa própria cultura. É preciso procurar essas razões com probidade epistémica, procurando genuinamente saber que razões há para aceitar ou rejeitar que um dado comportamento é imoral. A cada passo temos de ver se não estamos a fazer confusões ou apenas a defender o que nos interessa defender, por qualquer motivo claramente injustificável.
Diz-se que Gayle Rubin é um torcedor de realidades, ao fazer um entorse no seu pensamento para satisfazer a sua Teoria queer. Queer refere-se a qualquer coisa fora dos "binários". A característica central da Teoria queer é resistir à categorização e às definições funcionais baseadas no que se faz. Numa tradução livre, uma pessoa queer é uma pessoa fora do vulgar, singular, que não encaixa no normativo.
Durante estas duas décadas do século XXI, percebemos que novos sujeitos passaram a desenvolver o conceito de 'campo' que Bourdieu chamou para entender a sociedade e a educação de forma geral. Os estereótipos aplicados a determinados grupos influenciam a nossa maneira de pensar, de onde decorrem as produções das várias identidades. Importa perceber o grau desta influência na contaminação do desempenho académico. O que pode ser feito para reverter o quadro do baixo desempenho das minorias no domínio académico? Tomemos então a ciência como uma construção social, cultural e histórica e avaliemos a relação entre poder e o saber. Foi nesse sentido que Michel Foucault trabalhou as suas ideias em rotura com as oposições binárias. No caso que mais o interessou: a relação entre dominantes e dominados. O entendimento da ciência como uma construção social e histórica através do poder nos remete a pensar sobre o que conhecer, como, porquê e quais as formas de se produzir conhecimento. Além disso, entender a ciência como uma “grande narrativa” enfatiza o papel essencial da linguagem na produção dos discursos sobre a ciência, e sobre o que a mesma deve e pode fazer assim como os sujeitos que podem vir a fazer ciência de modo a articular poder e saber no campo da ciência moderna orientada pelos "novos estudos". No seu ensaio germinal "As Palavras e as Coisas" Foucault fez as palavras perderem grande parte do seu valor. Esse é um dos problemas verificado nas últimas décadas que acarretou consigo a destruição do 'sentido': sentido da Vida; sentido do Verbo. Com Foucault, as noções de Verdade foram de tal forma atacadas que se tornou difícil discutir toda a tradição filosófica da era moderna.
Judith Butler, que na década de 1990 não podia sequer ouvir falar em essencialismo biológico, argumentou extensivamente que 'género' e 'sexo' são coisas completamente distintas, e que não há correlação necessária entre os dois conceitos. Para Butler, enquanto o género é uma construção social, uma afirmação feita principalmente através do seu conceito mais conhecido: "performatividade de género"; o sexo é um determinismo biológico. Esta é uma ideia notavelmente trabalhada no seu livro de 1933 – "Bodies that matter: On the discursiv limits of sex".
Ora, isto chegou a um ponto extremo, em que a convenção binária fosse conotada com o simbolismo do armário. Nunca se entra ou sai totalmente do armário. As relações do armário, as relações entre o conhecido e o desconhecido, o explícito e o implícito, em torno da definição homo/ heterossexual, potencializaram outros atos de fala. Ou seja, o estatuto da heterossexualidade não fazia sentido estar acima da homossexualidade. Era esse o problema, a subordinação da homossexualidade à heterossexualidade. A universalidade, tão cara à modernidade, havia-se tornado, afinal, incompatível com o movimento LGBT.
Para além dos problemas que a recente lei húngara veio trazer às lideranças da União Europeia, e que indignou liberais e democratas em toda a Europa pelo atentado que essa lei faz aos Direitos Humanos, o problema mais chocante é a equivalência que faz entre a homossexualidade e a pedofilia. Como sabemos, a pedofilia é criminalizável com penas pesadas, ao passo que a homossexualidade constitui um direito, uma liberdade e não um crime. Por isso, o que fez o líder da Hungria é absolutamente condenável, assim como é bom que a comunidade LGBTQI+ tenha bem presente que os liberais os defendem, não pela qualidade do que são, mas porque defendem todos os indivíduos, todos os seres humanos, aplicando apenas três ressalvas: que não prejudiquem os outros; que não sejam intolerantes; e que não sejam prosélitos em relação às suas teorias ou doutrinas, como se de um dogma religioso se tratasse. O que está em causa são: os direitos universais, aplicados a todos os seres de forma igual e tão justa quanto possível; e não direitos particulares ou de grupo.
O conceito de que o pensamento é uma realidade independente do corpo é em si mesmo um preconceito fora da realidade. O pensamento é uma realidade material determinada pelas necessidades do próprio corpo. Há consciência porque há interação num contexto material. E é da contingência material e do contexto social que adquirimos uma identidade. Só podemos saber quem somos em contexto social. O nosso cérebro é como um computador gigante em que a maior parte do seu trabalho é feito sem que saibamos. Não temos consciência do trabalho dele. Tudo é feito de forma silenciosa para que possamos fazer o que é preciso fazer, seja por necessidade, seja por divertimento.
Ao cientista, o dilema coloca-se quando os factos e os dados colidem com a sua intuição. Enquanto a intuição é praticamente instantânea, o método científico é iterativo. Na realidade, não é apenas o cientista, mas qualquer pessoa adulta: confiamos somente na tomada consciente de decisões. Mas em situações críticas, em que não há tempo para decidir, ainda assim, muitas vezes, a nossa salvação está em termos tomado decisões intuitivamente. Não seria possível se tivéssemos de tomar a decisão de forma cautelosa e deliberada. Os especialistas, muitas vezes, ficam cegos em relação aos seus métodos. Ou seja, confiam incondicionalmente demais neles. Os jovens cientistas estabelecem nos primeiros anos da sua especialidade uma relação apaixonada. E num estado de paixão não somos capazes de a questionar. É daqui que surge o dilema: devemos confiar nos nossos instintos que podem ser falíveis? Como nos devemos precaver em relação a conclusões precipitadas? A matemática claramente é muito entusiasmante para qualquer cientista por lhe facilitar a argumentação através de equações e algoritmos.
Sem comentários:
Enviar um comentário