segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Os portugueses chegam ao Japão em 1543



Em 23 de setembro de 1543, após um dia de tempestades, uma multidão acordou Nishimura Oribenojo, chefe de uma aldeia na ilha de Tanegashima, extremo sul do Japão. Havia uma aparição de homens de cara peluda na praia, com chapéus enormes, calças tufantes e jaquetas pretas. Calçavam sapatos fechados até à canela. Com os estrangeiros estranhos, havia muitos chineses, que os japoneses conheciam bem, e o chefe se dirigiu a um deles. 

Quando na década de 50 do século XVI os portugueses chegaram ao Pacífico, os piratas wako japoneses já andavam pela Tailândia, Birmânia e Índia. A produção de prata do Japão estava no auge do seu poderio comercial, o que foi bom para os portugueses e espanhóis quando lá chegaram. Acontece que depois de o Império Ming ter fechado a sua navegação a sete chaves, em 1567 os chineses desistiram da luta contra o comércio ilegal e voltaram a abrir os portos da China, exceto aos japoneses. Cantão foi aberta, mas a comerciantes europeus. E foi então que o Japão em 1571 autorizou a entrada de mercadores portugueses, tendo-os instalado em Nagasaki.

Desde finais do século XII, o Japão fora governado através de um compromisso, segundo o qual a autoridade legítima pertencia ao imperador, mas o poder efetivo era exercido pelo xogum, reconhecido formalmente como vice-rei ou regente pela corte imperial. O xogum «generalíssimo» era – ou tentava ser – um ditador militar hereditário, e vinha normalmente das fileiras dos generais do imperador. No entanto, a verdadeira base do poder do xogum era a sua coligação de aliados entre os senhores feudais e os seus bushi, ou samurais, a classe de guerreiros. Mas no tempo dos xoguns de Ashikaga este sistema desfez-se numa anarquia de feudos antagónicos que durou dos anos 60 do século XV a meados do século XVI.

Mais ou menos na mesma época, o Japão conheceu uma fase de assinalável expansão comercial. Foram produzidas novas culturas agrícolas e exportados novos produtos, incluindo cobre, enxofre e espadas. Por causa dos controlos da dinastia Ming sobre o comércio, o acesso ao principal mercado do Japão era feito sobretudo através de uma rede de contrabandistas e piratas. Mas a queda dos xoguns, que também reprovavam o comércio não oficial, e a ascensão dos dáimios, os senhores dos domínios locais, muitos deles com interesses diretos no comércio, provocou um aumento súbito de empreendimentos marítimos japoneses.

Estes acontecimentos na Ásia Oriental coincidiram com um período extraordinário de ação missionária cristã. O seu quartel-general situava-se em Goa, a capital do Estado Português da Índia. O direito de Portugal a um monopólio europeu sobre a exploração e comércio da Ásia fora aprovado pelo Papa como parte da missão de levar a fé aos pagãos. Goa foi a porta de entrada para dezenas de missionários que se dirigiram para a Ásia. São Francisco Xavier, cofundador da Companhia de Jesus, desembarcou em 1542, descalço e esfarrapado. Morreu dez anos depois, na costa do Sul da China. O seu corpo foi devolvido para ser enterrado em Goa e exibido uma vez por ano, milagrosamente preservado da deterioração física. O seu prestígio religioso era tão grande que o Papa exigiu que pelo menos um braço devia ser enviado para Roma. 

Outros jesuítas conseguiram chegar à corte do Império Mogol e um deles, Roberto di Nobili, passou vários anos no Sul da Índia, na tentativa vã de conciliar o hinduísmo e o catolicismo de um modo que satisfizesse os brâmanes. O Império Mogol, Império Mugal ou Império Mogul, autodesignado Gurkani foi um Estado existente entre 1526 e 1857 que chegou a dominar quase todo o subcontinente indiano.

O mais extraordinário dos padres jesuítas foi Matteo Ricci. Chegou à China na década de 1580 e, depois de anos de muita diplomacia, recebeu autorização para se deslocar a Pequim em 1601. Uma vez na cidade, a sua erudição, astuciosamente adaptada ao estilo e porte de um sábio confuciano, proporcionou-lhe o acesso à corte. Ricci foi capaz de desenhar o primeiro mapa na China a incluir as Américas. Os seus conhecimentos de cartografia, medicina e astronomia tornaram-se a «imagem de marca» da missão jesuíta, e a sua principal fonte de prestígio. O verdadeiro objetivo de Ricci – convencer os intelectuais confucianos de que o seu conceito de céu era na verdade igual à ideia cristã de Deus – revelou-se muito mais difícil de alcançar. No entanto, muito depois da sua morte, a missão continuou a ser a fonte mais segura de informações europeias sobre assuntos chineses, até à chegada em força dos comerciantes europeus ao Sul da China depois de 1750.

Nem as concessões comerciais nem a sua tentativa de aplacar a hostilidade dos nómadas da fronteira trouxeram descanso à China. No Japão, o período após 1570 assistiu a uma luta decisiva pela reunificação, quando primeiro Nobunaga e depois Hideyoshi estabeleceram uma implacável supremacia pessoal sobre os dáimios rebeldes – com a ajuda da nova tecnologia da pólvora dos mosquetes e espingardas. Hideyoshi estava determinado a conseguir o domínio sobre a rota comercial do Japão com a China, ao longo da costa coreana. Frustrado com os adiamentos dos chineses, 
Hideyoshi engendrou um plano extraordinário para conquistar primeiro a Coreia e depois a própria China. Em 1592 invadiu a Coreia, com um enorme exército de 200 000 homens. Ainda chegou a organizar uma segunda invasão em 1597. Entretanto, inesperadamente, morreu. A ambição de Hideyoshi ultrapassava o seu poderio militar. A verdadeira vítima das guerras na Coreia foram as finanças chinesas.

