quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Filosofia - Kant, Hegel, Marx



A questão da Crítica da Faculdade do Juízo é uma questão epistemológica e de filosofia da mente, de grande importância. A realidade é algo mais do que o que é apresentado através da estimulação dos sentidos. Para Kant, um juízo, é um ato mental de síntese. É uma articulação entre aquilo que nos é sensível – a percepção das coisas – e a sua representação que é conceptualizada com recurso à razão lógica. Há nesse ato mental de síntese a participação também daquilo a que chamamos intuição ou espontaneidade na unidade da autoconsciência. O objeto da Crítica da Faculdade do Juízo não são os juízos que fazemos quando fazemos matemática, mas os juízos ditos reflexivos de certo e errado; porque fazemos o que fazemos ou a sua finalidade, e por aí fora.

A mente não é uma substância. Nem deve ser entendida no quadro de uma metafísica da substância. A caracterização kantiana do mental é remetida para capacidades ou faculdades. Os juízos estéticos são apenas reflexivos. Um juízo é algo que se faz como o exercício de uma capacidade. Mas o argumento central da Crítica da Razão Pura, que aparece na Dedução Transcendental das Categorias, remete para a aplicabilidade das categorias à experiência. Kant estabelece uma relação entre a síntese discursiva do juízo e a síntese da multiplicidade do sensível.

É essencial também compreender a relação do juízo com a lógica, e para isso é preciso compreender o que Kant entendia por «lógica». A parte da Crítica da Razão Pura intitulada Lógica Transcendental, que contém a Analítica Transcendental e a Dialética Transcendental, abre com uma separação entre lógica geral e lógica transcendental. A primeira (a lógica geral) teria, segundo Kant, chegado completa da lógica aristotélica. Estaria feita e acabada de uma vez por todas. Mas a segunda - lógica transcendental - é de alguma forma o assunto da própria Crítica. É teoria do conhecimento e teoria da mente. A lógica geral é formal. É formal tanto quanto se abstrai do conteúdo da cognição. Lida somente com a forma do pensamento geral ou discursivo. A conceção kantiana de lógica tem a ver com as operações da mente.


A separação entre a filosofia e a ciência, devido à suposta ligação entre a ciência e um certo racionalismo afastado pela filosofia, não pode ser considerada consumada no próprio Kant. Pese embora a divisão do trabalho entre os teóricos da forma, os teóricos do sujeito - que analisam como a mente ou espírito opera nas suas várias vertentes; e os teóricos do conteúdo, os cientistas - que produzem conhecimento de primeira ordem. A Crítica da Razão Pura é uma obra de teoria da ciência e de teoria do conhecimento de acordo com a qual fazer teoria da ciência é um empreendimento central para compreendermos o que significa representar e conhecer racionalmente o mundo.

Hoje, com o alvoroço dos ativistas contra o capitalismo por causa da descarbonização da  emergência climática por causa do aquecimento global, está a voltar a curiosidade de saber que relação tinha Marx, afinal, com a filosofia. O Capital - a sua obra magna, é muito complexo, desde logo porque aí se discute tudo, desde a zoologia à política. Marx não tinha propriamente respeito por fronteiras disciplinares e era um leitor omnívoro. Desde a questão do valor de uso e valor de troca das mercadorias, até aos temas do fetichismo da mercadoria e das capacidades que o capitalismo tem de segregar ilusões sobre a sua própria natureza. Mas o Manifesto Comunista (1848), que foi encomendado pela Liga dos Comunistas, uma organização de trabalhadores, e escrito em parceria com Engels, que é ao mesmo tempo uma declaração de princípios teóricos e um exercício de propaganda política, não é um bom ponto de partida para conhecer Marx, dada a sua natureza panfletária, não necessariamente o melhor guia para o pensamento mais sofisticado de Marx.

Para compreender Marx é preciso conhecer Hegel. O trabalho de Marx tem lugar no contexto do movimento dos chamados Jovens Hegelianos, que não viam necessidade de interpretar a filosofia de Hegel como condutor para um conservadorismo político. Marx aceita a ideia de Feuerbach, de que Deus é inventado pelos homens à sua imagem. Mas em contraste com Feuerbach, Marx defende que não basta desconstruir teoricamente a alienação religiosa, mas é preciso compreender porque os homens caem nas malhas da religião. Só depois disso se podem transformar as condições materiais que provocam essa queda.

Marx introduz um novo socialismo, um socialismo mais científico, com o objetivo de substituir o socialismo em construção a que chamava socialismo utópico. Ao moralismo e à compaixão Marx opõe a compreensão científica e a transformação das condições materiais, fazendo acontecer o fim do Estado, o fim da propriedade privada, o fim da sociedade de classes, numa crítica do capitalismo. Os defeitos do capitalismo são para Marx a ineficiência, a exploração e a alienação dos homens.


Marx, na Ideologia Alemã (1845–1846), que é talvez a mais completa apresentação do que se chamaria «materialismo histórico», é um texto escrito em coautoria e não publicado em vida. Aí se começa a desenvolver a conceção materialista da história e os conceitos de que se necessita para ela, tais como condições materiais, meios e materiais de produção. É nesses termos que se descreverá a existência histórica desses seres produtivos que são os humanos na sua relação com a natureza. Os homens distinguem-se dos outros animais a partir do momento em que criam os seus meios de subsistência e a sua vida material. Os meios materiais de produção evoluem, as estruturas sociais e económicas ascendem e decaem historicamente. A estrutura económica é uma questão do desenvolvimento das forças produtivas. A superestrutura política, legal e cultural é explicada pela estrutura económica. O texto é escrito em polémica com os Jovens Hegelianos e contra a interpretação de Hegel feita por estes.
Uma primeira parte, mais longa, é escrita contra Ludwig Feuerbach; a segunda, contra Bruno Bauer; a terceira, contra Max Stirner.

Na obra "O Capital" - A ditadura do proletariado seria uma fase transitória em que o proletariado suprimiria todas as outras classes e a propriedade privada desapareceria, tornando-se social. Com isso, a função do poder político estaria terminada e o Estado desapareceria. O capitalista quer acumular mais capital. O seu objetivo é o lucro. Ora, este lucro, para Marx, vem exclusivamente do trabalho não pago ao trabalhador. O trabalhador é por isso roubado. O interesse do trabalhador reside em melhorar salário e condições de trabalho, o interesse do capitalista reside em aumentar o lucro. Hoje a questão premente parece ser a da repetição das questões de Marx no novo cenário da globalização. Marx concorda com Hegel em muita coisa na análise da História e também num ponto essencial quanto à conceção de consciência: as formas da consciência não surgem fora da História. Elas desenvolvem-se na interação dos homens com a natureza e com os outros homens.

O materialismo clássico, o da Grécia Antiga, tem para Marx a virtude de compreender a natureza. Para Marx, a natureza do mundo é fundamentalmente física. No entanto, não tem lugar para a enorme importância da sociedade e da História, para a interação dos humanos entre si. Mas para compreender a humanidade Marx precisará de Hegel. Será Hegel a fonte do seu arcaboiço conceptualmente humanístico, que não lhe é fornecido pela sua oficina do materialismo histórico, pela sua dialética materialista.


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