Finalmente chegou o dia em que Walter e os seus homens aterraram de paraquedas a 30 Km do local onde estavam Margaret Hastings, Kenneth Decker e John McCollom. Cansados após tanto esforço, deitaram-se e mergulharam num sono profundo. Na manhã seguinte tomaram o café e esperaram pelo avião de suprimentos. Mas o avião não apareceu. Desmontaram o acampamento e iniciaram a marcha, acreditando que tinham conseguido comunicar aos guias para onde queriam ir. Mas não foi isso que aconteceu. Após uma fatigante jornada de 20 Km, Walter e os seus homens ficaram espantados quando se encontraram de volta ao ponto de partida. «Eles não entenderam que nós queríamos subir até ao local dos destroços, e não voltar para o acampamento.»
Sem que Walter soubesse, os líderes das tribos ao longo da rota que ia do acampamento base, em Wosi, até à serra de Ogi, onde o avião caíra, haviam deixado de lado as suas tradicionais inimizades. Foi isso que permitiu a segurança deles. O líder de Uwambo havia-lhes dito que não os matassem porque eram espíritos, não eram humanos. Se não fosse a “maga”, os seis soldados adormecidos poderiam ter sido emboscados e massacrados por centenas de guerreiros armados com lanças, que um chefão regional poderia convocar em um piscar de olhos. Mas nem todos concordaram com a maga. Limites territoriais bem-definidos estavam profundamente arraigados entre os habitantes do vale, e alguns deles não digeriam bem a ideia de que estrangeiros andassem por suas terras. Walter e seus homens foram recebidos com hostilidade quando se aproximavam de algumas aldeias à medida que caminhavam em direção ao acampamento dos sobreviventes.
Naquele dia, pouco antes do almoço, o avião de suprimentos lançou o carregamento de provisões, bem como alguns livros e revistas. Ao recolherem a carga, os paraquedistas encontraram suprimentos para a difícil tarefa de enterrar os mortos. Eram vinte e uma placas de identificação acompanhadas por vinte cruzes e uma estrela de David de madeira. Os militares acreditavam que as vítimas do desastre se constituía de dezesseis protestantes, quatro católicos e uma WAC judia, a sargento Belle Naimer, do Bronx, cidade de Nova York. Somente muito mais tarde os militares descobriram que uma segunda estrela de David deveria ter sido lançada, para a cabo Mary Landau, do Brooklyn, também um bairro de Nova York.
No domingo, dia 27 de maio de 1945, duas semanas após o desastre, Walter acordou às sete da manhã, comeu um farto pequeno-almoço e se encaminhou até aos destroços acompanhado por cinco sargentos. Seguindo as detalhadas indicações de McCollom, eles tentaram fazer o caminho inverso efetuado pelos sobreviventes. Nesse dia, três longos dias após ter recebido o telegrama inicial informando o desaparecimento de Margaret, Patrick Hastings recebia uma carta do Exército a dizer um relatório atualizado indicava que sua filha afinal tinha sido encontrada ferida do acidente de avião, mas que estava a salvo, em vez de desaparecida em ação, como foi informado anteriormente. A carta prometia notícias frequentes sobre as operações de resgate e as condições de saúde de Margaret.
Quando eles entraram na área onde o avião derrubara as árvores e cavara um buraco no manto de vegetação, McCollom ficou para trás. Ele já vira o bastante. Não precisava ver os restos mortais de seu irmão; nem os de seu comandante, o coronel Peter Prossen; nem os de seus amigos, colegas e companheiros de voo. Mais tarde, naquela noite, McCollom confiou nos relatórios dos paraquedistas, para descrever a situação a Walter. Apenas três corpos foram identificados.
