quarta-feira, 20 de setembro de 2023

O Oeste e o Leste da Eurásia na Revolução Industrial



Podemos começar por reconhecer que em finais do século XVIII emergiam dois potentados comerciais nos dois extremos da Eurásia: no ocidente era a região do rio Tamisa centrada por Londres; no oriente era a região do Delta do Yangtzé centrada em Xangai.

Por conseguinte, não era toda a Europa, nem toda a China. Grande parte do Sul e Leste da Europa era pobre e atrasada, mesmo para os padrões da época. As regiões mais prósperas, para além da Inglaterra, a França, os Países Baixos, a Renânia, o Norte da Itália e partes da Catalunha também competiam no comércio internacional, só vindo depois a seguir as cidades comerciais do Sul e Leste da Alemanha, bem como o Império Austríaco. Esta era a hierarquia de lugares que Adam Smith elencava em "A Riqueza das Nações", lugares onde campeava uma economia comercial avançada. 

O Delta do Yangtzé era uma grande região de manufaturas, produzindo tecido de algodão para o resto da China, 
comparável ao coração comercial da Europa. Com uma densa população, muitas cidades e uma extensa rede de comunicações fluviais ligando-a ao médio e alto Yangtzé (uma enorme região interior) e ao resto da China (através do Grande Canal). A China beneficiava de leis que tornavam a compra e venda de terras mais fácil do que na Europa, e de um mercado de trabalho em que a servidão praticamente desaparecera (ao contrário da Europa). Numa sociedade organizada e bem regulamentada, com baixos níveis de tributação e um Estado que promovia ativamente as boas práticas (normalmente na agricultura), parecia não haver qualquer razão evidente para que o progresso material segundo os critérios de Adam Smith não continuasse indefinidamente, numa escala comparável à da Europa.

Foi a capacidade única de certas comunidades europeias para inventar e aplicar soluções tecnológicas que lhes deu o grande avanço. Como simples enunciação isso é inegável. Mas o que tornou os europeus tão precoces em termos tecnológicos? Afinal, em capacidade de invenção a Europa estava muito atrás da China. Também não era óbvio que o contexto institucional para a mudança tecnológica fosse muito mais favorável na Europa do que noutros lugares – na China, por exemplo. Além disso, a transformação industrial da Europa não foi o resultado de uma única grande invenção.

O crescimento da economia da Grã-Bretanha foi relativamente lento, o que indicia que o caminho foi feito de mudanças cumulativas e não de uma explosão tecnológica. A concorrência entre os Estados foi crucial para tornar a propriedade mais segura, numa economia de mercado que premiava a eficiência. A somar a tudo isto havia um tesouro inesperado chamado América. A vantagem da Europa não residia nas suas estruturas sociais ou políticas, nem mesmo no seu avanço no pensamento científico. Resultava antes do seu dote de carvão, uma sorte geológica, e da depredação das colónias.

Em meados do século XVIII o sudeste europeu já tinha começado a atrair os vizinhos otomanos para a troca de produtos agrícolas por importações manufaturadas. As exportações de seda do Irão tinham diminuído. O Irão possuía poucas matérias-primas para exportação, e muito menos manufaturas. Na Índia a situação era diferente. A indústria artesanal indiana era altamente produtiva. Talvez 60% das exportações manufaturadas mundiais no século XVIII fossem produzidas na Índia, a fábrica de têxteis do mundo. As musselinas da Índia tinham imensa procura como artigos de luxo na Europa, enquanto os seus algodões mais baratos eram reexportados para a África Ocidental para serem trocados por escravos. 

Gujarate, Malabar, Coromandel e Bengala eram regiões comerciais com fortes ligações internacionais. A terra cultivável era abundante. No entanto, ao contrário do que acontecia na China e na Europa, a margem de manobra para a construção de uma grande economia integrada estava severamente limitada. Em grande parte do subcontinente, o transporte no interior era dificultado pela ausência de vias navegáveis. As rotas comerciais no Norte da Índia foram gravemente afetadas pelo declínio do Império Mogol. A difusão de competências técnicas – elemento crucial no progresso tecnológico – sofria com as restrições de um sistema de castas baseado em ofícios. Um ambiente implacável, bem como a turbulência política que se instalou de modo geral depois de 1750, desencorajavam o investimento de longo prazo. Talvez também seja verdade que a sociedade indiana ao nível dos camponeses e tecelões fosse demasiado independente e móvel para aceitar a disciplina laboral imposta, por exemplo, aos operários fabris na Grã-Bretanha.

