segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Sertório, e a guerra de Roma na Hispânia



As façanhas de Sertório[122 a.C. - 72 a.C.] na Hispânia ajudaram-no a vencer a eleição para questor, e durante a Guerra Social ele foi encarregue de formar, treinar e comandar tropas, embora não se saiba ao certo qual foi a sua patente. Os comandantes e oficiais graduados romanos deviam comandar e dirigir seus soldados de trás da linha de combate, um estilo de liderança que, inevitavelmente, envolvia considerável risco de ferimento ou morte. Sertório comandava de modo especialmente ousado, inspirando seus homens com o desprezo que ostentava pelo inimigo e confiança na sua habilidade com as armas para proteger-se de qualquer ataque. Seus métodos trouxeram-lhe sucesso considerável no campo de batalha, embora à custa de um ferimento que o cegou permanentemente de um olho.

No início, as forças de Sertório  não eram numerosas, e Plutarco nos diz que, no primeiro momento, somavam 2.600 legionários, cerca de 700 líbios que se uniram a ele durante as campanhas no norte da África, uma infantaria leve de 4.000 Lusitanos (ou caetrati – nome derivado dos pequenos escudos redondos que portavam), e aproximadamente setecentos cavaleiros de diferentes origens. Essa força era apoiada, no começo, por cerca de 20 cidades. Sertório também possuía, ou viria a adquirir, uma pequena marinha para auxiliar as operações em terra. De modo geral, seus recursos eram ofuscados pelos dos generais de Sula na Hispânia, os quais, juntos, dispunham de mais de 120 mil homens de infantaria, seis mil de cavalaria e dois mil dedicados às escaramuças. Não obstante, desde o começo as operações de Sertório obtiveram vitória atrás de vitória, e seus oponentes não conseguiram coordenar seus esforços de guerra de maneira eficiente. Nos primeiros anos, ele derrotou os governadores das duas províncias da Península e, no ano seguinte, suas tropas derrotaram e mataram o governador substituto da Hispânia Citerior, um certo Lúcio Domício. O novo procônsul da Hispânia Ulterior era Quinto Céclio Metelo Pio, filho do homem que realizara campanhas contra Jugurta.
 
A cada vitória, o poder de Sertório aumentava. Embora estivesse, sem dúvida, com pouco dinheiro e desprovido de todas as coisas necessárias para realizar suas campanhas, ele sempre tratava os habitantes das províncias de forma justa e generosa, insistindo em que suas tropas e oficiais fizessem o mesmo. Tomou cuidado particular com as aristocracias locais, normalmente garantindo sua liberdade e restaurando as propriedades àqueles que se tinham oposto a ele, quando capitulavam. Uma vez que Sertório sempre declarava ser um magistrado empossado adequadamente pela república de Roma, aproveitou os muitos exilados que fugiam da Itália dominada por Sula em busca da sua proteção na Hispânia. Assim, formou um Senado, e todos os anos promovia eleições de magistrados.



Os soldados eram estimulados a usar armas e armaduras bem decoradas, o que servia para desencorajar os inimigos, e aumentar o orgulho pessoal. Esperava-se que obedecessem às ordens, e o mau comportamento era punido com rigor. Num caso, Sertório lançou mão da tradição militar nativa e formou uma guarda pessoal composta por celtiberos. Esses homens eram ligados ao seu líder por um juramento solene, de modo que não deveriam sobreviver caso ele fosse morto. Em troca recebiam armas, alimentos e a possibilidade de conquistar glória. A prática era razoavelmente comum entre as tribos da Hispânia, bem como da Gália e da Germânia, e colocava nas mãos de alguns chefes a lealdade fanática de grupos de seguidores. As fontes que relatam as campanhas de Sertório são escassas e não permitem a reconstrução de uma narrativa detalhada sobre a guerra na Hispânia e, menos ainda, uma análise das ações individuais. Em lugar disso, elas nos dão uma visão global e trazem muitas histórias sobre sua habilidade como comandante e general.

Em 83, Sertório tornou-se pretor, a tempo de tomar parte na guerra contra Sula, que estava retornando. Cina fora linchado quando alguns legionários se amotinaram no ano anterior, e o comando supremo foi passado a certos indivíduos notáveis somente pela falta de talento militar. Sertório ficou numa posição nada invejável ao ter seu conselho ignorado, mas suas previsões relativas ao desastre inevitável, que apenas aguardava o curso das ações mostraram-se precisas e fizeram que os outros se ressentissem demasiadamente dele.