Ao narrar os acontecimentos do dia, o tom do diário de Walter se modificou. Ele e seus homens haviam saltado no vale antegozando a aventura de uma missão de resgate. Agora que estavam em um serviço fúnebre, a trágica realidade o atingiu. Sem dúvida era o avião mais completamente queimado que ele já vira. Após cobrirem os corpos, Walter e seus homens fincaram as cruzes e a estrela de David na terra húmida, envolvendo cada uma com uma placa de identificação. Esse trabalho os ocupou até ao fim da tarde, quando o sol já começava a se pôr e seus raios se refletiam nas encostas das montanhas. A névoa noturna já começava a se infiltrar na floresta. A equipa incumbida do funeral retornou, então, ao acampamento, parando no meio do caminho para se banhar no riacho. Eles se limparam, mas, sem sabonete e água quente, não conseguiram eliminar de seus uniformes o fedor da morte. Mais tarde, Walter pediu mais uniformes, para que eles pudessem deitar fora as roupas que tinham usado durante o trabalho de sepultamento. Após o banho, os soldados ingeriram um almoço tardio, mas Walter, mergulhado em profundas contemplações, dispensou a refeição. Os habitantes de Uwambo, que cremavam os seus mortos, viram os intrusos fazer repetidas viagens até ao alto da serra de Ogi. Mas nada sabiam sobre as cerimónias fúnebres. Sem nenhum símbolo religioso, eles também não compreendiam o significado das cruzes e da estrela de David.
À medida que Margaret e Decker iam melhorando, os dois enfermeiros obtinham mais tempo livre. Todas as manhãs, após examinar os seus pacientes, visitavam as pessoas de Uwambo. As guerras entre os nativos entraram numa trégua enquanto os sobreviventes e os paraquedistas permaneceram na área que os nativos chamavam de Mundima. Mas os nativos gostavam de demonstrar suas habilidades com o arco e flecha. Certa vez, no entanto, um nativo se tornou alvo de fogo amigo. Doc teve que cuidar de um ferimento causado por uma flecha no tronco do homem. Os cuidados médicos proporcionados por Bulatao e Ramirez os tornaram queridos pelos nativos, que os chamavam de “Mumu” e “Mua”. Walter e os outros paraquedistas também receberam nomes locais, como Pingkong e Babikama, mas que nome pertencia a que homem é uma informação que se perdeu no tempo.
O plano foi posto em prática quase imediatamente. No primeiro teste realizado na ilha Wakde, Samuels voou muito baixo com o Louise Goteira. Ninguém se feriu, mas a fisgada falhou. Pior: a antena de rádio foi arrancada da parte inferior do C-47 e as hélices do avião cortaram a corda de náilon. Após os devidos consertos, Samuels tentou novamente. À segunda tentativa o cabo de aço quebrou, destruindo o guincho. Ninguém foi ferido, mas a substituição do equipamento acarretou mais atraso. À terceira, logo após a fisgada, o cabo de aço no interior do Louise Goteira se rompeu novamente, quando a tripulação tentava puxar o planador. O guincho simplesmente explodiu.
O cabo quebrado chicoteou no interior da cabine do C-47 como uma cobra furiosa, atravessando a parede do compartimento do navegador, e depois atingiu na cabeça o operador do guincho, o primeiro-sargento Winston Howell. O cabo também atingiu as costas do rádio-operador, o sargento Harry Baron. “Uma chuva de alumínio, madeira, vidro e fumaça inundou a cabine”, escreveu Samuels nas memórias que publicou. “Olhei para trás com a intenção de perguntar se a verga estava recolhida, para que pudéssemos aterrar. Tudo o que vi foi todo mundo deitado no chão e muito sangue.” Os ferimentos de Howell e Baron não foram fatais, mas ambos tiveram que ser hospitalizados. Antes que a outra metade do cabo de aço pudesse atingir o Pilha de Lenha, os pilotos Palmer e Allen o desconectaram do avião e fizeram um pouso de emergência. Walter Simmons e os demais passageiros e tripulantes saíram do Waco abalados, mas ilesos.
Alarmado, o coronel Elsmore pediu outro guincho e voou até à ilha de Wakde para supervisionar os trabalhos. Disse a Walter Simmons que se houvesse mais problemas, ele cancelaria a operação com o planador. Enquanto isso, em particular, ressuscitou a ideia de pedir aos Abelhas do Mar que construíssem uma pista de pouso em Shangri-La; demoraria mais que uma pescaria de planador e apresentaria outros problemas, mas ele não teria que se preocupar com a explosão de guinchos, o rompimento de cabos e outros riscos inerentes aos “caixões voadores”.