Na China havia poucas hipóteses de mudança. A área geográfica imediatamente ao sul do curso inferior do rio Yangtzé é a região que abrange a cidade de Xangai. 
Tem sido considerada como uma das regiões mais prósperas da China devido à sua riqueza em comércio e desenvolvimento humano muito alto. A maioria das pessoas da região fala dialetos chineses Wu como suas línguas nativas. A região enfrentava a concorrência de muitos centros no interior onde os alimentos e as matérias-primas eram mais baratos, e que também podiam aproveitar o desenvolvido sistema de transporte fluvial da China. A própria perfeição da economia comercial da China permitia que novos produtores entrassem no mercado com relativa facilidade ao mesmo nível tecnológico. Nestas circunstâncias, a mecanização – mesmo que tecnologicamente prática – pode ter estado condenada à partida. E embora a China possuísse carvão, estava longe de Xangai, e não podia ser transportado sem custos elevados. Assim, para a China como um todo, o incentivo e os meios para adotar a via rápida industrial eram escassos ou inexistentes.

As regiões mais desenvolvidas da Europa não enfrentavam estas limitações. Mesmo excluindo a questão muito debatida de se saber se as instituições comerciais, o fornecimento de crédito e de capital e a disseminação de conhecimentos úteis estavam mais bem organizados do que na China (tornando o progresso tecnológico mais provável), parece evidente que a crescente procura de alimentos, combustíveis e matérias-primas era satisfeita com maior facilidade. E os avanços tecnológicos fizeram aumentar a produtividade dos terrenos agrícolas existentes. E onde a procura de combustível era maior, esta podia ser satisfeita através de amplos fornecimentos de carvão. A Europa dispunha também da vantagem adicional do comércio colonial, cujos lucros dependiam em parte do fruto do trabalho escravo. Tinha o seu dote inesperado de terras livres, sobretudo na América do Norte. O resultado geral foi que o núcleo europeu teve mais tempo disponível para aproveitar as oportunidades do progresso técnico e uma oportunidade muito maior de dar o salto tecnológico para o uso da energia a vapor com a sua dependência do carvão.

Por volta de 1800 a Revolução Industrial já laborava a todo o vapor.
 Parte da Europa passava por uma versão intensificada de mudanças económicas. Isso acontecia na Grã-Bretanha, cuja trajetória económica foi bastante mais abrupta do que a das regiões igualmente prósperas da Europa continental. Neste caso, três fatores foram decisivos. Em primeiro lugar, nos oitenta anos depois de 1760 houve uma transferência enorme no emprego da agricultura para a indústria. No início deste período a indústria empregava cerca de 24% da mão de obra masculina; em 1840 o número já subira para 47%. Este deslocamento ocorreu sem aumentar o custo dos produtos agrícolas, a condição fundamental para a expansão industrial. Assim, enquanto em 1760 um trabalhador agrícola podia alimentar um trabalhador industrial, oitenta anos depois já podia alimentar quase três. Em segundo lugar, embora este enorme aumento da mão de obra industrial (e não um grande aumento da produtividade geral) fosse uma particularidade notável da Revolução Industrial da Grã-Bretanha, não menos terá sido a sua grande concentração na produção de têxteis, sobretudo algodões. Os ganhos de produtividade concentraram-se sobretudo na indústria têxtil.

Os britânicos foram pioneiros na utilização da energia a vapor e do carvão à escala industrial. O vapor livrou a Grã-Bretanha das limitações do uso de combustíveis que afligiram a China, e abriu caminho a processos industriais com grandes necessidades de energia. O carvão e o coque foram os meios indispensáveis para aumentar a oferta de ferro-gusa, que mais do que triplicou entre 1788 e 1806. O vapor e o ferro juntos produziam mais ferramentas e máquinas duradouras do que aqueles que se podia fazer de madeira. A energia a vapor foi também aplicada aos têxteis na última década do século XVIII, na produção de fio, ajudando a fazer baixar ainda mais os seus custos. E na década de 1820 já começava a ser usada para o transporte por água e terra – uma inovação que iria conferir enormes vantagens comerciais e estratégicas aos seus utilizadores. Os fabricantes britânicos, duma maneira geral, já tinham substituído grande parte dos produtos indianos no seu próprio mercado interno e ultrapassado a Índia.

A Índia, em 1820, já se havia tornado um importador líquido de algodões. Com a chegada da tecelagem mecânica depois de 1830, a vantagem da Grã-Bretanha em fios estendeu-se aos tecidos. Em meados da década de 1830 os artigos de algodão constituíam já mais de metade das exportações britânicas para a Índia, e a Índia já se havia tornado o segundo maior mercado da Grã-Bretanha para as manufaturas de algodão. Esta inversão foi espantosa. Ao derrubar a longa primazia da Índia no mercado mundial dos têxteis, os britânicos podiam levar o seu comércio para qualquer mercado na Ásia cuja porta estivesse aberta. O mercado da Índia tinha sido aberto à força pelo poder imperial britânico. Faltava saber se esse poder também podia ser exercido noutros mercados.

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