As 'guerras da ciência' começaram quando os cientistas repararam que os sociólogos e historiadores da ciência pareciam empenhar-se em apagar muito do brilho da própria atividade científica. À boa maneira relativista, sociólogos, historiadores e críticos culturais puseram entre parêntesis as afirmações de objetividade e de verdade da ciência e encararam a ciência com um espírito puramente antropológico.
Alguns filósofos contemporâneos, com Richard Rorty em destaque, acreditando dar voz a uma tradição que remonta a Dewey e a Wittgenstein, pensaram que a única resposta a esta tese seria uma espécie de 'ironia' ligeira, um descomprometimento quanto a questões que, um dia, se podiam vir a revelar não ter valido a pena levar a sério. Ao contrário do relativista, a atitude mental do cético tem-se revelado, muitas vezes, mais merecedora de admiração. Contudo, o ceticismo tem as suas limitações.
Willard Van Orman Quine foi provavelmente o filósofo mais importante no campo da 'teoria do conhecimento' da segunda metade do século XX. Concebeu uma teoria subtil, original e abrangente acerca do verdadeiro processo através do qual a experiência se transforma em teoria. Quine sabia que nenhum dos caminhos que levam ao conhecimento é simples, infalível ou imune a infindáveis revisões e questionamentos. Nem os sentidos, nem o testemunho indireto, nem a história, nem a teoria nem a própria razão nos proporcionam terreno firme. Para usar a sua metáfora favorita, citada do positivista Otto Neurath, "somos como marinheiros condenados a reconstruir os nossos barcos em alto mar". Nenhuma das partes do barco é imune ao apodrecimento (engano que cede ao exame crítico). Cada tábua da embarcação está sujeita a ter de ser substituída. Mas para a substituir em alto mar, temos de nos apoiar nas outras partes enquanto fazemos isso. A única maneira racional de proceder no avanço do conhecimento: descobrir aquilo que funciona, e alterar aquela parte da nossa herança científica que não funciona tão bem. E mudar, tão cuidadosamente quanto possível, para que as experiências recalcitrantes que a natureza atravessa no nosso caminho, possam encaixar no que já existe. Este é o modo de proceder da ciência, com o seu modo de trabalhar, observando e experimentando, de conjetura em conjetura, de refutação em refutação, sempre num debate aberto, sem peias nem preconceitos.
Willard Van Orman Quine foi provavelmente o filósofo mais importante no campo da 'teoria do conhecimento' da segunda metade do século XX. Concebeu uma teoria subtil, original e abrangente acerca do verdadeiro processo através do qual a experiência se transforma em teoria. Quine sabia que nenhum dos caminhos que levam ao conhecimento é simples, infalível ou imune a infindáveis revisões e questionamentos. Nem os sentidos, nem o testemunho indireto, nem a história, nem a teoria nem a própria razão nos proporcionam terreno firme. Para usar a sua metáfora favorita, citada do positivista Otto Neurath, "somos como marinheiros condenados a reconstruir os nossos barcos em alto mar". Nenhuma das partes do barco é imune ao apodrecimento (engano que cede ao exame crítico). Cada tábua da embarcação está sujeita a ter de ser substituída. Mas para a substituir em alto mar, temos de nos apoiar nas outras partes enquanto fazemos isso. A única maneira racional de proceder no avanço do conhecimento: descobrir aquilo que funciona, e alterar aquela parte da nossa herança científica que não funciona tão bem. E mudar, tão cuidadosamente quanto possível, para que as experiências recalcitrantes que a natureza atravessa no nosso caminho, possam encaixar no que já existe. Este é o modo de proceder da ciência, com o seu modo de trabalhar, observando e experimentando, de conjetura em conjetura, de refutação em refutação, sempre num debate aberto, sem peias nem preconceitos.
Quine estava, em parte, em sintonia com as ideias pragmatistas do americano C. S. Peirce, famoso pela (muito criticada) definição de verdade: "o progresso da ciência está destinado a convergir a longo prazo". Mas o longo prazo é apenas um ponto imaginário num horizonte futuro. Existe a garantia de que o processo produzirá melhoramentos em cada um dos seus passos. É por acreditar neste processo que Quine não é considerado um cético.
Há, contudo, um lugar onde entra em ação um conjunto de processos diferente. Peirce e Quine têm talvez tendência para descrever a ciência como um tipo de atividade fechada sobre si mesma, procedendo segundo uma lógica interna e não precisando de auxílio do que está à sua volta. Mas é da maior importância perceber que isto é falso, e falso em muitos aspetos. A razão mais óbvia pela qual é falso é que a ciência institucional necessita de apoio. Necessita de tempo para a investigação, o que por sua vez exige investimento. É falso também porque todo o processo darwinista só funciona na condição de existirem as virtudes da integridade, da comunicação, da tolerância e da abertura de espírito. A ciência apenas pôde florescer quando a religião perdeu o poder de reprimir essas virtudes, e não é ainda capaz de florescer onde a religião ou outras forças mantêm esse poder. Por outras palavras, a ciência necessita de toda uma matriz cultural e política na qual possa desenvolver-se adequadamente. E nada nessa matriz pode ser dado como garantido.