Após saber do acidente e dos feridos, Walter ficou muito preocupado. Para aumentar o seu nervosismo, havia a necessidade de serem feitas várias viagens para retirar do vale todas as quinze pessoas. Cada viagem aumentava a possibilidade de um acidente grave, um problema, qualquer coisa. Ele ponderou a possibilidade de sair do vale a pé, ou sobre outros meios de sair de lá “caso a pescaria do planador não desse resultado”. Sem dizer nada a Elsmore, Walter fez algumas estimativas aproximadas de quantos homens a mais seriam necessários para que eles montassem uma expedição capaz de enfrentar os caçadores de cabeças, os japoneses escondidos ou ambos os grupos.
Walter sabia que seria tratado como herói quando descesse do primeiro planador como o líder do resgate, ao lado dos três sobreviventes. Uma cobertura jornalística em escala mundial com uma foto dele junto a Margaret, McCollom e Decker — talvez com o coronel Elsmore fixando uma medalha em sua farda — tornaria impossível, para o alto escalão, ignorar seus pedidos de entrar em combate. E quase tão importante: depois da guerra, ele poderia mostrar as histórias e as fotos a seu heroico pai. Walter também sabia que teria apenas uma chance de se beneficiar dos aplausos; poderiam se passar dias antes que a segunda e a terceira pescaria fossem realizadas.
Os Waco tiveram a sua primeira experiência de combate durante a invasão da Sicília, em 1943. Um ano depois, os planadores desembarcaram tropas na Normandia no dia D, embora muitos tenham caído sobre os espigões de madeira com três metros de altura que o general Erwin Rommel mandara espetar nos campos franceses. Uma grande vantagem dos planadores Waco para o transporte de tropas era que o piloto podia parar rapidamente se travasse com força — num espaço 200 metros, mesmo em terreno acidentado. Não era incomum, no entanto, que o planador parasse com o nariz enterrado no chão e a cauda no ar. Alguns chegavam a capotar completamente. Muitos outros erravam a área de aterragem em decorrência de mau tempo, cabos de reboque partidos, erros do piloto e outros percalços.
Segundo a conceção de Palmer, a operação teria início em Hollandia. Um C-47 rebocaria um Waco por 250 Km, até sobrevoar o vale. Depois que o avião atravessasse em segurança a passagem entre as montanhas, o piloto do planador se desconectaria e guiaria o aparelho até ao chão do vale, onde os passageiros embarcariam. A uma altitude tão elevada, pelo menos 1.600 metros acima do nível do mar, o planador não poderia transportar a carga habitual. Somente cinco pessoas embarcariam em cada viagem, com prioridade para os sobreviventes. Então, o planador e seus passageiros aguardariam a fisgada. A premissa básica era que um C-47 voaria sobre o planador e o puxaria para o ar, por meio de um gancho pendurado na fuselagem. Amarrados, o avião reboque e o planador voariam por sobre as montanhas e se dirigiriam a Hollandia. Depois as aeronaves se desconectariam e pousariam tranquilamente. Era assim que as coisas funcionavam na teoria de Palmer. Na prática, diversos problemas, como uma peça com defeito ou um erro de cálculo, poderiam transformar os planadores em pipas furadas.
Nenhuma recuperação de planadores militares jamais ocorrera tão acima do nível do mar. O ar rarefeito da altitude elevada significava que, mesmo que a fisgada fosse bem-sucedida, havia a possibilidade de que o planador reduzisse a velocidade do C-47 até o ponto de pará-lo. Dependendo da altitude do C-47 neste ponto, o planador poderia se transformar no equivalente gigante de um avião de papel caindo à toda em direção ao chão, arrastando com ele o C-47. Mesmo que o avião não parasse, ninguém sabia se um C-47, rebocando um planador carregado numa atmosfera rarefeita, teria a potência necessária para atravessar o desfiladeiro e sair do vale. Além disso, os pilotos de ambas as aeronaves teriam de enfrentar as nuvens baixas e os ventos cambiantes que tornavam a saída do vale um desafio. Embora os voos do avião de suprimentos a Shangri-La fizessem a viagem parecer rotineira, nenhum piloto envolvido na missão poderia jamais esquecer os erros que custaram 21 vidas a bordo do Gremlin Special.
