sábado, 30 de setembro de 2023

A geopolítica euroasiática no tempo da guerra dos 7 anos [1756 - 1763]


A Guerra dos Sete Anos, entre 1756 e 1763, uma série de conflitos internacionais, esmagou a primazia francesa, mas substituiu-a por um vazio que acabou por desencadear uma explosão geopolítica. De um lado – França + Império Austro-Húngaro e seus aliados (Saxónia, Império Russo, Império Sueco e Espanha); e do outro lado – Inglaterra + Portugal + Prússia + Eleitorado de Hanôver. Em Versalhes/Paris governava Luís XIV. Em Viena, a monarquia Habsburgo era governada por Maria Teresa. Na Prússia era rei Frederico II, o Grande.




A fronteira entre as potências europeias e o Império Otomano tinha recuado e avançado várias vezes desde os primeiros anos do século XVIII. No entanto, embora os otomanos tivessem sido obrigados a recuar desde a sua última grande invasão da Europa, na década de 1680, já tinham recuperado território perdido antes da década de 1730 e estabilizado a sua defesa contra o avanço da Áustria
nos Balcãs.
No Norte, onde enfrentavam a expansão endémica da Rússia, os acessos ao mar Negro – ainda um lago otomano e o escudo estratégico das suas províncias do Norte – continuavam sob controlo dos seus vassalos no Canato da Crimeia. Nas costas do Norte de África e do Levante, as potências marítimas europeias mostravam pouca vontade (ou não tinham meios) para perturbar a supremacia otomana que aí ainda subsistia. Mais a leste, em redor do mar Cáspio, as movimentações russas em direção ao sul a partir do delta do Volga tinham feito poucos progressos, apesar da existência de um tráfico comercial dinâmico que ligava as cidades russas ao Irão, à Ásia Central e ao Norte da Índia.

A década de 1740 foi um período turbulento na Índia, marcada por invasões iranianas, afegãs e maratas que atingiram o coração do Império Mogol. E ao mesmo tempo, antigos tributários do litoral – sobretudo Bengala – reclamavam maior autonomia. As companhias concessionárias dos britânicos, holandeses e franceses tinham fortalezas e feitorias espalhadas pelas costas do Sul da Ásia, e tinham entrado em conflito umas com as outras. Mesmo assim teria sido absurdo prever em 1750 que a luta por um império nas planícies do Norte da Índia terminaria com o triunfo de um imperialismo europeu e não asiático. No maior império de todos, onde mandava a dinastia Qing, o perigo de uma convulsão geoestratégica parecia pouco provável. A dinastia Qing estava a preparar a destruição final do poder militar nómada nas estepes da Ásia Interior, que era a maior ameaça de sempre à ordem na Ásia Oriental. Sinkiang, ou Turquestão Oriental, foi conquistado no final da década de 1740. O Império Celestial tornar-se-ia ainda mais impermeável à perturbação do exterior, e menos disposto a fazer quaisquer cedências a visitantes importunos batendo à sua porta marítima. Pelo menos era o que parecia na altura.

A maioria dos Estados europeus era instintivamente expansionista. Numa época pré-industrial, o poder equivalia à posse de território e à população que este continha, ou a um monopólio comercial sobre produtos tropicais, com a sua promessa fulgurante de um excedente de metais preciosos. A ambição dinástica e a desconfiança recíproca faziam aumentar a bitola territorial. Na Europa Ocidental, os conflitos entre a França, a Espanha, a Grã-Bretanha e a Holanda durante o século XVII tinham girado em torno da questão de se saber se seria a Grã-Bretanha ou a França a potência dominante efetiva no acesso marítimo aos prolongamentos atlânticos da Europa na América do Norte e do Sul.

No Leste europeu havia a disputa de quatro estados soberanos: Rússia; Áustria; Polónia; Império Otomano. A impressão da fraqueza polaca e otomana aguçava a sede de territórios por parte da Áustria e Rússia. Mas, apesar de a França ter visto negada a sua hegemonia absoluta no reinado de Luís XIV, continuava a ser o árbitro da diplomacia europeia. Tinha a maior população, a maior receita pública e o exército mais forte de toda a Europa. Juntamente com um grande prestígio cultural, um comércio bem desenvolvido, uma marinha de guerra impressionante e o aparelho de diplomacia e serviços secretos mais sofisticado, esses factos constituíam uma combinação aparentemente imbatível. Mesmo que não conseguisse dominar a Europa, a França podia esperar regular os assuntos do continente de formas que garantissem a sua própria preeminência.

A França apoiou uma fação na Polónia para conter o incipiente domínio da Rússia e as ambições dos czares Romanov na Europa. Aliou-se à Prússia para manter a pressão sobre a Áustria, e ao Império Otomano para impedir a expansão não só da Áustria, mas também da Rússia. A França dispunha da Espanha, por via da aliança Bourbon, para a defesa do status quo no Mediterrâneo que incluía a Itália. E assim, a armada francesa juntamente com a espanhola também fazia frente à armada britânica. E isso também serviam para limitar as expectativas marítimas da Grã-Bretanha na bacia do Atlântico.

Em meados da década de 1750 a precária estabilidade que o domínio francês sustentava começou a desfazer-se. A força destrutiva era o poder crescente da Grã-Bretanha e da Rússia, numa altura em que o poderio militar francês atingira o seu limite prático sob o antigo regime. A Rússia já não podia ser excluída da Europa; enquanto o poder financeiro da Grã-Bretanha era então suficiente para custear uma marinha vencedora, dois exércitos americanos e os apoios necessários aos seus aliados na Europa. O resultado foi uma guerra continental e marítima que vergou a diplomacia Bourbon.

A desintegração política da Polónia, uma vasta e mal organizada república aristocrata que se estendia do Báltico ao mar Negro, foi um problema para a França. A Polónia era essencial para a diplomacia francesa no Leste da Europa. A sua sobrevivência limitava o domínio da Prússia e aumentava a sua dependência da boa vontade da França. Mas a partir de 1750 os reis eleitos da Polónia eram já fantoches da Rússia.

Numa espantosa inversão de antagonismo histórico, as monarquias Bourbon e Habsburgo resolveram as suas divergências e uniram esforços para reprimir uma Prússia insurgente. A aliança franco/austríaca juntou os dois Estados mais poderosos da Europa. Mas há sempre surpresas nestas coisas, através de uma resistência tenaz, e de uma série de vitórias extraordinárias, Frederico II, o Grande, humilhou os seus poderosos inimigos. A burocracia militarista que criara revelou-se um adversário à altura de uma França distante e de uma Áustria mal organizada. Frederico II não podia vencer completamente. Mas com o auxílio financeiro britânico e com os danos que os britânicos estavam a infligir aos interesses atlânticos da França, ele resistiu o tempo suficiente para levar os seus inimigos à mesa das conversações. 

Um novo czar fascinado com Frederico desistiu da guerra contra a Prússia. A paz que se seguiu em 1763 foi na verdade uma trégua de esgotamento. Os franceses foram expulsos do continente americano, mantendo as suas ilhas caribenhas, ricas em açúcar, e a sua plataforma de pesca na Terra Nova, nas ilhas de S. Pierre e Miquelon. Luisiana foi cedida à Espanha, que perdeu a Florida para a Grã-Bretanha. Mas a verdadeira decisão do Tratado de Paris foi que a França deixaria de ser o árbitro da Europa. O sistema francês fora quebrado. Os trinta anos seguintes assistiram à demolição progressiva do antigo equilíbrio geopolítico na Eurásia e no Mundo Exterior. A expansão dos britânicos já não podia ser travada.


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