A esmagadora vitória de Sula na Itália permitiu que suas legiões eliminassem quaisquer sobreviventes da causa de Mário, e logo Sertório foi expulso da sua província. Durante algum tempo, ele vagou pelo Mediterrâneo ocidental, encontrando quase sempre derrota e fracasso, até que conseguiu vencer um exército de Sula na Mauritânia. O sucesso foi seguido pelo apelo direto de uma delegação de Lusitanos para que ele retornasse à Península Ibérica e os livrasse de um governador opressivo. A partir de então, seu destino melhorou de modo decisivo. Os Lusitanos eram, muito provavelmente, representantes de comunidades estabelecidas e altamente romanizadas, e não membros de grupos incivilizados. O conflito foi sempre travado como parte da guerra civil, e não como um levantamento de independência em relação a Roma.

A chegada de Pompeu [106 a.C. - 48 a.C.] fez muito para revigorar o exército e seu comandante. Sertório decidiu medir a força do seu novo oponente antes de arriscar-se em batalha campal e deu instruções estritas aos seus subordinados para evitarem uma grande ação contra o exército principal, tanto de Metelo como de Pompeu. Dois legados de Pompeu, que comandavam pequenos destacamentos, foram derrotados individualmente, mas o jovem general avançou com grande confiança ao saber que o próprio Sertório estava sitiando a cidade de Lauron (provavelmente próxima da moderna Valência). Quando os habitantes de Lauron perceberam que seu aliado não era capaz de ajudá-los, renderam-se a Sertório. Ele permitiu que a população partisse em liberdade, mas arrasou a cidade, demolindo-a até ao chão, num esforço para completar a humilhação de Pompeu. Foi um grande desapontamento para a primeira campanha de Pompeu na Península Ibérica, um duro golpe no homem que gostava de se referir a si próprio como um segundo Alexandre, o Grande, mas que agora devia ter percebido que, pela primeira vez, enfrentava um comandante com habilidade real. Seu único consolo era, talvez, o facto de Sertório ter relutado em travar uma batalha campal contra ele.

Embora Sertório sempre precisasse encarar o problema de estabelecer um esforço de guerra subsidiado apenas pela receita gerada pelo controlo de algumas partes da Hispânia e não tivesse acesso a novos recrutas romanos em lugar dos locais, seus inimigos não estavam em condições muito melhores. No inverno de 75-74, Pompeu escreveu ao Senado reclamando da falta de apoio, afirmando que os suprimentos e o dinheiro mal eram suficientes para uma campanha de um ano, e aquela já durava três. Seus próprios fundos, os quais gastara com liberalidade para manter o exército, tinham-se exaurido, e as legiões estavam agora a ponto de passar fome, com o seu pagamento em enorme atraso. O historiador Salústio fornece uma versão da carta, a qual termina com a ameaça de Pompeu de levar seu exército de volta à Itália. Se tal ameaça estava explícita ou meramente implícita no original, o resultado desejado foi atingido, e um reforço de duas legiões, juntamente com fundos consideráveis, foi rapidamente despachado em seu auxilio.

Ao mesmo tempo, Sertório recebeu uma embaixada de Mitrídates do Ponto. Derrotado por Sula e obrigado a aceitar a paz em 85, diversos incidentes, notadamente a anexação da Bitínia pelos romanos, convenceram o rei de que apenas a derrota de Roma podia evitar a contínua erosão do seu poder. Assim, ele ofereceu a Sertório uma aliança, prometendo enviar navios de guerra e dinheiro; em troca, receberia conselheiros militares romanos para treinar seu exército nos modos de operação das legiões e o reconhecimento do seu direito sobre territórios, inclusive as províncias da Ásia e da Bitínia. Sertório colocou o problema diante de seu Senado, no qual a maioria dos membros estava inclinada a concordar com ele, já que a perda de terras que não estavam sob seu controlo parecia ser um preço baixo a pagar pelo auxílio. A atitude de Sertório foi diferente e, uma vez mais, ele enfatizou que via a si próprio – em primeiro lugar e principalmente – como um servo da República, pois daria a Mitrídates o direito a tudo, exceto à Ásia, que era uma província romana antiga e bem-estabelecida. Ao ouvir essa resposta, Mitrídates teria perguntado que termos seriam exigidos por Sertório se ele estivesse no controlo de Roma, em vez de circunscrito a um canto distante da Hispânia. Não obstante, o tratado foi confirmado, e quarenta galés e a grande quantia de três mil talentos de prata foram enviados pelo rei.