Caso a primeira pescaria fosse bem-sucedida, os resgatadores teriam de repetir a façanha mais duas vezes, correndo os mesmos riscos. Mas três coisas pesavam em favor da ideia de Palmer. Em primeiro lugar, Elsmore não tinha nenhuma opção melhor, ou mais segura. Em segundo, Palmer demonstrava tanta confiança no plano que se ofereceu para pilotar o planador. Em terceiro, Elsmore era um caubói dos céus, com faro para o drama. Elsmore poderia até repetir o procedimento com o planador e realizar sua própria visita ao vale, há tanto tempo esperada. Por outro lado, caso a missão fracassasse, Elsmore teria de arcar com toda a culpa, pois Palmer não estaria vivo para ser responsabilizado.
A sorte bafejou a missão quando as notícias sobre a operação com o planador chegaram ao major William J. Samuels, comandante do 33º Esquadrão de Transporte de Tropas, sediado em Nichols Field, Manila. Aos 29 anos, havia sido escoteiro em Decatur, Illinois, e piloto da United Airlines antes da guerra. E, mais importante, fora instrutor de voo com planadores em Bergstrom Field, Austin, Texas. O mais experiente piloto de planadores em todo o sudoeste do Pacífico, tanto quanto ele sabia, era ele mesmo. Quando Samuels se ofereceu para supervisionar a coleta de equipamentos e o treinamento da tripulação, bem como para pilotar o avião reboque, Elsmore ficou tão feliz que cedeu o seu próprio alojamento para o major.
Enquanto a operação com o planador prosseguia com lentidão, os três sargentos que cuidavam da organização do acampamento no vale prepararam uma área de pouso segundo as especificações de Samuels. Em uma área relativamente plana — com 400 metros de comprimento por 100 de largura —, eles podaram e queimaram o mato, que deixaram com uma altura máxima de 60 centímetros. Depois, ladearam o terreno limpo com paraquedas de carga vermelhos e usaram paraquedas brancos para traçar uma linha em seu centro. Apropriadamente, para uma operação improvisada, eles usaram papel higiénico para desenhar duas enormes setas apontando para a pista de pouso. Quando chegasse o momento de tentar a fisgada, os tripulantes do Louise Goteira desenrolariam o cabo e o estenderiam, com o anzol na frente, em um braço de madeira, às vezes chamado de verga, que se estenderia abaixo de sua fuselagem. O anzol seria posicionado no final do braço, para se manter firme. Em uma pescaria bem-sucedida, o C-47 passaria em voo rasante sobre o local da fisgada. O gancho de ferro no braço de madeira se prenderia no laço de náilon no alto das traves. E o C-47 seguiria em frente, com o piloto acelerando ao máximo para ganhar altitude, e com o peso adicional do planador. O operador do guincho dentro do avião teria de considerar a velocidade, o peso do planador e outros fatores para decidir quantos metros de cabo de aço teria de soltar da bobina para evitar que a corda de náilon se quebrasse. Se errasse no cálculo, o cabo poderia arrancar o nariz do planador, romper suas asas ou coisa pior. Os pilotos de planadores diziam que, no momento da fisgada, tinham a sensação de estarem sendo projetados no ar por um gigantesco estilingue.
Quando o C-47 ganhasse distância suficiente, o que não demoraria mais que três segundos, o planador seria arrancado de sua imobilidade e iria de zero a mais de 160 Km por hora no espaço de 7 segundos. O operador no C-47 rebobinaria, então, o cabo de reboque para aproximar o planador do avião até uma distância em torno de cem metros. Quando Hollandia estivesse à vista, o piloto do planador desconectaria o seu aparelho do avião reboque, e ambas as aeronaves, separadamente, aterrariam em segurança. Era assim que os planeadores imaginavam a operação.
Em questão de segundos, a velocidade do planador diminuiu de 160 quilômetros por hora para menos de 130. O ronco dos motores do C-47 foi-se desvanecendo à medida que o avião se afastava. Enquanto reduziam ainda mais a velocidade do planador, Palmer e G. Reynolds Allen podiam ouvir o sibilar do vento contra a silenciosa aeronave. Por fim, eles alinharam a trajetória entre os paraquedas vermelhos que delimitavam a pista de pouso improvisada e pousaram. Ao travarem, a cauda do aparelho se ergueu como o rabo de uma baleia, mas logo retornou à posição horizontal. Foi uma aterragem perfeita, capturada por Alex Cann para a posteridade. Ao verem o planador, dezenas de nativos se reuniram ao redor, gritando e uivando. Foi a primeira oportunidade que eles tiveram de ver de perto um daqueles monstros do ar que tanto os aterrorizava no início. Agora, olhavam para ele não mais amedrontados do que os paraquedistas.