Vemos pequenos exemplos disto em áreas específicas da atividade científica, sendo a este respeito a medicina a mais notória. O sábio, como nos ensinou David Hume, confere uma fé apenas académica a qualquer relato que seja favorável às paixões de quem relata. Poucos de nós se deixaram enganar quando a Associação Americana de Psiquiatria votou para transformar a maldade numa doença, inventando para esse efeito a disfunção resultante do défice de atenção, e abrindo assim caminho para que se receitasse a uma em cada sete crianças do país, uma droga dura do grupo das anfetaminas.
Cientistas, como Carlos Fiolhais, dizem que se perdeu confiança no Iluminismo. É bastante comum ver intelectuais declarar, como se fosse um facto consumado, que o projeto iluminista foi tentado e falhou. Mas nunca houve apenas um projeto iluminista. Muitos houve que foram bem-sucedidos, para além das esperanças mais irrealistas dos seus proponentes. O Iluminismo proporcionou a matriz de que falei, na qual projetos científicos puderam florescer. Ora, o nosso entendimento do mundo é melhor devido à física. O nosso entendimento de nós próprios é melhor devido à biologia. Vivemos mais tempo, alimentamo-nos melhor, e o “nós” inclui não apenas as pessoas dos países do primeiro mundo, mas também inúmeras pessoas do terceiro mundo. Cuidamos melhor do ambiente, e a seu tempo iremos gerir melhor o crescimento populacional. Fora das teocracias do Médio Oriente, mais pessoas usufruem de mais tipos de liberdade e de mais ensino, de mais oportunidades e talvez também de mais direitos do que alguma vez antes usufruíram. Devemos este progresso inteiramente à cultura forjada, no Ocidente, por Bacon e Locke, Hume e Voltaire, Newton e Darwin. O Humanismo é a crença de que a humanidade não precisa de se envergonhar de si própria. E estes são os seus grandes exemplos. Eles mostram-nos que não temos de considerar o conhecimento uma coisa ímpia, nem que a ignorância seja benfazeja. Não precisamos de olhar para a "fé cega" como outra coisa que não cega.
Há, contudo, um lugar onde entra em ação um conjunto de processos diferente. Peirce e Quine têm talvez tendência para descrever a ciência como um tipo de atividade fechada sobre si mesma, procedendo segundo uma lógica interna e não precisando de auxílio do que está à sua volta. Mas é da maior importância perceber que isto é falso, e falso em muitos aspetos. A razão mais óbvia pela qual é falso é que a ciência institucional necessita de apoio. Necessita de tempo para a investigação, o que por sua vez exige investimento. É falso também porque todo o processo darwinista só funciona na condição de existirem as virtudes da integridade, da comunicação, da tolerância e da abertura de espírito. A ciência apenas pôde florescer quando a religião perdeu o poder de reprimir essas virtudes, e não é ainda capaz de florescer onde a religião ou outras forças mantêm esse poder. Por outras palavras, a ciência necessita de toda uma matriz cultural e política na qual possa desenvolver-se adequadamente. E nada nessa matriz pode ser dado como garantido.
Vemos pequenos exemplos disto em áreas específicas da atividade científica, sendo a este respeito a medicina a mais notória. O sábio, como nos ensinou David Hume, confere uma fé apenas académica a qualquer relato que seja favorável às paixões de quem relata. Poucos de nós se deixaram enganar quando a Associação Americana de Psiquiatria votou para transformar a maldade numa doença, inventando para esse efeito a disfunção resultante do défice de atenção, e abrindo assim caminho para que se receitasse a uma em cada sete crianças do país, uma droga dura do grupo das anfetaminas.
Cientistas, como Carlos Fiolhais, dizem que se perdeu confiança no Iluminismo. É bastante comum ver intelectuais declarar, como se fosse um facto consumado, que o projeto iluminista foi tentado e falhou. Mas nunca houve apenas um projeto iluminista. Muitos houve que foram bem-sucedidos, para além das esperanças mais irrealistas dos seus proponentes. O Iluminismo proporcionou a matriz de que falei, na qual projetos científicos puderam florescer. Ora, o nosso entendimento do mundo é melhor devido à física. O nosso entendimento de nós próprios é melhor devido à biologia. Vivemos mais tempo, alimentamo-nos melhor, e o “nós” inclui não apenas as pessoas dos países do primeiro mundo, mas também inúmeras pessoas do terceiro mundo. Cuidamos melhor do ambiente, e a seu tempo iremos gerir melhor o crescimento populacional. Fora das teocracias do Médio Oriente, mais pessoas usufruem de mais tipos de liberdade e de mais ensino, de mais oportunidades e talvez também de mais direitos do que alguma vez antes usufruíram. Devemos este progresso inteiramente à cultura forjada, no Ocidente, por Bacon e Locke, Hume e Voltaire, Newton e Darwin. O Humanismo é a crença de que a humanidade não precisa de se envergonhar de si própria. E estes são os seus grandes exemplos. Eles mostram-nos que não temos de considerar o conhecimento uma coisa ímpia, nem que a ignorância seja benfazeja. Não precisamos de olhar para a "fé cega" como outra coisa que não cega.
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