Nos anos seguintes, Metelo e Pompeu cooperaram novamente durante as estações de campanha, mas sua estratégia era agora muito mais metódica e consistia na captura sistemática de fortalezas leais ao inimigo. Às vezes, Sertório conseguia frustrar seus ataques, como quando substituiu as fortificações de madeira que Pompeu havia incendiado em Pallantia antes da sua chegada e, então, seguiu adiante para enfrentar e derrotar uma força inimiga nas vizinhanças de Calagurris, infligindo três mil mortes ao adversário. O destino era indeterminado, mas a derrota final de Sertório não parecia estar próxima. Metelo estava desesperado o bastante para oferecer um enorme prémio pela cabeça de seu inimigo, prometendo não apenas terra e riquezas, mas o direito de qualquer exilado voltar a Roma se assassinasse Sertório.

Contudo, se Sertório não estava vencendo a guerra, agora era claro que não podia vencê-la. Apenas na Hispânia sob seu comando havia romanos que ainda lutavam contra o Senado estabelecido por Sula, quando este fora ditador. Sula havia-se retirado da vida pública em 79 e falecera menos de um ano depois. A maior parte de seus inimigos estava morta, e o Senado que ele tinha engrossado com seus partidários já dirigira a República tempo bastante para convencer literalmente cada cidadão da sua legitimidade. Certamente, conforme os anos passavam, as possibilidades de Sertório e de seu Senado serem reconhecidos como líderes legítimos da República diminuíam quase que totalmente. Com Sula morto, o principal motivo da guerra tinha desaparecido, pois, como em todas as guerras civis de Roma, as causas desse conflito foram as rivalidades pessoais de políticos. Mesmo apesar de o Senado ser lento em destinar recursos à guerra contra os rebeldes na Hispânia, não havia mais dúvidas de que ele iria, no final, vencer. 

Sertório parece ter percebido isso, e Plutarco nos diz que, depois de diversas vitórias conquistadas por ele, mandou enviados a Metelo e Pompeu oferecendo depor as armas. Sua única condição era receber permissão para retornar a Roma e lá viver retirado da vida pública como um cidadão. Tais ofertas eram sempre recusadas. A mesma motivação para obter a vitória absoluta que tornava tão difícil derrotar os romanos nas guerras estrangeiras implicava que suas lutas intestinas eram sempre travadas até à morte. Os compromissos e termos firmados entre inimigos eram muito raros e nunca permanentes. Foi, talvez, o crescente sentimento de desespero que levou Sertório a abandonar seus hábitos antes frugais.

Sertório continuou a lutar, mas o sentido de futilidade alastrou-se aos romanos do seu exército. Havia crescente ressentimento pelo facto de ele manter uma guarda pessoal de celtiberos e pelos rumores de que não confiava em seus próprios conterrâneos. Perperna promoveu uma campanha de boatos para subverter a autoridade do seu comandante. Os oficiais romanos do seu exército tornaram-se cada vez mais brutais no tratamento que dispensavam aos nativos, apesar de Sertório estar consciente da necessidade de manter a sua lealdade. Tal comportamento levou a rebeliões, depois das quais ele se viu forçado a infligir punições selvagens às comunidades. Vários dos rapazes que frequentavam a sua escola foram executados em resposta aos atos de deslealdade de seus pais. 

Com o tempo, a justa admiração dos habitantes da província degenerou em ódio ao despotismo, e a boa vontade que crescera ao longo dos anos desapareceu com rapidez. Desertores, tanto romanos como lusitanos, começaram a passar em número considerável para o lado do inimigo. Os romanos possivelmente foram estimulados pela legislação aprovada em Roma a conceder perdão àqueles que tinham apoiado Lépido, caso se rendessem. Perperna não tinha intenção de se render e queria, em vez disso, arrebatar para si o comando supremo. Em 72, ele ofereceu um banquete a Sertório e a alguns membros da sua guarda pessoal e, quando já estavam bêbados, ordenou a seus soldados que os matassem. 

Apesar de sua ambição ter aumentado demasiadamente, a habilidade de Perperna como líder não melhorara, e ele foi rapidamente derrotado por Pompeu, que, desse modo, pôs fim à guerra. Perperna usou os exércitos de Sertório para atacar Pompeu. Mas foi derrotado e capturado. Perperna tentou mostrar a Pompeu cartas que tinham vindo de pessoas importantes de Roma, convidando Sertório a vir para a Itália e mudar a constituição. Mas Pompeu não só não leu as cartas como as queimou. Perperna foi executado.


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