Samuels estava mesmo muito preocupado. Antes de deixar Hollandia, ele e seus homens tinham se livrado de suas pesadas botas, suas pistolas calibre 45, as submetralhadoras Thompson do C-47 e todos os itens que não fossem essenciais, de modo a reduzir o peso do avião e, consequentemente, o consumo de combustível. Quando as nuvens se tornaram mais densas, Samuels manifestou dúvidas a respeito da possibilidade de uma fisgada naquele dia. Os tripulantes talvez tivessem que passar a noite no acampamento base e tentariam outra vez na manhã seguinte, caso o tempo permitisse. Pelo rádio, ele ainda informou Elsmore que gostaria de tentar algumas “passagens a seco” — ou seja, voar a baixa altitude sobre o campo sem fisgar o planador, mas Elsmore não concordou por causa de ele estar com pouco combustível.
Enquanto Samuels e Elsmore trocavam impressões lá no alto, o tenente Palmer saltou do planador e perguntou aos sobreviventes se estavam prontos. Pelos vistos, responderam que ainda não. Enquanto os sobreviventes recolhiam apressadamente seus pertences e suvenires, os pilotos do planador começaram a fincar as traves de fisgada. Alex Cann filmou uma cena digna de nota: «Vinte ou mais nativos ajudando Walter e os paraquedistas a empurrar o Pilha de Lenha até à posição correta para ser pesado. Inclinados para a frente, com as mãos pressionando a capa de lona do planador, os soldados modernos e os guerreiros da Idade da Pedra trabalharam juntos, ombro a ombro, para posicionar o Waco naquela terra de ninguém que servia como campo de batalha e que, agora, servia como pista.»
Com o tempo passando e o os tanques do avião se esvaziando, Palmer apressou os cinco passageiros para que entrassem no planador. Margaret percebeu, então, que ainda não se despedira dos nativos. «Mas eles entenderam que estávamos partindo. Lágrimas corriam nos seus rostos negros», escreveu ela. Margaret estava particularmente aborrecida por ir embora sem ter feito uma visita final à “rainha”. Os nativos deviam achar que a chegada do planador era o último sinal da lenda de Uluayek. Amedrontados, eles apelavam para seus antepassados. E Margaret perguntava se tinham sobrevivido a um terrível desastre de avião e a tantas dificuldades, doenças e dores, apenas para morrer quando o resgate estava tão próximo.
Palmer os ajudou a amarrar os cintos de segurança e lhes mostrou onde deveriam se segurar para amenizar o solavanco no momento da fisgada. O major Samuels circulava com o C-47 a 450 metros do chão do vale. Sua tripulação se assegurou de que o braço de fisgada estava na posição correta, pendurado na barriga do avião para pescar o laço de náilon. Olhando pela janela, ele observou o horizonte. Viu nuvens chegando ao vale.
Samuels reduziu a velocidade do C-47 para apenas 200 Km/hora. Depois, empurrou a manete, baixando o avião para apenas 6 metros acima do chão do vale e seguiu em direção às traves de madeira com o laço de náilon. Às 9:47 da manhã, o gancho de aço fisgou o laço. Samuel acelerou para ganhar potência, enquanto puxava a manete para ganhar altitude. Dentro do planador, passageiros e tripulantes sentiram um solavanco fortíssimo. Observando tudo a bordo de seu B-25, a 1.800 metros, o coronel Elsmore fazia figas para dar certo. O peso do planador reduziu a velocidade do avião rebocador para 170 Km/hora. Enquanto o planador voava traiçoeiramente baixo em direção às montanhas cobertas de árvores, Margaret não parava de rezar. O planador voava a cerca de 300 metros do rebocador C-47.