Depois de Hideyoshi seguiu-se a repressão sistemática da autonomia dos dáimios por Ieyasu - o primeiro xógum Tokugawa. Isso ditou o fim gradual do século cristão do Japão e do tempo de um breve período de abertura ao comércio ultramarino. O cristianismo era considerado culpado pela resistência dos dáimios, sobretudo em Kyushu (onde houve uma grande revolta em 1638/9). Muitos cristãos foram mortos e o cristianismo banido totalmente em 1640. Ieyasu tentou controlar o comércio externo. Os seus sucessores preferiram excluir por completo os europeus. Os espanhóis foram expulsos em 1624. Os comerciantes ingleses já tinham partido. Os portugueses foram confinados à ilha de Deshima, no porto natural de Nagasaki, e depois obrigados a partir em 1639. Após 1635, os japoneses foram proibidos de viajar para o exterior. Os comerciantes e artesãos chineses continuaram a chegar. Nagasaki tinha o seu próprio bairro chinês. A influência cultural da China continuava a ser extremamente forte. Mas em relação ao resto do mundo a política de isolamento (sakoku) era quase absoluta.

E assim se foi dando a reafirmação sistemática da ideologia confuciana pelo novo regime Tokugawa, sedeado então em Edo (atual Tóquio). O poder Tokugawa manteve a forma do feudalismo nos territórios dos dáimios mas alterou a substância. A suserania feudal foi enfraquecida pela concessão de autonomia a nível das aldeias e pela transformação dos samurais, de uma classe guerreira local em algo mais parecido com uma aristocracia de serviço assalariada, paga (em arroz) para administrar os domínios. Para ajudar a legitimar esta nova medida, os primeiros Tokugawa patrocinaram ideólogos e educadores confucianos. Pregaram as ideias confucianas de uma hierarquia de quatro classes (funcionários públicos, camponeses, artesãos e comerciantes), e a necessidade de buscar a harmonia social e natural numa sociedade bem organizada. 

Na China, novos mercados externos para a porcelana e seda fomentaram o crescimento urbano. O influxo de prata japonesa e americana em pagamentos monetizou a economia e o seu sistema fiscal – um ganho importante num país sem metais preciosos. O Japão, com a sua enorme população de cerca de 12 milhões (três vezes a da Grã-Bretanha da época), o seu setor marítimo e a sua reserva de prata, pode ter sido o agente crucial desta abertura. Foi nos portos comerciais do Sudoeste do Japão que o cristianismo estabeleceu uma base de operações quando os jesuítas chegaram, depois de 1580. A atração do cristianismo como cola social foi habilmente explorada numa época de grande desordem.

A China tinha afastado a ameaça japonesa. Mas continuava a enfrentar a pressão constante dos nómadas mongóis sobre a Grande Muralha da China. Um inimigo mais perigoso estava a construir um império fronteiriço que iria dominar a China por completo depois de 1620. Durante a última década do século XVI, Nurhaci, um generalíssimo nómada ao estilo de Gengis Khan, estabelecera uma entidade política Manchu que reunia elementos tribais da floresta e da estepe; e comunidades rurais sedentárias no distrito fronteiriço a nordeste de Pequim. À medida que a China enfraquecia no meio de uma crise fiscal, e de uma desordem interna cada vez maior, Nurhaci reforçava o seu domínio sobre os mongóis e chineses das fronteiras. Para estes últimos, esse novo domínio era mais real do que o do seu suserano nominal. 

Em 1601 Nurhaci criou um exército permanente usando o sistema de estandarte, em que a ênfase atribuída à identidade étnica Manchu era combinada com a divisão em companhias militares como as principais unidades sociais e administrativas. Em 1615 enviou a sua última missão tributária a Pequim. Três anos depois emitiu um manifesto condenando os Ming e declarando a sua intenção de derrubar a dinastia. Em 1636, com o poderio militar, e através do aliciamento de chineses poderosos, os sucessores de Nurhaci efetivaram a sua ambição.

A queda de Pequim Ming, às mãos da dinastia Manchu ou Qing, só viria a ser oficializada em 1644. E marca o fim da experiência de abertura da Ásia oriental ao comércio ocidental que os portugueses pontuaram desde 1543. Era uma mudança no Mandato do Céu. Era a reunificação do Japão depois de 1590. Os dois em conjunto punham fim a um período de abertura na Ásia Oriental iniciada pelos portugueses. No entanto - a combinação da expansão comercial e marítima japonesa; a abertura da China ao fluxo de comércio europeu - algo de novo passou a acontecer no Pacífico Sul, uma maior circulação de pessoas, bens e ideias.

Os governantes Qing eram instintivamente menos hostis à relação comercial com o exterior do que os seus antecessores Ming. Mas desconfiavam profundamente do seu sentido político na região litoral a sul do Yang-tzé, que era geograficamente distante, difícil de controlar e refúgio de lealistas Ming que só muito lentamente foram derrotados. A experiência manchu em diplomacia da estepe ajudou a transformar a Mongólia Interior numa zona-tampão e a introduzir o poder imperial da China na Ásia Interior. A ameaça do norte interior à estabilidade da China foi eficazmente neutralizada. O Japão estava recolhido. E Confúcio estava bem instalado na Coreia e no Vietname. O poder dos Qing anunciava uma restauração notável da «ordem mundial» oriental. A influência europeia, com sede na longínqua Java, estava confinada aos seus nichos. Os anteriores interesses holandeses no comércio direto e na diplomacia sucumbiram ao clima de indiferença mútua: em 1690 a Companhia Holandesa das Índias Orientais já tinha deixado de enviar navios para a China.

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