quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Perdidos em Shangri-La - de Mitchell Zuckoff




Perdidos em Shangri-La - é um livro do autor americano Mitchell Zuckoff , publicado em 2011, sobre o acidente de um avião militar dos EUA - "The Gremlin Special" - que se despenhou na Nova Guiné em 13 de maio de 1945. É uma verdadeira história de sobrevivência, e a mais incrível missão de resgate a poucos dias do fim da II Guerra Mundial. Nessa altura, o território da metade ocidental da ilha da Nova Guiné ainda fazia parte das Índias Holandesas. Hoje essa metade faz parte do território da Indonésia. A metade oriental é a Papua-Nova Guiné, um Estado independente. A narrativa de Zuckoff  é baseada nos diários e nas entrevistas aos sobreviventes; e a nativos do local, muitos anos depois, bem como outras informações inéditas dos arquivos da imprensa da altura e outros documentos históricos do acervo militar da II Guerra Mundial




O avião partira então da Hollandia - Nova Guiné Holandesa - com 24 passageiros. Apenas sobreviveram três pessoas: Margaret Hastings (cabo da WAC); Kenneth Decker (sargento); John McCollom (tenente). O resgate só foi possível passado mais de um mês realizado por uma vasta equipa que contou com paraquedistas, e o recurso a planadores rebocados por avião.

O nome "Shangri-La", dado pela imprensa, foi retirado do romance Horizonte Perdido, de 1933, do autor inglês James Hilton. Hilton retrata Shangri-La como um vale místico e harmonioso no extremo oeste das Montanhas Kunlun do Tibete. Shangri-La é um lugar fictício e tornou-se sinónimo de qualquer paraíso terrestre, particularmente uma utopia mítica do Himalaia – uma terra duradouramente feliz, isolada do mundo. No romance, as pessoas que vivem em Shangri-La são quase imortais, vivendo centenas de anos além da expectativa de vida normal e apenas muito lentamente envelhecendo na aparência. Uma réplica dos budistas tibetanos que acreditam que Padmasambhava estabeleceu no século 9 d.C. como idílicos, lugares sagrados de refúgio para budistas durante os tempos de conflito. Por sua vez, "Gremlin", nome do avião, foi tomado de empréstimo do mito dos Gremlins, que são associados frequentemente a peripécias relacionadas com problemas mecânicos dos aviões.




O cenário não podia ser mais agreste e implacável, no meio das altas montanhas da Nova Guiné, densas florestas tropicais onde pairam regularmente nuvens espessas que parece terem pedras dentro. Perto do vale onde se deu o acidente está localizada a quarta montanha mais alta da Terra - Puncak Jaya ou Pirâmide de Carstensz - com uma elevação de 4.884 m - fazendo parte da cordilheira de Sudirman das terras altas de Mimika Regency, Papua Central, Indonésia.




Na época da II Guerra Mundial, grande parte da ilha era desconhecida, habitada por tribos que viviam basicamente uma existência definida como do tempo da Idade da Pedra. Centenas de aviões caíram lá, e poucos foram encontrados.

A queda do avião deu-se perto do Vale de Baliem cortado pelo rio com o mesmo nome - um enorme vale com 40 milhas de comprimento e 8 milhas de largura. O avião voou muito baixo, entre as montanhas, para que os passageiros pudessem ver os campos cultivados de batata-doce e as aldeias das tribos nativas.  As nuvens baixas devem ter obstruído a visão do piloto, que não sobreviveu. O avião acabou por bater numa lateral arborizada de uma das colinas. A cauda do avião separou-se, o que permitiu a que inicialmente cinco passageiros passassem para fora apesar de a fuselagem ter ficado bastante achatada. Entretanto dois deles não resistiram às queimaduras e lesões internas, tendo falecido poucas horas depois.




McCollom, era tenente, e como tal, o oficial de mais alta patente sobrevivente, apesar de mais novo, competia-lhe assumir o comando dos três. Também foi o que teve mais sorte, praticamente não sofreu ferimentos. Margaret Hastings sofreu queimaduras graves nos membros inferiores. E Kenneth Decker ficou gravemente ferido na cabeça, para além de queimaduras. Portanto, McCollom rapidamente assumiu o comando e tomou todas as decisões certas. O seu irmão gémeo, que também fazia parte dos passageiros, estava entre os mortos. Ele sabia que o corpo de seu irmão estava queimado dentro do Gremlin Special, bem perto dele, e sabia que tinha que deixar isso de lado e tomar decisões. 

Quando o avião apareceu, os membros do povo yali esconderam-se nas plantações de batata-doce, e outros esconderam-se na selva circundante. Foi por esse motivo que Margaret não viu nenhum nativo perto das choças através da janela do avião onde estava sentada. Certamente por sorte, na cauda do avião. Os habitantes de Uwambo já haviam visto aviões antes, principalmente no ano anterior, quando o coronel Elsmore e outros pilotos efetuavam voos regulares de reconhecimento sobre as suas casas. Elsmore havia ficado fascinado com aquele Vale do rio Baliem ainda desconhecido de todos. 