Os cinco passageiros suspiraram de alívio ao perceber que a corda de reboque resistira ao contato do planador com as árvores. Mas, enquanto se cumprimentavam pelo aparente sucesso, ouviram um persistente farfalhar sob o planador. Era o som do paraquedas que se enrolara na roda durante a descolagem. De tanto chicotear a barriga do planador, o paraquedas acabou atravessando a fuselagem, acrescentando mais uma avaria, além daquelas já provocadas pelos galhos das árvores. Pelas frestas abertas no piso os passageiros podiam ver a floresta, muitos metros abaixo. O paraquedas continuou a golpear o Waco, o piso continuou a ceder e os buracos continuaram aumentando. À beira do pânico, Margaret tentou não olhar, mas não conseguiu se conter. Aquilo lhe parecia uma viagem em um barco com fundo de vidro. Só que não havia fundo.
John McCollom, que por duas vezes entrara no Gremlin Special em chamas, que engolira a tristeza com a morte de seu irmão gêmeo para conduzir Margaret e Decker montanha abaixo, que caminhara sobre uma ponte de tronco para confrontar nativos armados com machadinhas, tinha mais uma tarefa pela frente. Desafivelando o cinto de segurança, John McCollom se ajoelhou e engatinhou até a traseira do planador, com o vento batendo em seu rosto. Então, segurando-se para não cair pelo buraco, estendeu a mão, agarrou uma ponta do paraquedas e puxou para dentro um pouco do tecido. Depois, repetiu o procedimento até puxar todo o paraquedas para dentro.
Na cabine de comando do avião, Samuels continuou a obedecer à ordem de Elsmore para não desconectar o planador, mesmo vendo no painel de controlo que os cabeçotes dos cilindros de ambos os motores estavam superaquecendo. Com a ajuda do copiloto William McKenzie, Samuels se equilibrava no equivalente aeronáutico de uma corda bamba, com uma dúzia de vidas dependendo de sua habilidade. Para que os motores não estourassem, ele desacelerou um pouco, mas manteve a altitude mínima para que ambas as aeronaves pudessem transpor o paredão montanhoso. Desceram para 2.400 metros, quase a raspar o cume das montanhas. Samuels não esmoreceu, e o avião continuou a voar, rebocando o planador.
Os noventa minutos de viagem que se seguiram transcorreram sem nenhum incidente. O grupo de recepção correu até Sentani, onde os sobreviventes posavam para fotos com os tripulantes do planador e do avião reboque. Mais tarde, eles deram uma entrevista coletiva que ganhou as primeiras páginas de jornais do mundo inteiro. Quando lhes perguntaram o que gostariam de fazer em seguida, os três se mostraram bem-humorados. Um novo planador foi usado no dia seguinte, na pescaria que resgatou Alex Cann e cinco paraquedistas.
McCollom deixou as Forças Armadas em 1946, mas foi chamado de volta ao serviço ativo durante a Guerra da Coreia. Depois, passou 38 anos como executivo civil na base aérea de Wright-Patterson, em Ohio. Quando se aposentou, tornou-se consultor de assuntos aeroespaciais e vice-presidente da Piper Aicraft Company. McCollom raramente falava sobre seu irmão gémeo, para não ser sufocado pela enormidade da perda. Quando detectava em si mesmo sentimentos de culpa por ter sobrevivido, ele englobava todos os que morreram a bordo do Gremlin Special, não somente seu irmão. “Por que eu não morri, em vez deles?”, ele se perguntava. E, quando lhe perguntavam sobre o que tinha acontecido, ele respondia: “Tive sorte.” John McCollom morreu aos 82 anos.
A última aparição de Margaret como “Rainha de Shangri-La” ocorreu em 1974, quando ela, McCollom e Decker se tornaram membros honorários da National Association of World War II Gilder Pilots (Associação Nacional dos Pilotos de Planadores da Segunda Guerra Mundial). Em uma convenção da associação realizada naquele ano — três décadas após a sua provação —, os três sobreviventes se abraçaram, riram e trocaram reminiscências. Margaret falou pouco, mas contou uma lição que aprendeu no vale: «Acho que o medo é uma coisa que você só sente quando tem uma escolha. Se você tiver uma escolha, está sujeito a sentir medo. Mas, se não tiver escolha, vai ter medo de quê? Você apenas segue em frente, fazendo o que tem de ser feito.» Margaret, depois de um aluta contra um carcinoma uterino morreu em novembro de 1978 aos 64 anos.
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