Voltando à reação dos nativos, em boa verdade eles não sabiam o que pensar. Os nativos deviam pensar que os aviões eram pássaros gigantes. Mas por outro lado, o povo yali de Uwambo sabia como eram os pássaros, e como eles voavam, muito diferente daquilo que eles estavam a ver. Os pássaros não faziam aquele barulho, embora davam sinal pelos seus trinados e grasnidos. Portanto, os aviões não se pareciam nem se moviam como pássaros. Algumas crianças nativas achavam que deviam ser homens enormes, com os braços esticados. Poucos imaginavam que traziam pessoas lá dentro.

Enquanto os passageiros a bordo do Gremlin Special olhavam pelas janelas, tentando avistar nativos, um garoto yali chamado Helenma Wandik observava do seu esconderijo na mata o avião, e deve ter achado que voava demasiado perto do solo. Mas não viu o aparelho mergulhar nas árvores. Achou estranho ouvir trovões num dia tão claro. À noite, o povo de Uwambo avistou chamas em algum ponto da serra de Ogi, onde o avião desaparecera. Yaralok Wandik rastejou pelo alto da serra no meio da floresta, para verificar o que estava acontecendo. Ao se aproximar da clareira onde estava o avião em chamas, sentiu um cheiro estranho. Oculto na selva, avistou então os destroços e alguns seres com aspeto humano. Mas não se pareciam com ninguém que ele jamais tivesse visto. A pele de seus rostos era clara, algo estranha, e tinham cabelo liso. Os pés não tinham dedos. Só mais tarde ele aprendeu que coisas chamadas “roupas” protegiam suas peles, e coisas chamadas “sapatos” envolviam seus pés.

Ao regressar à aldeia, Yaralok Wandik não falou a ninguém sobre o que tinha visto. Outros homens fizeram o mesmo. Entre eles estava Nalarik Wandik, cujo primeiro nome significava “Perdendo-se”, e Inggimarlek Mabel, cujo nome significava “Nada nas Mãos”. Outro homem, Pugulik Sam-bom, também esteve na serra, e talvez tenha sido quem mais ficou perturbado pelas coisas que vira. Mas nenhum deles, no início, falou sobre as criaturas que pareciam ter saído do aparelho destroçado. Esse silêncio se enquadrava na idiossincrasia cultural dos yali. O portador de más notícias corria o risco de ser responsabilizado por elas. Em vez de espalhar as notícias sobre o que tinham visto, os homens ficaram calados e se juntaram às pessoas amedrontadas que fugiam pelo meio da selva, carregando batatas-doces ainda não amadurecidas.

No dia seguinte, Yaralok Wandik voltou ao local do desastre e viu o que pensou serem três homens e uma mulher. Após observar os acontecimentos por mais algum tempo, afastou-se de novo, certo de que aquelas criaturas eram espíritos vindos do céu. Essa explicação era perfeitamente adequada. Desde a infância, ele ouvia a lenda de Uluayek, que previa o retorno dos espíritos, cuja corda fora cortada. A lenda descrevia com perfeição esses seres: pele branca, cabelo longo, olhos claros, braços cobertos. Na ausência de uma corda, os espíritos haviam encontrado outra forma de descer no vale. No entanto, não tinha pressa alguma de divulgar as suas conclusões.

Quando outros moradores da aldeia começaram a falar sobre as chamas vistas na mata, Yaralok Wandik quebrou o silêncio. Para seu alívio, ninguém o responsabilizou. Todos estavam ocupados demais especulando sobre o que a chegada dos visitantes estaria pressagiando. Um líder da aldeia, Wimayuk Wandik, ouviu a história de Yaralok com especial atenção. Uma das opções dos moradores de Uwambo era dar boas-vindas aos espíritos, mesmo que sua vinda significasse o fim do mundo, tal como eles o conheciam. Não se lhe colocou na sua mente a hipótese de os matar.



Wimayuk Wandik, o chefe do povo yali de Uwambo (à esquerda) e Margaret Hastings (à direita)

Depois de uma jornada através de uma selva densa e descendo uma ravina íngreme e traiçoeira, os sobreviventes - 
Margaret Hastings (cabo da WAC); Kenneth Decker (sargento); John McCollom (tenente) - finalmente chegaram a uma área aberta. Não passou muito tempo quando voltou a passar um avião de reconhecimento. Eles estenderam no chão umas lonas que traziam para terem mais visibilidade. E eles ficaram convencidos que desta vez foram vistos do avião, o que lhes dava alguma esperança de serem resgatados. E também não tardou serem encontrados pelos nativos - o povo yali de Uwambo. Inicialmente, quando os nativos apareceram, ficaram com muito medo porque se lembravam de rumores de que as tribos locais eram canibais e caçadores de cabeças. Daí McCollom ter sido muito cauteloso. Mas tudo correu bem quando finalmente estabeleceram um contacto que se tornou bastante empático. 

Enquanto os três sobreviventes faziam amizade com  povo yali de Uwambo, o comando militar em Hollandia, depois de ter tomado conhecimento da localização dos sobreviventes, tratou de traçar os planos e as estratégias para levar a bom termo o resgate dos sobreviventes. Paraquedistas filipinos e americanos sob o comando do capitão C. Earl Walter Jr. começaram a organizar-se para mandarem o mais rapidamente possível dois paraquedistas com formação médica e de enfermagem a fim de prestarem os primeiros socorros aos feridos. E assim aconteceu. Como os iriam tirar de lá? Isso era um assunto que ainda lhes iria dar muita água pela barba.


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